MEU VIOLÃO, MEU AMIGO

Tempos bons e difíceis os tempos de estudante. Muito vigor, mas dinheiro pouco para mitigar a impulsividade da juventude. Dinheiro pouco, mas suficiente para uma meiota de cachaça.

Lembro que certa vez estávamos eu e Zé Domingos no bar “escondidinho”, que ficava na esquina da rua Princesa Izabel com a João Pessoa, em Natal. Onde hoje é uma farmácia. Na rua Princesa Isabel, havia uma porta seguida de um corredor. Lá dentro era o bar. Daí o nome “escondidinho”.

O dono do bar baseava a medição de “meia garrafa” a partir do instrumento mais usual: o tradicional copo médio, tipo “americano”. Enchia a garrafa na altura do referido copo que, apesar dos tempos decorridos, ainda resiste no portfólio da indústria de utensílios de vidro Nadir Figueiredo.

Meiota pura, sem tira-gosto. Aliás, com tira-gosto precário, aquele que guarnecia as mesas: farinha de mandioca com molho vegetal inharé, aquele cujo nome original era “Delicioso”, e sua fórmula era guardada a sete chaves por Marieta Fiuza.

Zé Domingos é figura maiúscula na arte de tocar e cantar. Quando não estava tocando, costumava deixar o violão ao seu alcance, em pé. Quando apetitava, pegava o violão, tocava e cantava. E nós, “roendo”, como ele costuma dizer: “Quem não rói não é nem gente”. Éramos gente.

As músicas eram as mais variadas, umas contemporâneas, outras intermédias e outras velhas valsas dos tempos dos nossos avós. Música é a terceira das artes e arte não tem idade. Quando dava uma parada, o violão voltava para a sua posição original de descanso: em pé ao lado da mesa.

Entra no bar um cidadão. Toma acento e pede uma cerveja bem gelada. Não vou mentir, ficamos, ambos, com inveja.

Alguns minutos depois Domingos afirma com convicção: “Vamos lavar com cerveja”. Logo em seguida, pega o amigo violão e com o seu estilo peculiar, tocou e cantou uma canção de Toso Gomes e Antônio Correa, gravada em 1966, na voz de Altemar Dutra: “Eu canto a minha dor”.

Eu pego o violão

E canto a dor alheia

Também minha alma anseia

Eu canto a minha dor

Nesta canção.

De tão emocional

Meus olhos rasos d´água

Me faz sentimental

Meu coração ficou cheio de mágoa.

Abre a janela e vem

Ouvir a voz de quem

Deu tudo que era seu

E nada recebeu.

E hás de saber por quem

A minha voz vagueia

Eu canto a minha dor

Não canto a dor alheia.

O cidadão (chamo assim, à maneira de Domingos), ficou extasiado. Olhava com fixação para o exímio dedilhar nas cordas do sonoro violão.

E não deu outra. A farra dos estudantes terminou na casa do cidadão.

Muito tempo depois, presenciei uma situação que em muito se assemelha.

Eu era do Banco do Brasil e estava em Brasília fazendo um curso. Zé Domingos, funcionário do Ministério da Agricultura, lá morava e trabalhava. Saímos pela noite do planalto central e fomos parar num piano bar. Sentamos num canto de parede e ficamos a ouvir o piano maravilhoso.

O pianista fez um intervalo. Afinal ninguém é de ferro.

Zé Domingos foi no carro e pegou o violão. O objetivo era tocar e cantar baixinho, recardando dos velhos tempos.

Os frequentadores do piano bar foram se aprochegando. Mais, cada vez mais. De repente forma-se um círculo de bons ouvintes. E eu fiquei de interface, transmitindo para Zé Domingos as solicitações musicais.

Não houve mais piano. O pianista preferiu juntar-se aos demais. Foi só voz e violão. O dono do bar não cobrou a conta, mas tal fato já não fazia a menor diferença.

DJAHY LIMA

DJAHY LIMA
Enviado por DJAHY LIMA em 12/07/2018
Reeditado em 12/07/2018
Código do texto: T6388488
Classificação de conteúdo: seguro