O jogador
Por volta dos anos sessenta, uma das distrações masculinas aqui no Rio de Janeiro, além do futebol, era o jogo de Sinuca, e Carequinha, apelido dado a Adalberto por ser pequeno e careca, era um dos melhores na prática desse esporte e fazia dele o seu único meio de vida.
Não havendo mais ninguém nas redondezas que quisesse enfrentá-lo, resolveu frequentar outros locais pela cidade a fim de encontrar algum jogador a sua altura. Entretanto, essa iniciativa de nada adiantou, pois mesmo dando alguma vantagem nas partidas, logo percebiam que ele jogava muito bem e dificilmente o venceriam. Suas habilidades eram realmente imbatíveis.
Foi quando Carequinha teve a ideia de viajar pelas cidades do interior, uma vez que não sendo conhecido poderia facilmente enganar os jogadores do local e consequentemente ganhar algum dinheiro.
Sua tática era infalível, pois malandramente alcançava seu objetivo se valendo das fraquezas alheias, ou seja, o olho grande ou a vaidade dos incautos.
Convidava alguém que estava no salão de bilhar para jogar, sempre aquele mais fraco na arte. Se a pessoa aceitasse, deixava seu oponente vencer as primeiras partidas e ia se mostrando nervoso a cada tacada, o que tornava o outro jogador mais confiante de que sempre o poderia vencer.
Dentro dessa tática, Carequinha sempre começava o jogo apostando pouco. Lá pelas tantas, depois de já ter jogado várias vezes, a quantia perdida já era bastante alta. Daí começava sua representação. Fingindo desespero, combinava que a próxima partida seria a última, pois já havia perdido muito e precisava parar em razão do cansaço. Assim, sabendo da confiança adquirida por seu oponente, lançava o derradeiro desafio. Aquela partida iria valer o dobro do que ele já havia perdido mais a despesa realizada ao longo do jogo, que consistia no tempo jogado, nas bebidas e nos lanches consumidos pelos dois.
Obviamente o jogador prestes a ser iludido permitia-se trair pelo seu olho grande, pois acreditava que poderia vencer facilmente e ganhar ainda mais daquele que pensava ser um otário.
Desafio aceito, Carequinha não dava vez para o azar com sua maestria peculiar. Após o erro da tacada inicial, que era sempre feita por quem estava ganhando, iniciava seu jogo e ia até a última bola existente na mesa, não deixando qualquer chance de recuperação para seu oponente. Detalhe, tudo isso sempre acontecia quando o local estava repleto de espectadores e testemunhas, que logo passavam a comentar o acontecido. Era dessa forma que Carequinha tirava proveito da vaidade de quem o desafiava, já que qualquer bom jogador da cidade se tornava o próximo desafiante no dia seguinte à circulação dos boatos.
E assim fez. Pensou em fazer sua espessa barba, mas desistiu porque a usava há muitos anos. Decidido pela busca de dinheiro fácil, lá foi ele para a aventura.
Na primeira cidade conseguiu duas vítimas. Na segunda, mais duas. Na terceira, por esta ser um pouco maior e ter dois locais de jogo, conseguiu enganar cinco. E assim foi indo de cidade em cidade até não ter mais nenhuma para executar seu plano.
De volta ao Rio de Janeiro, assim que chegou ao bilhar que frequentava, passou a contar as novidades da viagem para os amigos, que riam de cada detalhe mencionado. Entretanto, mesmo tendo sido um sucesso sua ideia de sair jogando pelo mundo, Carequinha chamou a atenção do pessoal quando mostrou-se acabrunhado.
Perguntado, desabafou que não poderia mais voltar às cidades porque aconteceria por lá o mesmo que aqui. Ninguém mais iria enfrentá-lo.
Foi quando alguém deu a ideia de ele voltar às mesmas cidades, só que desta vez com a barba raspada e uma peruca de disfarce. Com certeza ninguém o iria reconhecer.
Carequinha achou que a dica era perfeita e poderia funcionar. Não pensou duas vezes, comprou uma peruca e raspou a barba. De visual novo, teve a aprovação dos amigos. Todos garantiram que ele estava irreconhecível.
Partiu mais uma vez, só que agora com um dos amigos a tiracolo. Como previsto, na primeira cidade ninguém o reconhecera, mas depois de ter aplicado o mesmo golpe escutou de um dos espectadores a seguinte afirmação: “Eu gostaria muito de ver o senhor enfrentando um careca barbudinho que passou por aqui uns meses atrás”.
Carequinha e o amigo sorriram meio sem graça e foram embora. Pensaram se seria conveniente continuar a viagem. Conversa daqui, pondera de lá, resolveram seguir em frente e no outro dia partiram. Na cidade seguinte também tudo correu como na anterior e outra vez ninguém o reconhecera. Estava feliz que nem pinto no lixo e com isso adquiriu mais confiança, achando que poderia enganar novamente aqueles otários.
Assim foi por mais duas cidades, mas a sorte nessa última não foi sua companheira, pois quando Carequinha estava no meio da derradeira partida um dos espectadores que acabava de chegar no bilhar o reconheceu. Era um dos jogadores, daquela redondeza, que tinha sido enrolado por ele e para provar a todos que também estavam sendo enganados, num gesto rápido arrancou-lhe a peruca. Na mesma hora todos os presentes o reconheceram e desta vez Carequinha é que foi traído por sua vaidade e o olho grande. Levou uma surra tão violenta que foi parar no pequeno hospital da cidade em estado gravíssimo, ficando internado dez dias para se recuperar do couro que recebera.