PIQUE-PRONTO

- A culpa foi tua, chata de galocha!... - cuspiu Carlos.

- Não foi minha não. De esperto, não tens é nada! Quem não sair da minha frente?

Acidente.

- Desdentado, desdentado, desdentado! - Monica, cantarolando, às gargalhadas.

Num desses tantos dias em que a nossa mãe tentava dar conta do resto da escadinha familiar, resolvemos, eu e meu irmão, tirá-la do sério. Por sermos os mais velhos, éramos, sempre, os inventores das brincadeiras.

Desta vez, nossa brincadeira consistiu em quem saía da frente um do outro, a desviar na hora H. Nos encontraríamos na parte de trás da casa.

Nossa casa, de dois andares, ficava no meio do meio de um grande terreno. Feito! Corri antes de contar até o numero três. Eu, com meus cinco anos de idade, não era a mais baixinha da turma; meu irmão, beirando aos sete, estava na fase do espicha.

Na primeira volta, maquiavélica, esperei até o último minuto para desviar dele. Na segunda volta, o esperto fez o mesmo comigo. Senti um leve baque, ombro a ombro. Na terceira, já cansados, desviar foi impossível. Batemos de frente! Voei longe! Caí ralando as costas na grama úmida. Naquele momento, minha cabeça parecia não mais fazer parte do meu corpo, tudo à minha frente estava de pernas pro ar. Carlos, de pé, tonto, cuspia sangue. Suei frio. A correria foi geral. Nossa mãe mal sabia a qual de nós socorrer.

Nossos irmãos, saídos da casa, engoliram um "nossa", numa primeira olhadela. Sem nada entender, passei a mão na testa. Qual não foi minha surpresa, quando senti, além do suor, seus dois dentes. Sim, os seus dois dentes de leite. Choraminguei ajuda.

Nosso pai, mais rápido do que seu normal, nos pôs dentro do carro. Dentista ou hospital?

Tarde, bem mais tarde para qualquer criança estar na rua brincando, voltamos. Eu, marcada pelos dentes do meu irmão banguela e Carlos, sem conseguir assobiar.

Patricia Essinger
Enviado por Patricia Essinger em 17/09/2007
Reeditado em 03/03/2018
Código do texto: T655616
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