1033-TIGRINHO E A TERAPIA DO GRITO -

Uma equipe afinada, um verdadeiro time: assim eram os funcionários da agencia do Banco do Brasil em Ventoleve, pacata cidade do interior de Minas. Pacata mas com boa produção de café, razão pela qual o banco instalara sua agência, para concorrer com as outras seis agências bancárias que já funcionavam na simpática cidade.

A abertura da agência, como é natural, foi recebida com satisfação pelas autoridades, que discursaram afirmando que uma nova era se apresentava à cidade, na inauguração, justamente no dia do padroeiro da cidade, vinte de janeiro. O ano era 1959.

A agência iniciou as atividades com nove funcionários, mais o gerente e o subgerente. O numero total era de onze, o que sugeriu logo a formação de um time de futebol. Ideia que agradou a todos. Alguns imaginaram o nome para o time, outros compraram camisetas e o subgerente, afável e de boa conversa, conseguiu do Clube Atlético local para treinamento, nos sábados de manhã.

— Será ótimo para a gente se livrar das preocupações do dia a dia, e refazer as energias para a próxima semana. — Vaticinou o gerente, que, apesar da idade e da careca exposta ao sol, topou logo a organização do time, ficando como goleiro.

A agência cresceu muito logo nos primeiros meses de funcionamento e os treinos do time contribuíam para o alivio das tensões coo também para aumentar a camaradagem entre todos. No final dos treinos, por volta do meio-dia de sábado, alguns dos funcionários passavam pelo Bar Papagaio para uns aperitivos. Todos descontraídos e de cabeças frescas.

Eu disse todos? Todos, menos um, que mesmo participando dos jogos, dos aperitivos e do alegre convívio, ainda sentia que só aquele exercício futebolístico não era o bastante para ele aliviar as próprias tensões.

Era Eduardo, o caixa. O trabalho todo da agência acabava desembocando no caixa, pois resultavam finalmente em pagamentos e recebimentos. Ele trabalhava pra valer e com muita segurança. Fazia questão que os clientes conferissem o dinheiro quando recebiam, e era meticuloso ao contar o dinheiro quando o cliente fazia pagamento. Por isso, nunca registrou diferença no fechamento do seu caixa. Mas chegava ao fim do dia tenso e um pouco nervoso.

Naqueles idos tempos, o local do caixa nos bancos era um cubículo, cercado de tela grossa, o que dava uma aparência de jaula. E Eduardo, que se movimentava eletricamente dentro do seu cubículo, por seu temperamento vivaz, sendo baixinho e ruivo, lembrou logo aos colegas a figura de um pequeno tigre dentro da jaula.

Daí ao apelido de “Tigrinho” foi coisa de poucas semanas. Sendo também dotado de bom humor, aceitou o apelido, que o destacava principalmente nos treinos de futebol, onde ele, como atacante, era incentivado com os gritos de “Vai, Tigrinho!”, “Bom drible, Tigrinho!” e quando chutava em gol (e ele era bom mesmo) as ovações de “Goooooool de Tigrinho!” atravessavam o campo de futebol.

Ainda assim, o “Tigrinho” não se aliviava totalmente das tensões. Então, encontrou uma maneira de ficar em paz consigo mesmo e com o trabalho: descobriu o a terapia do grito.

Pelas manhãs de domingo, saia caminhando pelos campos e pelas serras “no rumo do nariz”, isto é, não seguia pelas estradas ou trilhos conhecidos. Quando estava bem longe das fazendas e dos locais onde poderia haver gente, ele começa a gritar a plenos pulmões todos os palavrões que conhecia.

— Filho da puta! Desgraçado! Vai tomar no fiofó!

E por ai seguia, seria impróprio escrever aqui todos os palavrões que ele gritava. Por um bom tempo fazia a gritaria pelos pastos e nas colinas. Voltava para casa até cantando algumas canções da época.

— O melhor de tudo, dizia ele, é quando encontro um paredão ou uma grota com eco. Então troco comigo mesmo os palavrões mais cabeludos.

Na segunda-feira, lá estava o “Tigrinho” bem disposto e sorridente, para iniciar mais uma semana de trabalho em sua jaula.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 24 de outubro de 2017.

Conto # 1033 da Série 1.OOO HISTÓRIAS / PLUS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 14/03/2018
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