O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 30º EPISÓDIO


No domingo bem cedinho Venâncio dirigiu à capela dos arcanjos, foi cumprir com o ritual conforme o orientou o Velho Miro.
Encontrou a filha do coronel que saia com uma toalha e alguns ramos de flores murchas nas mãos:
-- Bão dia sinhurinha Dusanjo veio rezá tumem?
-- Bom dia senhor Venâncio, não só rezar, mas também trocar a toalha do altar por outra limpa e colocar flores novas nas jarras--, que bom que o senhor tem o hábito de rezar, gostei de saber, isso é uma prova que podemos confiar em vossa pessoa!
--Brigado, ma ieu aprindi rezá foi dispois qui vim trabaiá aqui, sinhô Miro mim insinô i dispois disso ieu tô sintino outro home, mais alegre, inté o boi pretête ta gostano mais dieu, inhantes disso num pudia mim vê qui quiria mim batê!
--Ah é, sabia disso não senhor!
-- Ele quais mim amassô, contei pru sinhô Miro ele falô quesse boi é mágico, sabe quem é bão e quem num presta, mim aconseiô mode ieu vim aqui na capela qui isso era pru ieu nun tê riligião e nun rezá, intonse ieu cuntei qui num sabia rezá, ele mim insinô, i mandô ieu rezá todo dia cedo qundo levantá e de noite na hora de drumi. E no dumingo inhantes de tudo ieu vim aqui tumem, daí pracá ieu sinti uha miora danada boa in tudo qui faço!
Dusanjo despediu dele e se retirou o pistoleiro fez sua oração, voltou para a cabana, enquanto o velho Mira preparou o almoço ele ajeitou seus apetrexos e as iscas para subir o rio em sua pescaria, indo ao encontro com o coronel Certorio que estava marcado para o meio dia no esconderijo de sempre.
Pouco antes do horário marcado, o pistoleiro já estava com um ensopado de peixes preparado. Quando o coronel Certorio amarrou sua mula na sombra da copaíba, e sentiu o agradável cheiro do seu cozido encheu a boca d’água. Entrou e foi logo dizendo:
--Nem vô dá bom dia pra voismicê não Dentuço me dê logo uha cua desse seu pexe ai sinão ieu vô aguá, cumo ta cherano o danado, se tivé poco voismicê cuzinha mais!
--Ieu fiz cum sobra coroné imaginei qui quando o chero ispaiasse pur inredor daqui até os bichos do mato ia querê pode cumê à vontade!
--Donde foi qui arrumô esse tempero tão gostoso?
-- Lá donde tô morano cum o veio Miro, ele tem de tudo lá na horta! Só num tem daquele tempero qui matô os home, qui nois quemô ali na cabana!
--Pricisa de voismicê mim alembrá disso? Se voismicê repiti isso de novo quem vai sê quemado é voismicê!
--Tá bão coroné num tá mais aqui quem falô! Bão mais vamo no qui interessa, cunforme o sinhô deu orde essa semana, foi à semana de pais, ieu tive mais perto de tudo qui acunteceu pur lá.
--Nicó vosso fio foi lá e pidiu casamento cua fia do home!
-- Mardição voismicê tem memo de matá aquela bruxa mardita num vai isperá ma nem um dia!
--Carma coroné ele pidiu ma Purinquanto num aceitaro não, falaro qui primero tem de caba cua pendenga das duas famia dispois vai prusiá no assunto!
Outra coisa onte de tarde teve lá um mensagero levano recado do vosso fio pidino se coroné recebe ele, pra marca um dia, pelo jeito no dia quele pidiu casamento coroné pruibiu ele de vortá lá, ma memo assim coroné marcô pra quarta fera.
Ma coroné voismicê nun acha qui se os dois casá, fica mió pra juntá as furtuna de voismiceis dois?
--Ah dentuço ieu quero juta minha furtuna é cua do coronel Tenório, vamo casá Nicó cua fia mais veia dele, a desse mardito daqui ieu vô ficá cuela de quarqué jeito, qui seje a custa de bala se fô priciso!
Ma fais o siguinte ieu nun vô falá nada cum Nico, fica atento no qui vai sê a prosa, pra dumingo voismicê trazê o risurtado pra mim. Num vai sê face ieu aguentá o ódio qui tô sintino calado má pra podê ieu dá nele o gorpe e casa ele cum Quintina ieu tem de inguli tudo qui é sapo. E ieu vô fazê isso.
--Agora primero de tudo ieu tem ôto sirviço pra voismicê, ieu gosto da mué de Terenço e tô quereno ela só pra mim, ma ela nun que largá ele diz qui já tem muitos ano junto e nun tem corage de larga mão dele. Gosta de mim tumem ma tem dó dele Ieu vô te dá dez conto de reis pra voismicê matá ele. Ieu trago ele aqui voismicê fais o sirviço.
