TROCOU A NAMORADA POR UMA CABRA
  
Luiz nascido em1920, com vinte anos de idade, filho de uma família de imigrantes italianos, que eram formadores de café numa fazenda do interior do Estado de São Paulo, começou a namorar uma mocinha de uns dezessete anos, filha de um caboclo que tinha uma pequena propriedade que fazia divisa com a fazenda.
     
O pai da moça junto com a família cuidava do sitiozinho, o tempo que sobrava, a mulher e filhos trabalhavam na fazenda, ele prestava serviços a quem o contratasse, visto que era domador de burro bravo, capador de animais, inclusive porcas.
    
 Os namorados se encontravam as escondidas, as vezes no trabalho, em terços nas casas da fazenda que tinha muito na época, ou na cidade, mas era encontros rápidos. Até que um dia a moça disse a ele que teria que ir à sua casa, pedir para seu pai permissão para namorar.
   
Luiz sentiu um frio na barriga, mas não querendo demonstrar fraqueza, disse que ia no próximo sábado. Durante a semana ficou pensando em tudo que falavam sobre o homem e teve medo.
     
Não era poucas as estórias que contavam sobre o pai da moça, um caboclo de uns quarenta e poucos anos, moreno cor de bronze, com a pele tostada pelo sol, com uma barba rala, taciturno e com cara de poucos amigos, mas muito correto no proceder.
     
Diziam que tinha vindo para São Paulo fugindo de sua terra, outros falavam inclusive que no passado fizera parte do bando de Lampião, e outras coisas mais, tudo isso deixou Luiz muito preocupado e passou uma semana terrível.
     
Até que chegou o sábado, tinha que decidir, ou pedia a mão da moça ao pai, ou perdia a namorada. Essa era a condição imposta por ela.
     
Luiz chegou da roça por volta das duas horas da tarde, tomou um banho na bica, fez a barba, vestiu sua melhor roupa, calçou a botina nova e saiu. Sentia um aperto no peito, uma sensação estranha de ansiedade, medo e esperança ao mesmo tempo.
     
Não era longe a casa da moça, cortando uns atalhos pelo meio do cafezal, dava aproximadamente uns quarenta minutos de caminhada, o que para ele pareceu uma eternidade.
     
Luiz ia pelo caminho pensando no que iria falar ao homem, as vezes até falava em voz alta para ver se estava bom. Era mês de dezembro e o sol estava castigando, Luiz já estava suado, sentindo-se cansado e dezanimado, pensando até em voltar.
     
Quando saiu do cafezal passou por uma faixa de terra que era usada para plantar milho ou feijão, entrou por um caminho que atravessava um grotão de mata fechada e chegava no sitio do pai da moça.
     
Entrando no caminho do mato todo sombreado sentiu-se revigorado pelo frescor do ambiente, tomou uma água fresca numa nascente que tinha no fundo da grota, e começou a subida para chegar a divisa do sitio.
   
Chegando à porteira de entrada da propriedade, vieram uns cachorros latindo, ele foi entrando, as crianças brincando em frente à casa anunciaram sua chegada, a mãe da moça veio recebe-lo, mandou que entrasse, pois Luiz era conhecido da família, seu Raimundo esse era o nome do marido, não estava em casa. Luiz entrou, sentou na sala, a mulher foi para a cozinha e ele ficou sozinho sentindo-se inquieto. A moça nem sinal dela, de vez em quando aparecia alguma das crianças, ele tentava brincar para ver se espantava um pouco o nervosismo.
     
Passado uma longa hora, Luiz ouviu um barulho de um cavalo chegando, que foi para o fundo da casa, seu Raimundo entrou pela porta da cozinha e Luiz ouviu quando a mulher disse ao marido que ele estava na sala esperando para conversar.
     
Seu Raimundo só tirou o chapéu, entrou na sala, com lenço no pescoço, uma faca na cintura, de botas arrastando as esporas e ainda estava com o rebenque no braço, Luiz teve um calafrio quando ele disse:
     
--- Tarde seu Luiz, o sinhô qué falá comigo?
Luiz levantou, vermelho meio gaguejando disse:
--- Eu quiria sim! Si não fo incomodá?
--- Pois pode fala home! To aqui pa lhe ouví!
     
Disse isso e foi sentar-se numa cadeira de palhinha no canto da sala, tirou do bolso uma palha de milho, um pedaço de fumo de corda, puxou a faca da cintura, cortou a palha e começou a picar o fumo para fazer um cigarro.
     
--- Luiz ainda mais nervoso, tudo que tinha ensaiado para falar, não conseguiu lembrar de nada, trêmulo tentava falar alguma coisa.
--- Seu Raimundo! Eeuu..., eeuu queria vê se o senhô podia...
--- Que isso moço! Ce parece que ta nervoso! Qui aconteceu?
   
Luiz olhava a faca na mão do homem, o rebenque pendurado no braço, que arrastava a tala no chão, pensava na namorada e não conseguia dizer nada, suando, já estava a ponto de sair correndo. De repente olhou pela janela aberta, num piquete, ao lado da casa tinha umas cabras pastando. Teve uma ideia:
     
--- Seu Raimundo! O senhô num me vende uma cabrita dessa aí?
E mostrou pela janela as cabras no pastinho.
--- Puis vendo sim, vamo lá pro ce iscolhe.
   
Sem outra saída, Luiz escolheu uma cabrita pequena ainda, pagou e saiu com ela amarrada numa corda que o pai da moça emprestou.
     
O moço pegou o caminho de volta quase chorando de vergonha e de raiva, pelo fracasso que foi a visita a casa da namorada, pensando como ia fazer para chegar em casa com aquela cabrita. Quando já estava perto da colônia, ele a soltou no meio do cafezal, chegou em casa contrariado, mas não disse nada a ninguém, pensando em esconder da família e dos amigos o seu fracasso.
     
No domingo a tarde, estava Luiz c
om seus amigos no campinho de futebol que havia num gramado em frente a colônia, estavam todos brincando de bola e batendo papo, quando chegou um menino de uns quinze anos, irmão da namorada trazendo a cabrita que tinha voltado para casa e o pai mandara entregar para ele. Os amigos queriam saber o que tinha acontecido, não teve outro jeito, acabou contando tudo desde o início, procurando amenizar um pouco para não ficar tão feio.
     
O resultado de tudo isso, foi que Luiz perdeu a namorada, pois esta deste dia em diante não quis mais nem conversar sobre o assunto, teve que aguentar a gozação dos amigos que não perdoaram. E ficava muito nervoso quando a turma toda trabalhando no meio do cafezal, alguém berrava imitando uma cabra
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Glossário:     Grotão = depressão na junção de duas montanhas ou morros.
                Rebenque = ´pequeno chicote de couro para tocar a montaria.
                     Tala =  fica na extremidade do rebenque, uma tira de couro cru.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 14/08/2018
Reeditado em 26/11/2020
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