Dia de finados

O mês de novembro é muito especial para todos. No dia dois, comemora-se o dia dos Finados, ou seja, o dia que marca a lembrança de algum ente familiar, amigo, que se foi para a eternidade. Também, no dia quinze, comemora-se a Proclamação da República do Brasil. Outro feriado. Então, são dois feriados até a aproximação das festividades natalinas.

Oscar, um jovem estudante de engenharia, muito cedo saiu de sua cidade natal para estudar no colégio militar, pois o pai era militar reformado e tinha o desejo de ver o filho ser um grande engenheiro agrônomo.

Muito dedicado, Oscar tomou o rumo certo. Era muito estudioso e dificilmente vinha visitar o pai na pequena cidade do interior de Minas Gerais. Seu pai era muito rigoroso e de tantas normas internas, a mãe de Oscar não conseguiu viver junto dele e logo foi pedindo o divórcio, voltando a morar na casa de seus pais, no Estado do Paraná. Oscar ficava divido entre a faculdade na capital mineira, visitar a mãe no estado do Paraná e algumas vezes, o pai, na pequena cidade mineira, entre serras, um grande rio e de muitas matas. Quando Oscar chegava para visitar o pai, ele mais ficava passeando pelas matas e campos de sua cidade natal do que ficar com o próprio pai. Na opinião de Oscar, seu pai era bastante chato. Implicava com tudo, até mesmo com a roupa vestida por Oscar. Todas as vezes, o rapaz voltava para a capital chateado, nervoso, pois o próprio pai não lhe dava atenção, sempre o ameaçava, sempre brigava com ele e por algumas vezes foi agredido pelo pai.

O garoto sempre se queixava para a mãe, a qual ele sempre gostava de visitá-la. Quando chegava no estado do Paraná, ela ia recepcioná-lo na rodoviária, no aeroporto ou por onde ele chegasse.

Da última vez, Oscar disse:

- Mamãe. Todas as vezes que vou visitar papai, ele sempre briga comigo. Ele me diz que eu sou chato. Gosto muito de ficar andando pelas matas, gosto de pescar e que não fico perto dele.

- Olha, das últimas vezes que fui até lá, vi uma pessoa estranha. Vi uma nova mulher dele. Acho que amigou definitivamente.

- Ela, por nome de Maria José, é muito chata. Pior do que ele.

- Maria José tem uma filha do antigo casamento. Ela é jovial, muito bonita, mas tem um namorado tão enfadonho e ciumento.

- Ele, da última vez que estive lá, me ameaçou em bater-me, porque cismou que eu a olhava de uma forma diferente. Não é verdade, mas ela dava umas pequenas olhadas para mim. Quando contei a meu pai, ele virou um verdadeiro bicho. Ele me empurrou, deu-me umas palmadas no traseiro. Falou-me, também, se eu continuasse a olhar para a Madalena, ele nunca mais deixaria eu ir lá.

- O que aconteceu, depois, Filho?

- Mamãe, eu não resisti. Ela começou a olhar muito para mim, depois que o namorado foi embora.

- Eu sou homem e não pude evitar.

- Ela me disse que eu não era tão homem assim e me fez uma proposta.

- Eu teria de dormir com ela. Feito isto, ela não mais olharia para mim.

- Porém, Mamãe, as coisas saíram erradas. Quando eu me dirigi para o quarto dela, à noite, eu não fiquei sabendo que o namorado, de vez em quando, dormia lá.

- Nós nos enfrentamos, mas ele me bateu muito e chamou o meu pai. Além de apanhar dele, meu pai me deu outra grande surra. As marcas ficaram em meu corpo por muito tempo. Meu pai pegou a carabina e saiu dando tiro para o alto, afim de recear-me. Peguei parte de minhas coisas e nunca mais voltei lá.

Desta forma, Oscar lamentava para sua querida mãe o motivo que não mais aparecer na cidade, onde seu pai morava.

O tempo passou e muitas lembranças ficaram por parte de Oscar e o velho pai. Já formado, Oscar foi trabalhar no exterior e ficou muito tempo por lá. Entre muitos estudos, estágio, grandes negócios e ao fim a conclusão do pós-doutorado, Oscar tinha pouco contado com a família. Sempre era através de cartas, correspondências eletrônicas e mais uns vinte e tantos anos ele permanecia no exterior.

