Dona Maria

Nas noites quentes de verão, Dona Maria munia-se de uma velha cadeira bem alta e pesada. Calçava um chinelo de dedo de cor amarela, vestia-se um vestido abaixo dos joelhos de cor clara e um pouco fino, uma blusa curta, meio decotada, desenrolava os cabelos, que sempre estavam presos, e se sentava acima do passeio da calçada de sua linda e humilde casa. Ela era viúva e possuía cinco filhos. Todos eles eram casados e dispunham de suas próprias residências. Os genros e noras tinham vasto carinho por ela. Jamais a contrariavam e sempre detinham algum tempo para estar consigo. Era uma verdadeira festa quando a família se reunia.

Em uma das noites quentes, Dona Maria estava muito aborrecida, porque a casa onde morava precisava de reparos e ela teria que fazer a mudança para outro imóvel. Estava muito contrariada e apesar do stress, ela não estava feliz e sempre resmungava:

- Vida maldita é esta. Sempre preciso mudar para outro lugar. O tempo está passando e talvez seja a mudança de número quinze, em todos estes anos de vida.

- Quando nasci, meus pais mudaram para outra cidade e foram trabalhar na fazenda do Dr. Márcio.

- Quando tinha oito anos de idade, mudamos novamente para outro lugar e mudamos de estado. Fomos morar no estado do Paraná.

- Nem um ano se passou, nós, novamente, voltamos para a cidade.

- Comecei a estudar e mais uma vez tive de interromper os estudos: Mais uma mudança.

- Casei e pensei que ficaria na casa eternamente, mas tivemos que vender nossa casa, porque surgiu oportunidade de emprego para o marido e fomos novamente para o Paraná.

- Menos de um ano, voltamos novamente e sempre iniciamos novamente a peleja da mudança.

- Foi sempre assim e será eternamente. Sempre vou mudar e quando terminar tudo isso será que vou mudar do céu para o inferno e vice-versa? Perguntando a si mesma, Dona Maria ficava uma arara de raiva e dizia que teria de dar um fim na história. Jamais mudaria.

O tempo foi passando e no período em curso, ela ainda mudou umas quatro vezes. Sempre era da mesma forma. Mudava de casa e ficava brava. Não conversava com os filhos o estava triste e deprimida. Nem mesmo olhava para o neto predileto, mas com o passar do tempo tudo se ajeitava e ela voltava à vida normal.

O tempo foi passando e Dona Maria já não era mais a mesma pessoa. Um dia queixava-se de dores na cabeça, no outro dia, dores nas pernas e assim por adiante. A idade ia avançando e sempre dizia que sofria de alguma coisa. Dores nas costas, fadiga nos músculos. Constantemente ia ao médico e várias fórmulas de remédios eram passadas para ela, que no piscar de olhos tomava.

Um dia, pela manhã, Dona Maria não se levantou. Os vizinhos ficaram preocupados por seu atraso. Ela era a primeira pessoa a se levantar nas primeiras horas do dia e abrir a janela. Resmungava algo e fazia as orações em voz alta, pedindo a bênção para os amigos e vizinhos. Foram olhar e por surpresa, ela estava sucumbida na cama, abraçada a um terço que rezava todas as noites e nas manhãs. Os filhos foram avisados e muita emoção aconteceu no velório. Praticamente toda a cidade compareceu no sepultamento: as amigas, os filhos, netos, familiares de outras cidades, vizinhos antigos e até um ônibus foi fretado para buscar parentes na cidade vizinha.

Dona Maria foi enterrada em uma cova, logo na entrada do cemitério. Passaram alguns meses, a filha, por nome de Nilmara, negociou um túmulo que se localizava no final da necrópole. Foi um dia de emoção, pois os restos mortais de Dona Maria eram transladados para o novo túmulo, mais uma vez mudando de lugar como se estivesse mudando de residência, novamente.

Passaram alguns meses e uma demanda judicial fez com que o juiz proferisse uma sentença, que herdeiros do túmulo, onde os restos mortais se repousavam, ganharam de Nilmara. Novamente, Dona Maria foi mudada para um depósito de ossos, esperando a compra de outro túmulo por parte dos familiares. Mais uma vez, Dona Maria mudava de local, como se estivesse mudando de residência.

Dois meses depois, Nilmara consegue comprar o túmulo novo em folha e Dona Maria vai novamente: outra mudança.

O servidor que negociou o túmulo com Nilmara, meio desapontado, foi à residência e falou que tinha vendido o túmulo errado e marcou para a próxima segunda-feira para a mudança novamente. Mais uma vez Dona Maria se mudou.

Passou o tempo e o chefe do Cartório local descobriu um testamento de Dona Maria que era o desejo de ser enterrada na cidade próxima e mais uma vez o corpo de Dona Maria foi mudado para o cemitério da cidade vizinha, que por sua vez foi para uma cova, depois para o depósito de ossos até encontrar um mausoléu e familiares prepararam para disputa judicial, se houvesse.

Após o tempo, Dona Maria ficou na morada eterna por muito tempo, porém, houve uma chuva muito forte na cidade e o túmulo, onde se encontrava, foi destruído, fazendo com que Dona Maria fosse, novamente, levada para o depósito de ossos, onde aguardaria a família providenciar outro.

Se Dona Maria, depois de morta, pudesse falar, garantiria que ela estaria mais irritada ainda. Em vida mudava-se muito de local e ainda não teve sossego depois de morta.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 10/02/2019
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