-- Ma i os povo lá da Bocaina ieu vai disisti de iliminá eze?
--Não aquela impreitada é ota coisa, nun muda nada, cuntinua o nosso prano do memo jeito. O Terenço é rancadô de erva, ieu trago ele aqui pra mostra as ervas qui tem muita nesses matos daqui e voismicê fais o sirviço.
-- O sinhô falô quele é rancadô de erva ieu lembrei qui coroné Tiburcio tá pricisano dum rancadô de erva. Ieu vô arrumá ele pra rancá erva pra ele trago mode fica arranchado aqui nessa gruta, o chamoele pra pescá mais ieu e jogo ele no rio dispois ieu conto a muié dele quele morreu afogado, o sinhô me paga cinco conto adiantado e dispois do sirviço pronto me paga o resto. Tamo cumbinado?
-- Negocio fechado e pra voismicê contratá o sirviço dele, ieu tem de mostra adonde ele mora hoje num dá mais tempo de iate no sitio dele.
--sem pobrema o Prudêncio fica no meu lugá apurano a rapadura ieu vem amanhã eze vai achá bão, fais tempo qui tão pricisano de limpá as erva aqui nessas bandas de vossa divisa pra ponhá o gado prá cá, Prudêncio já pidiu qui quarqué um de nois qui ficá sabeno quem fais esse tipo de trabaio avisá, qui coroné contrata o sirviço e paga bem.
--Intonse vamo subi cumigo pra tria afora até na istrada lá ieu ti insino o caminho, hoje nun dá mais tempo, ma amanha vino sedo voismicê vai tê tempo de sobra pra i vortá!
Seguiram pela trilha até a estrada principal, lá o coronel explicou com detalhes o caminho que levaria Dentuço ao sitio de Terencio. Dentuço fez mais uma pergunta:
Coroné tem mais argum sitio pur perto pur que se tivé ieu tem de tê cuidado esse tipo de sirviço é mió qui ninguém mim veje in lugá ninhum.
--Oia Dentuço no meio das minhas terra só ficô Terenço qui ieu num obriguei a mim vendê, ma agora nem pricisa de ieu compra, ele um tem fio e ieu vô ficá cua muié dele tumem.
Depois de tudo acertado o coronel seguiu seu destino, o pistoleiro voltou, fechou seu esconderijo. Entrou na sua pequena embarcação, desceu pescando, pegou peixes o suficiente para distribuir com o velho o cunhado Maneco e boa quantidade cozinha da casa grande, onde ele próprio alimentava durante a semana.
No dia seguinte bem cedinho, ele procurou Prudêncio forma os dois falar com o coronel Tiburcio a respeito das ervas, saiu tudo como o pistoleiro planejou bem antes das duas tarde lá estavam os dois falando com o coronel Tiburcio, Venâncio e Terenço:
--Só tem um, porém coroné ieu nun posso cumeçá no vosso sirviço agora pru essa semana é de lua nova ieu arrancá erva nessa fase da lua é o memo qui pranta treis veis mais ela brota cum muito mais força, ieu tinha isquicido disso, ieu voto pra casa segunda fera to aqui de novo, ieu tinha vindo já pra ficá, ma ieu vorto sem pobrema.
--Se voismicê vei pra ficá pode trabaiá notros sirviço, via ajudá Maneco na lida do gado pode sê1
-- Tá cumbinado coroné pra semana ieu cumeço nas erva. Sábado sinhô mim libera Mais cedo um tiquinho mode ieu i in casa pode sê?
-- Perfeitamente, leva ele pro alojamento Venâncio dispois o Prudêncio mostra ele cumo é qui tudo funciona, outra coisa voismicê Venâncio quando achá que hora de mudá pru alojamento pode fazê isso.
--Brigado coroné ma ieu num posso dexá sô Miro sozinho num ieu tô morano cuele pru que tava quexano se muita sulidão-, poso te dá um parpite Terenço, voismicê diz num tê muita prática cum canoa, fais o siguinte no dumingo é dia de ieu subi o rio pescano, nois levanta no rompê da orora quando sor sai voismicê já vai tá quais in casa passa o dia pru lá de tardinha nois vorta pode sê.
O pistoleiro conseguiu ir além de seu plano levou Terenço para a sede da fazenda e deixou seu esconderijo livre, com o intuito de no domingo de manhã subirem o rio juntos, enquanto ele fosse a sua casa ele teria uma prosa com o coronel, à tarde qundo ele voltasse o coronel já teria ido embora.