Um belo dia, já cansado daquela vida no exterior e surgindo uma nova e melhor proposta para dar aulas e chefiar uma equipe de pesquisas, Oscar retorna ao Brasil. Recebeu a notícia que sua mãe faleceu. Ficou muito pesaroso, mas a vida é desta forma. O dia de cada um está escrito no grande livro da vida. No dia, na hora, no minuto e no segundo, quando o cidadão, seja homem, mulher, criança, pobre, rico, qualquer um, for lido neste livro, ele deixará tudo e parte para a vida eterna.

Com este pensamento, já madurecido filosoficamente, Oscar recebeu a notícia do falecimento de sua mãe. Não pensava muito no pai, mas algumas lembranças permaneciam em sua mente, principalmente a surra que levou dele e a ameaça dos tiros disparados pelo militar reformado. Passou mais um tempo e a vida estava seguindo o curso normal. Com as proximidades das festas de final de ano, Oscar finalmente consegue complementar a folga a mais no ano com as férias acumuladas. Ia permanecer três meses de férias. Pensou muito e queria fazer algo para se desculpar com o militar reformado.

Resolveu ir em uma quinta-feira para a cidade mineira. Tomou o transporte aéreo e lá se foi. Fretou um helicóptero e chegou à cidade. Procurou um hotel e foi logo perguntando as notícias de seu pai, mas sem dizer que era filho, pois Oscar também estava jurado de morte pelo namorado de Madalena. Recebeu péssimas notícias de que o militar havia falecido há quatro anos e no leito da morte pedia perdão ao filho e fez uma promessa para o chefe do cartório comunicar o filho. Algum dia, quando viesse à cidade, teria que ir ao túmulo dele e pedir perdão em voz alta.

Escutando esta afirmação, Oscar não pensou duas vezes. No leito de morte, seu pai lhe pedia perdão e ele não descansaria em paz se o filho não fosse até o cemitério municipal dar o perdão.

Como era dia de finados, Oscar passou na floricultura e comprou um lindo vaso de flores para colocar no túmulo de pai. Com o vaso em mãos, pediu referências onde estaria o túmulo do militar e foi logo levado até lá.

- Veja, amigo. Este é o túmulo do militar. Ele era uma pessoa muito boa, mas muito nervoso. Dizia o encarregado do cemitério.

Oscar não podia dizer o que sentia naquele momento. Ele foi criado como cristão, mas conheceu novas doutrinas e novos conceitos da vida. Outra coisa que ninguém sabia sobre Oscar era que ele era muito medroso. Não gostava muito de ir ao cemitério, porque sentia um medo muito forte das pessoas que partiram para outro mundo. O coração batia forte, as mãos ficavam suadas e as pernas tremiam. Naquele momento, ele não tinha escolha. Olha para vários lados e somente via túmulos, sepulturas, flores, cruzes, retratos, velas, pessoas lavando túmulos. Perto do túmulo de seu pai, havia um amontoado de entulhos, restos de tijolos, cimento, pedras, cascalhos e outros ingredientes de reformas.

Bastante assustado, Oscar olhou para o túmulo. O coração bateu forte dentro do peito, as lágrimas surgiram em seus olhos grandes, fazendo-o tirar os óculos e chorar baixinho. Lembrava de seu pai, uma figura sinistra. Muito sério, sem dar um sorriso sequer, de quase dois metros de altura, barbas feitas diariamente, um bigode bem cortado, cabelos grisalhos, roupas limpas e bem assentadas no corpo. Não era de muita conversa, nem mesmo com a segunda esposa. Oscar lembrava e os primórdios de choro vieram em seguida.

- Meu inesquecível Pai, Coronel Odilon.

- O tempo foi passando. Eu sempre amei o Senhor. Sei que não está me ouvindo, mas venho lhe dizer que lhe amo muito.

