Entrada franca

Depois que a montadora de automóveis havia fechado a fábrica, principal empregadora da região, os negócios na cidade estavam indo realmente muito devagar. As gorjetas na lanchonete onde eu trabalhava como garçonete haviam diminuído proporcionalmente, e embora eu ainda tivesse uma casa própria onde morar, cortesia do meu pai que morrera em Los Angeles anos atrás, uma renda extra seria mais do que bem-vinda. Então, resolvi alugar o quarto que ele ocupara e que estivera desocupado desde então. Pus um anúncio num site de locação de imóveis e fiquei aguardando.

Recebi mensagens de várias garotas, algumas universitárias, outras que somente trabalhavam. Finalmente, Sandra entrou em contato. Parecia uma garota perfeitamente normal, loura, saudável, talvez um pouquinho acima do peso, 25 anos, um piercing no nariz, não-fumante. Era cabeleireira, num salão do outro lado da cidade. Acertamos o valor da locação, e ela trouxe suas coisas.

A princípio, não tive do que reclamar. Era educada, ouvia música com fones de ouvido, não deixava louça na pia nem calcinhas penduradas no banheiro. Todavia, na segunda semana, me perguntou se poderia trazer um "rolo" para dormir com ela.

- Um "rolo"? - Indaguei, erguendo as sobrancelhas.

- Não somos namorados - admitiu. - É mais um ficante.

Confesso que não atentei para o significado exato da frase "é mais um ficante", imaginando que ela estava se referindo à eventualidade do seu relacionamento com o rapaz. Enfim, não gosto de fazer minha casa de motel, mas o dinheiro andava curto para todo mundo. Concordei.

Quando cheguei da lanchonete, tarde da noite, a mesa da cozinha estava uma bagunça só, com restos de pizza e latas de cerveja espalhadas. Fiz cara de desgosto e parei por aí; Sandra já havia se recolhido ao quarto, provavelmente acompanhada. Na manhã seguinte ela daria conta da limpeza, ponderei. E isso realmente foi o que aconteceu: ela levantou cedo, arrumou tudo, e ainda fez café para o rapaz antes dele sair.

Dois dias depois, me avisou que iria receber visitas de novo.

- Mas não se preocupe, o Fred não bebe - avisou ela, sorridente.

- Fred? E quem bebeu toda aquela cerveja anteontem?

- Foi o Joey.

"É mais um ficante", lembrei-me então, talvez um pouco tarde demais...

No fim de semana, ela apareceu com um Ramón. Ramón fumava, mas Sandra o convenceu a ir fumar no quintal, não dentro do quarto.

Acabei perdendo a conta dos caras que Sandra trouxe para minha casa. E eu estava quase me acostumando com o entra e sai, quando, certa noite, deparei-me com um sujeito completamente bêbado deitado vestido no sofá da sala, uma garrafa vazia de bourbon no chão, ao seu lado. A porta do quarto de Sandra estava fechada. Suspirei.

O tipo entreabriu um olho ao me ver e murmurou um pedido de desculpas:

- Vou ter que dormir aqui esta noite...

- Nem imagino o porquê - retruquei, sentindo uma raiva surda crescer no meu peito. Iria ter uma conversa séria com Sandra pela manhã.

Quando acordei no dia seguinte, o sujeito estava sentado sozinho à mesa da cozinha, barba por fazer, roupa amarfanhada, placidamente comendo cereal com leite.

- Bom dia - cumprimentei-o gelidamente.

- Bom dia - respondeu.

Peguei uma tigela no armário da cozinha, me servi de leite e cereal e comecei a comer. Ficamos ambos em silêncio, apenas mastigando. Em seguida, apareceu Sandra, de pijama. Deu bom dia e também sentou-se para comer. Estávamos os três ali, num clima absolutamente constrangedor, sem fazer contato visual. Finalmente, o homem ergueu-se, pegou a tigela e a colher, lavou-as cuidadosamente na pia e as deixou no escorredor de talheres. Ajeitou a gravata torta e sorriu para nós:

- Obrigado pelo desjejum, meninas.

E saiu tranquilamente pela porta da frente. Só então me virei para Sandra:

- De todos os caras que você trouxe aqui, pelo menos esse bêbado é educado - comentei, tentando não parecer irônica.

Sandra me encarou, olhos arregalados:

- Esse cara não era seu amigo?

- [11-12-2018]