O sermão

- O portal do inferno está aberto.
Assim começou a pregação do jovem padre. Ele havia sido convidado especialmente para realizar a missa daquele domingo no acampamento de retiro espiritual. Leonardo, este era o seu nome. Ao terminar aquela frase fez uma pausa como que a sentir a reação dos presentes sobre o que acabava de dizer. Continuou:
- Por este portal, qualquer um que não esteja atento ou pense ser esperto, pode passar. Bastando para isso se comprometer com o senhor das trevas, também conhecido como “encardido”. Aliar-se a ele é ter a certeza de que o terá esperando pessoalmente na porta principal. Portanto passem a largo desta estrada.
A grande maioria das pessoas presentes estavam ali para reavaliar seus conceitos e sabiam a quem e o que o padre se referia.
- O portal do inferno está aberto. – Mais uma vez frisou o padre e fez pequena pausa.
“Lá vem ele com a mesma frase. Onde esse padre quer chegar”. Pensou Júlio, o organizador responsável por aquele encontro.
- É de lá que são enviadas as bestas-feras para que invadam o mundo com suas asas gigantes a espalhar sementes infectadas por todo lado, verdadeiros passaportes de comprometimento. É certeira a intenção de alcançar aos homens e seduzi-los com suas facilidades. “Cuidado”!
Qualquer um, dos que ali estavam, percebia que ele não só explicava como também deixava um pequeno alerta. Nesta, teve o cuidado de perguntar aos ouvintes.
- E que sementes são essas?
Ao fazer a pergunta os observava sempre atento e por alguns instantes aguardava alguma manifestação, embora sabendo ser sua pregação um monólogo. Sabia que na verdade todos queriam a resposta e ele mesmo respondia.
- Meus irmãos toda semente plantada, que nos leva a cobiçar o fácil, que induz a levar vantagem sobre o inocente, que nos permite através de falcatruas viver nababescamente ou nos promete o reino da glória simplesmente por termos doado quantias em dinheiro para essa ou aquela instituição, está infectada pelo “encardido”. “Afastem-se”.
Para muitos essas afirmações complicavam suas cabeças, mas confiavam e procuravam entender o que ele dizia. Entretanto, uma dessas carapuças serviu como uma luva para Júlio. Ele havia superfaturado a montagem do local.
- O portal do inferno está aberto. – Voltou a se repetir o padre.
Intrigante o que esse padre estava falando. Por que razão ele insiste nesse tema? Alguns se perguntavam.
- De lá também saem, tão perigosos quanto àqueles que já mencionei, os anjos decaídos para semearem o horror. Mostram-se amigos usam da gentileza com maestria, mas na verdade, são eles os verdadeiros responsáveis pelas guerras e os cultivadores da desordem. É com macabra autoridade que mantêm a todos sob a dor e vivem responsabilizando o diabo por tudo de ruim que acontece. Quando na verdade são eles os próprios “encardidos”. “Saibam distinguir”.
Aquele domingo parecia especial. Cada vez mais, os fiéis iam se acostumando com o padre Leonardo e prestavam atenção no que ele resolvera falar.
- O portal do inferno está aberto.
Outra vez a mesma frase. Está parecendo um disco aranhado. Era esse o pensamento do organizador que de religião não entendia nada, mas de safadeza era especialista.
- Todo aquele que esquece que o amor é uma das razões de viver tem a noite fria e sombria a alimentar sua alma. Com isso, sem saber, alimenta as chamas do inferno contribuindo cada vez mais para manter sua fortaleza viva e implacável. “Estejam alerta”.
Era horripilante tal afirmativa. Muitos se sentiam culpados, afinal quem já não esqueceu alguma vez o uso do amor.
- O portal do inferno está aberto.
Padre Leonardo não se cansa de alertar em sua pregação.
- Todos nós sabemos que, vira e mexe passamos bem rente a sua entrada e invariavelmente nos chamuscamos. Entretanto feliz é aquele que mesmo tendo sido chamuscado consegue se desvencilhar das “bestas” e dos “anjos” que semearam facilidades e venderam o poder nesta vida. “Deem-lhes as costas e digam-lhes não, a suas tentações”. De novo fez silêncio.
Nesse momento os fiéis pensaram que o padre encerraria sua pregação.
- O portal do inferno está aberto.
Enganaram-se. Mais uma vez ele fez questão de lembrar sobre o portal e continuou falando mais inflamado que antes.
- Portanto é responsabilidade constante de cada um fechar esse portal. Devolvam o que ganharam ilicitamente. Semeie o amor, o perdão e a caridade a todos sem exceção. Mesmo àqueles que acabo de mencionar como sendo os grandes responsáveis em induzir-nos ao desvio do pai, pois quanto menos corações estiverem comprometidos com as falsas facilidades e com a ilusão do poder, mais enfraquecidas e mornas estarão as chamas do “encardido”. Sei o quanto é difícil, mas não se intimidem. “Tentem”.
Padre Leonardo, do alto daquele palco altar improvisado no acampamento religioso, olhou atentamente para a multidão que acabara de escutá-lo pregar. Júlio que estava sentado logo a frente teve a sensação de que o olhar o queimava. Foram apenas alguns segundos, mas que pareceu para muitos uma eternidade, tal a intensidade do seu olhar. Ao término dessa pausa expressou seu desejo e deixou uma pergunta acompanhada de um conselho, tudo bem mais profundo e intrigante do que a sua pregação.
- Espero que todos tenham entendido meu alerta e que saibam a quem realmente devam seguir, se a Jesus, verdadeiro guardião das coisas divinas, ou ao “encardido”, semeador da iniquidade. Mas não procurem o Cristo pelo simples fato de terem medo do encardido. Procurem-no sim, pelo fato de ser o divino melhor para suas vidas, do que a iniquidade.
Terminado o sermão o padre retirou-se do palco e dirigiu-se aos aposentos a ele reservado naquela colonia espiritual de retiro. O jovem padre era atraente, simpático e chamava atenção pelo o corpo atlético que tinha. Estava só de calça quando de repente a porta do quarto se abriu. Era Magda, a secretária de Júlio o organizador do evento, que ao se deparar com aquela visão de um Apolo fraquejou.
- Padre Leonardo! Nossa... Se a mulherada soubesse o que essa batina esconde debaixo dela, o senhor não teria sossego.
- Será mesmo, minha filha?
- Ainda bem que o senhor é padre... Eu mesma quase não estou resistindo, e olha que sou casada.
- Que ótimo!
- Por que ótimo padre?
- Porque assim não precisamos perder tempo.
Dito isso caminhou em sua direção e como sentiu que não haveria nenhuma resistência, agarrou-a. Praticamente nus foram bruscamente interrompidos aos gritos por Júlio:
- E o portal do inferno está aberto, não é padre?
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 03/11/2019
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