As lágrimas corriam rosto a fora, fazendo com que Oscar interrompesse o fluxo delas com uma passada de lenço no rosto. A tarde se finalizava e era o momento certo para ele estar ali. Muito espinhado, ele queria fazer a homenagem ao pai falecido, da mais prudente maneira. Tinha medo de que o namorado de Madalena estivesse ali por perto e quisesse cumprir a promessa feita há vários anos. A emoção de estar ali, escondido, era grande e se as pessoas o reconhecessem e fossem dizer para o marido daquela mulher que ele deitou várias vezes. Ficaria muito mal para ele e a cidade era muito pequena. Eram pouco mais de quatro mil habitantes e todos ali conheciam uns aos outros. Criou coragem e foi logo falando em voz alta e até esqueceu que poderia ser revelado a qualquer momento:

- Meu pai adorável. Sei que não fui um bom filho. Muitas vezes eu abria a mesa que ficava no quarto. Quando o senhor dormia, tirava-lhe as chaves e via a coleção das revistas de mulheres nuas. Comia o queijo todo e dizia que tinha sido o gato. Tomava quatro banhos por dia e dizia que meu banho tinha sido rápido. Enfim, estas e outras aventuras eu fiz. O senhor não ficou sabendo.

Estas e outras confissões, Oscar dizia em voz alta e em dado momento os ouvidos sentiram dois gemidos vindos de dentro do túmulo.

- Não é verdade, pensou rapidamente interrompendo sua confissão.

Continuou, de forma mais rápida, porque se sentiu à vontade e neste momento de comoção é que as palavras saem abertamente, clareando mais o raciocínio. Pelo menos uns cinco minutos Oscar ficou falando e implorando o perdão do finado pai.

Assim que se passava mais da metade da confissão, Oscar ficou mais intrigado porque os gemidos aumentavam a cada intervalo de cinco segundos. O som vinha mais forte do túmulo, fazendo com que Oscar aproximando mais de perto disse, em voz muito alta, misturada com soluço, choro, gritos, comoção.

- Sei que o Senhor está me ouvindo, então me dê um forte sinal, porque vou lhe perdoar para viver melhor a sua morte.

Falando mais alto, Oscar não percebia que as pessoas que estavam por perto escutavam a conversa dele no túmulo. Uns olhavam para os outros e comentavam quem era aquele cidadão, bem vestido, de cabelos bem penteados, com um lindo vaso de flores na mão, de vez em quando limpava os olhos enxugando as lágrimas com um lenço importado.

- Vamos, meu velho pai. Vamos, dê-me um sinal para eu ir embora e assim lhe perdoar.

Estava muito difícil para Oscar contornar aquela situação. No fundo de sua alma, ele já havia perdoado seu pai, mas a outra parte de seu cérebro criava algo inesperado dentro de si, como se fosse uma sensação de medo, de terror e até mesmo de pânico. O suor corria frio pelo corpo. As lágrimas se misturavam com o forte calor da tarde quente e ele nem sequer olhava para os lados e via que algumas pessoas estavam olhando desconfiadas para ele. Era um péssimo sinal e a qualquer momento alguém poderia reconhecer-lhe e chamaria o marido da Madalena.

Criando mais arrojo, ele diz com mais força na voz:

- Por favor, dê-me o sinal de que recebeu meu perdão.

Neste momento, Oscar sentiu que algo segurava suas pernas, com muita força e dizia para ele ajudar a sair dali, porque permanecia muito tempo ali em baixo e queria sair dali de qualquer jeito.

Desesperado, Oscar gritou em voz alta:

- Perdoa-me por ter deitado com a Madalena por várias vezes e você não ficou sabendo.

- Então foi você, seu desgraçado.

A voz dizia furiosa e um barulho foi ouvido perto do túmulo de seu pai.

Um homem forte saiu de dentro o túmulo, com uma grande faca na mão e um pedaço de cabo de enxada na outra. Correndo atrás de Oscar, dizia:

- Seu FDP. Agora você não me escapa.

- Vou cortar isto que está no meio de suas pernas para você aprender que é um grande metido e mentiroso.

Oscar saiu correndo do cemitério. Pegou um taxi que passava pelo local e até hoje não voltou em Minas Gerais para terminar de fazer o pedido de perdão a seu falecido pai.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 02/11/2018
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