*Viados velhos

Viados velhos

Coisas que só acontecem comigo – XXXVII

Foi por volta dos anos 2000, que eu e mais dois amigos, sendo pai e filho, saímos num final de semana para realizarmos um trabalho de topografia em Santa Rita, cidade localizada às margens da BR-230, a 22 km de João Pessoa.

Era um trabalho que deveria durar um dia, mas que, por experiência própria, já sabíamos que toda previsão acabava sendo infundada.

Como o percurso era de aproximadamente 650km, equivalentes a oito horas de viagem, saímos bem cedo de Aracaju. Mas todo o nosso otimismo se extinguiu, diante das inúmeras dificuldades que enfrentamos no caminho.

Em Alagoas, a BR-101 estava em processo de duplicação e, portanto, cheia de desvios, muita poeira e oferecendo sérios riscos de assaltos. Os dois, pai e filho, se revezavam ao volante com grande competência e, nas raras oportunidades em que a estrada permitia, eles pisavam fundo no acelerador.

Por esse tempo, minha carteira de habilitação estava vencida e eu estava sem a menor pretensão de revalidá-la.

Aquela não era uma trilha fácil, pois cortávamos meio estado de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e meio estado da Paraíba.

O que me levou a lembrar-me desse episódio foi o que aconteceu de fato no dia 09/3. Era aniversário da cidade e ia haver um grande evento naquela noite, com vaquejadas e show de cantores.

Chegamos extenuados, por volta das 18h, muito além do que prevíamos. Para complicar, não encontramos um único lugar disponível nos hotéis, pousadas ou hospedarias. Retornar para João Pessoa só em último caso, ou, então, para Bayeux.

Como se sabe que, com fome, ninguém tem boas ideias, decidimos ir jantar e tomar uma cerveja, para clarear as ideias. De repente, lhes falei:

– Já que não conseguimos arranjar um hotel, poderemos dormir num motel, o que acham?

– O quê? Você pirou?

– Oxente! Se vocês estão com medo, então durmam de calças jeans!...

Como não apareceu outra ideia melhor, fomos à procura de um motel, o que não foi difícil encontrar.

Os dois dormiram na cama redonda e eu me acomodei num colchonete.

O milésimo problema do dia apareceu, quando o primeiro de nós entrou no banheiro e descobriu que o chuveiro estava emperrado. O pessoal da recepção nos informou, então, que não havia outro apartamento disponível e caso não tivesse problema pra gente, eles iriam mandar uma pessoa para examinar o chuveiro. Prontamente aquiescemos.

Em poucos minutos, alguém bateu à porta dos fundos e... tchan, tchan, tchan, tchaaaan.... Qual não foi a nossa surpresa, quando vimos entrar uma mulher de macacão azul, segurando uma caixa de ferramentas.

Mais surpresa ficou ela ao ver três homens de cuecas, no mesmo apartamento. Dois, talvez, até pudesse ser normal, mas três?!

Com o perdão da palavra, “um encontro a três devia estar programado”! Foi o que ela deve ter imaginado, a julgar pelo sorrisinho cretino que ela deu.

Feito o serviço, finalmente nos preparamos para dormir, embora “dormir “fosse uma mera expressão semântica, já que, com nossos roncos, parecíamos mais um trio sertanejo formado de britadeira, motor serra e trator de esteira, em pleno funcionamento.

Às 6h, tomamos café, pagamos a conta e saímos para um dia intenso que prometia muito. Na saída do motel, eis que encontramos um carro quebrado, obstruindo nossa passagem.

Todos nós já tivemos, em algum momento da vida, a impressão de que estamos sendo observados. Com certeza, aquela mulher encanadora devia ter espalhado por toda a administração do motel que dois viados estavam ali, acompanhados de um garotão. Eu me senti observado por trezentos olhos ocultos.

Tivemos que descer, para tentar retirar aquele obstáculo do nosso caminho, às vistas de todos. Já de volta ao nosso carro, ouvi quando a que consertara o nosso chuveiro comentou na portaria:

– Que coisa horrível! Dois cabras nessa idade importunando o garotão... Esse mundão está perdido mesmo!

Em resposta, coloquei as duas mãos para fora do carro, fazendo o V V,

que não era o da vitória, mas de “vamos voando”.

Mas para ela, aqueles dois V deviam ter outro significado, como por exemplo... “viados velhos”!

Aracaju – Sergipe, 08/03/ 2018