um conto sem fim

Whilespring, 1978

Foram-se os dias em que o frio decidira dar uma trégua. Por agora, a neve era tudo o que poderia ser visto por entre as ruas, mesmo que o gelo não tivesse muito o que cobrir. Não havia muito por lá de qualquer forma.

Em repouso em meio á um dos montes deixados pela limpeza da rua, me permiti observar um pouco de minha realidade.

Vestido apenas com um suéter de lã um tanto mal costurado, James Bayer procurava atormentar o sono do vizinho rabugento do quarteirão ao lado. Talvez os xingamentos proferidos pelo velho de bigodes pudesse aquece-lo de alguma forma.

Havia ali, em meio á avenida principal, a casa de madame Nora, onde as janelas rangiam como o uivo ardente da madrugada, onde, quando conveniente, se fazia palco para belas tragadas do charuto importado da dona de meia-idade.

A cafeteria em esquina ao único cruzamento dali tinha em sua fachada letreiros em mal funcionamento, que piscavam vez ou outra como forma de mostrar que o tempo estava a passar. Sr. Marshel costumava entrar ali todos os dias, no mesmo horário, a procura de dois macchiatos para viagem. Saía com o seu em plena degustação e o outro travado em sua embalagem, até sumir por entre os becos da rua doze. Nunca fui capaz de descobrir pra quem era o segundo café.

Por vezes via ainda Sra. Dollën á plenos amassos com o dono da mercearia logo ao outro lado da rua, por mais que eu jurasse que ela tinha um marido em viagem. Isso quando não acabava por notar, geralmente ao ponto mais alto da madrugada, o filho do prefeito entrando sorrateiramente na casa de Mount Rider, novo na cidade onde várias moças tentaram se engraçar. Talvez o motivo por elas não terem conseguido o conquistar fosse um tanto mais profundo.

Meu hábito de desenhar á meia luz do luar me deixava mais informada do que eu gostaria, porém havia um lugar, ao final da rua, ao qual não se eram dadas respostas.

Cercada por árvores a se retorcer, a grande casa de cor escura poderia trazer arrepios á qualquer um que parasse para observa-la. Não havia alguém para ir até lá, histórias pela metade eram espalhadas aos ventos sobre quem supostamente tentara entrar ali.

Era realmente fria, e um tanto solitária se fosse alguém. O jardim seco e sem cuidados parecia já ter sido fonte de inspiração de algum artista desesperançoso em tempos remotos, assim como as estátuas maltratadas por vândalos e pelo próprio tempo, este quem sempre fora o pior meliante da vida.

Naquela noite específica, James olhava para o céu como um verdadeiro explorador. Madame Nora não abriu as janelas, Sr. Marshel havia se atrasado para buscar seus cafés, Sra. Dollër não havia agendado encontros e talvez estivesse muito frio para o filho do prefeito colocar os pés na rua.

A monotonia começava a me incomodar assim como a curiosidade se expandia em meu peito. Talvez o que chamam de coragem seja só um espírito aventureiro que se acende vez ou outra.

Abandonei meus grafites e me levantei. Os olhos de James vieram até mim. Lhe falei de minha coragem repentina, e ele, como si mesmo, me questionou sobre o desenho que eu estava a fazer, o céu mais estrelado de todos, que ele havia me pedido para sempre carregar as estrelas que tanto amava consigo.

Prometi-lhe terminar logo quando voltasse.