Chico Preto - O TRIPA DO BOI DO SEU MILTON

CHICO PRETO - O TRIPA DO BOI DO SEU MILTON

Antigamente em Urucará tínhamos o boi Garantido, que era do Seu Milton. Ele construiu um barracão ao lado de sua casa, que fica na Rua da D. Dedé, da Tia Lauca, mais próximo ao Bairro de São Pedro, lugar onde o seu boi podia ensaiar. Os ensaios aconteciam a noite, iluminados pelas lamparinas feitas pelo Tio Meco. Quando chegava a época das Festas Juninas, o boi saía do barracão percorrendo as ruas da cidade, para fazer apresentações onde fosse convidado ou contratado. O boi Garantido tinha um TRIPA, pessoa que fica embaixo da boi, esse tripa era o Chico Preto.

O Chico Preto morava no Taboarí. Um cara forte, amigo, pescador, bem moreno e baixo. Nosso personagem foi também um dos maiores pescadores de peixe-boi de nossa cidade. Naquela época tinha muito, não estava em extinção e nem era proibida a pesca. Ele tratava do bichão no porto e distribuía sua carne aos moradores, principalmente as mocinhas, pois o Chico era um caboco metido a namorador.

Era filho do Seu Zé Pretinho e esposa, tinha dois irmãos, Jango e Gabiru, que já faleceram, eles não casaram e não tiveram filhos, ficando só o Chico pra contar história. Hoje ele está cego e mora no Bairro de São José.

Chico Preto era um excelente TRIPA do boi do Seu Milton, dançava muito bem, talvez sua baixa estatura e força ajudassem embaixo do boneco-boi, pois fazia evoluções como ninguém. Ele amava o boi, fazia questão de dançar e não faltava em nenhum ensaio.

Eu, ainda curumim, lembro-me do boi do Seu Milton e desse TRIPA do boi.

Certa vez, meu pai contratou o boi para brincar em frente de casa, que ficava na Rua Crispim Lobo, próxima à praça. A língua do boi era representada por um bolo, que era oferecido pelo valor da brincadeira. Na hora da apresentação, minha mãe Marion estava sentada em frente de casa, quando o boi se dirigiu a ela. O Chico levantou o boi e tomou a bênção da mamãe, pois ela era sua madrinha: achei esse gesto louvável do Chico, até hoje eu lembro do respeito que se tinha pelos padrinhos, onde passasse e avistasse minha mãe, ele tomava bênção. Era assim no passado, os mais jovens tinham mais respeito pelos mais velhos, chamavam de "Seu", que significava Senhor.

Tem duas estrofes de uma música do boi do Seu Milton que não esqueci, diz assim:

" Oh! Lua

Se tu fosse minha

Eu mandava gravar

No coração da menina

Eu mandava gravar

Para anunciar

Pra ficares sabendo

Que eu nunca perdi meu cartaz".

Essa é a história do meu amigo e conterrâneo Chico Preto. Seus olhos não enxergam mais pessoa.... coincidentemente o tripa é uma figura que pouco pode ver embaixo do boi. Sempre quando venho a Urucará vou visitá-lo, levando um palavra de amizade, conforto e solidariedade. Falei que ia escrever sobre o seu personagem. Eis aqui.

Um abraço, amigo Chico Preto.

José Gomes Paes

Escritor e poeta urucaraense

Membro da Abeppa e Alcama