Tudo acertado assim com o Venâncio Terenço gostou muito do ambiente, vivia praticamente sozinho. Não tinha com quem prosiar, logo na primeira noite se juntou aos escravos e caiu na dança lá na senzala, coisa que há vinte anos não fazia, na segunda levou com ele o Venâncio também, o pistoleiro muito tímido a principio, mas logo se soltou. Após a festa quando o pistoleiro voltava para cabana vieram novamente às palavras da  sua mãe em sua mente:
--Tumara qui voismicê vai butà mais a morte de um inucente na cacunda. Larga mão de tanta mardade cas taxa do inferno tá freveno isperano pru voismicê!
Ele ouviu o borbulhar das taxas ferventes na maior perfeição e sentiu um calor horrível em seu cérebro, estava quase chegando à cabana, voltou lá na capela abriu a porta com muita sutileza sentou em um banco, e só quando aquela imaginação desapareceu ele foi dormir.
Quarta feira duas horas em ponto, horário em que todos reuniram na cozinha para jantar. Prudêncio avisou:
--Oia coroné a visita chegou o que ieu diga pra ele?
-- Cunvida pra vim jantá se nun aceitá, diga qui aguarde tão logo disocupemo vai sê atindido ieu agora num vô sê tão cavalero! Dusanjo ouviu a resposta do pai, levantou de onde estava sentada bordando colocou o material sobre o banco e disse:
--Deixe comigo padrinho, o senhor pode jantar eu atendo. Saindo pela porta da sala ela entrou no pátio e o cumprimentou:
-- Boa tarde Nicó desça da montaria e seja bem vindo! Como das outras vezes, ela estendeu a mão o segurou pelo punho e o conduziu para a sala o gesto o deixava lá nas nuvens:
--O pessoal esta jantando você aceita jantar conosco?
-- Não agardicido, quero qui voismiceis discurpa pru ieu insisti tanto in tá vino aqui aburrecê, ma ieu tô a bera da locura, cum o qui tô passano cum meu pai.
É verdade tudo aquilo que seu mensageiro passou ao meu padrinho? Seu pai pediu em casamento pra vosmecê alguém que nem conhecem?
-- Verdade sim ieu até imaginei qui ele tava pidino a mão da fia dele qui tava lá incasa visitano a gente, quando preguntei pra ela se tava sabeno daquela armação, o pai dela vei caquela prosa respondeno qui o pidido era pra Quintina a fia mais veia. Qui na famia primero casa a mais veia dispois casa a zotras.
-- Nicó eu posso confiar na vossa pessoa?
--Pode sim ah cumo pode é o qui mais desejo!
--Então vamos fazer o seguinte fica só entre nos dois eu também estou gostando de vosmecê. Pensei muito nos últimos tempos e concluí que é um ótimo partido. Vou te dar minha palavra, mas vamos esperar, no tempo certo casaremos.
-- Verdade ah ieu vô sê o home mais filiz do mundo, vô arrumá um mestre iscola pra mim insiná falá direito e voismicê vai sinti orguio de mim.
-- isso não é o mais importante, vosmecê cuida lá dos interesses do vosso pai e na hora certa tudo será resolvido. Daqui a poco papai virá aqui para juntos conversarmos, concorde com o que ele disser e deixe o tempo correr. Mantenha firme, porque de minha parte eu vou cumprir com o nosso compromisso.
Quando terminou a refeição o coronel dirigiu para a sala, ao encontro de Nicó, Prudêncio e os demais saiu pela porta da cozinha e forma cuidar dos trabalhos.
--Boa tarde Nicó discurpa demorei um pouco estava jantando voismicê aceita jantar tumem!
--Boa tarde coronel; num sinhô ieu agradeço-, ieu pra cumê nessa hora só memo qundo tô na lida pesada. Mim perdoa o sinhô ieu tá insistino tanto em vim aqui, ma de hoje pra frente, ieu vô mim controlá!
-- Dusanjo falou pra voismicê o qui ela pensa a respeito do seu pidido?
--Falô sim sinhô coronel, inclusive qui o sinhô já tava sabeno o que ela ia mim dizê?
-- Sabia sim desde qui ricibi seu recado, ela e eu prusiamo muito a respeito do acunticido cum voismicê, tudo o qui foi passado é verdade vosso pai pidiu in casamento uha discunhicida pra voismicê sem qui tivesse sabeno?
-Sim sinhô tudo foi do jiitinho qui passaro pru sinhô, Dusanjo cunfirmô tudo cumigo, foi isso memo qui acunteceu!
-- Intão ieu vô te dá um voto de cunfiança, já tá mais do qui na hora de nois acabá quessa mania de marca na vontade e no desejo dos nossos fio, isso vai cumeçá cumigo, as iscôia tem de sê feita pur eze, quem vai vivê junto cum o cumpanhero ô a cumpanhera nun é o pai. Ieu sei qui ninhum desses coronéis pur esse mundo afora vai ficá do meu lado i vai falá qui sô um home frôxo, ma se arguém num Tumá essa atitude isso nun muda nunca
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 08/12/2017
Reeditado em 08/12/2017
Código do texto: T6193271
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.