A Traquinagem

Já dizia o ditado: Com moleque nem o diabo aguenta.

Samuel, juntamente com os seus amigos: Jailson, Leandro, Kleber e seu irmão, Jurandir resolveram fazer traquinagem, como sempre faziam, mas desta vez resolveram ser os picas das galáxias: furtar o Hipermercado Carrefour da Via Anchieta, Zona Sul de São Paulo. Eles já tinham tido muito êxito na Padaria do Marcão, na Vila Suíça, um bairro que, por eles era considerado um bairro de boy, como diziam; porque lá as casas eram sobrados muito bem feitos por uma empreiteira e o bairro foi meio que planejado.

Na Padaria do Marcão já tinham furtado pães, sorvetes, bolos e rocamboles. Eles tinham uma técnica: entravam sempre de três, quatro ou cinco moleques e distraíam os vendedores, enquanto um deles saíam com o produto escolhido. Então, certamente o Carrefour seria fichinha, tamanha era a experiência.

Samuel sempre ficava encantado com a quantidade de automóveis, motocicletas e caminhões que passavam pela Via Anchieta. Parecia que aquele lugar era mais favorecido do que o bairro onde morava. Sua casa tinha apenas dois cômodos, chovia por dentro, e era um deus nos acuda. Seus pais pegavam baldes, bacias e até o seu penico (porque o banheiro era fora de casa) para que as goteiras não enchessem a casa d'água. No outro dia, pelo portão de madeira, ele teria que ver qual telha estaria quebrada, para consertá-la, coisa que nem sempre era fácil, pois seus bracinhos finos não tinham forças suficiente; e achar aquele tipo de telha estava ficando cada mais mais difícil. Os sobrados da Vila Suíça, por exemplo, possuíam outro modelo de telha. E, ele nem gostava de pensar na janela de madeira com trinco frágil e a porta que seu pai arrumara, pondo um ferro no meio, para servir de trinco, pois já haviam entrado e furtado roupas e tênis de Jurandir e Fernando, seu irmão mais novo. Não furtaram seu par de tênis novo, porque ele era teimoso e dormia com ele no pé. Talvez os moradores da favela do Jardim Clímax achassem que quem morava na rua sem saída fossem os boysinhos da região.

- A gente pega o chocolate, um fica dando cobertura, quem pegar fica disfarçando e enfia no bolso. Quando a gente sair, divide para todos na quantidade igual. Disse Kleber, o mais velho do grupo, o que menos precisava, já que era o mais abastado, e o que sempre ficava com a maior parte dos furtos.

Da Zona Sul da Cidade de São Paulo aquele Carrefour era um dos maiores hipermercados, já nas décadas de 80. O grupo de traquinas passou pelo estacionamento enorme até chegar no corredor, onde havia muitas lojas, chega até parecia um shopping center de tão grande. Para quem fazia compras no Terra Nova, um supermercado localizado no Parque Bristol que faliu, aquele comércio era de primeiro mundo.

Kleber avistou uma caixa de Bis aberta. Jailson achou que era boa. Leandro sorriu, porque concordou com os dois amigos; e os dois irmãos, Samuel e Jurandir estavam mais nervosos do que todos, pois eram religiosos e seus pais rígidos. Cada um deles enfiou um Bis no bolso e saíram, como se não estivesse acontecendo nada. Logo na saída do estabelecimento um rapaz que não estava com uniforme da loja, disse:

- Vocês aí - eles se olharam mutuamente e depois para o rapaz - venham aqui. Falou num tom brando, talvez para não levantar suspeita e o grupo de garotos o seguiu, por pura ingenuidade.

O segurança os fez entrar numa sala e perguntou:

- Vocês têm alguma coisa no bolso?

Os garotos se olharam novamente, nervosos. Depois para o chão. Tal atitude já revelava que havia alguma coisa errada.

Kleber tinha passado seu Bis para o outro bolso, tentando escondê-lo, mas foi uma tentativa frustrada, porque mesmo ele sendo o mais velho do grupo ainda não sabia mentir e não tinha perdido a ingenuidade e timidez de criança.

- Estão vendo aquilo ali? O segurança apontou para alguns monitores de tevê. - Aqui tem câmera.

Eles nem imaginavam que o Carrefour, nas décadas de 80, já possuía câmeras de segurança. Devolveram os cinco Bis furtados, foram liberados e saíram descabriados, nervosos, jurando que nunca mais fariam aquilo e que jamais contariam para alguém. Eles eu não sei, mas eu acho muito engraçado hoje em dia, vendo por uma perspectiva adulta: Andar meia hora a pé, furtar um Bis (cada um), ser pego, por causa de uma caixa de Bis que já estava aberta? Só poderia ser moleque.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 21/05/2019
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