*A falência da funerária

A falência da funerária.

Se me fosse dada a oportunidade de eleger dois dos maiores empreendimentos do mundo, sem dúvida de que eu votaria no sistema bancário como sendo o segundo mais importante.

Pense comigo na genialidade de persuasão do primeiro camarada que conseguiu convencer a outrem que poderia guardar seu dinheiro, ouro e joias e devolver tudo até com juros, na data combinada. Que isso era um investimento seguro, rentável e oportuno.

Ora, isso deu tão certo, que se disseminou pelo planeta e hoje quase todos os citadinos têm uma conta bancária.

Já o empreendimento que eu escolheria como primeiro, o mais bizarro e controverso, sem a minúscula chance de prosperar em qualquer parte, seria o pecúlio funerário. O que fundamenta minha tese é exatamente a falta de interesse do contratante e do contratado em que o serviço seja prestado. Ora, pense no contrassenso! Quem oferece os serviços, não quer cumpri-los e quem os contrata, não tem o menor interesse em morrer. Para atrapalhar, ainda existe a desconfiança de que o serviço possa não ser prestado, pois quem morreu, morreu. Ainda assim, o negócio é realizado e próspero.

Eu já escrevi sobre as esquisitices de minha terra, mas estou longe de concluí-las.

Em Teresina, lá pela década de não sei quando, um empresário entendeu que deveria vender um monte de benefícios familiares “post mortem”, tais como ataúde, coroas de flores, velas, atestado de óbitos, maquiagem, velatório, enfim, tudo o que se conhece hoje nesse ramo de negócio.

A “Funerária Já Vai Tarde” começou a degringolar, devido ao título escolhido para empreendimento. Não que isso fosse uma ofensa aos clientes. O nome original era “Funerária Divina Pace”, mas como a empresa só abria no segundo turno do dia, as próprias pessoas começaram a fazer gozações e emplacaram logo um apelido nela que pegou de primeira. Para lascar de vez, não se sabe quem mandou circular pelos bairros da cidade um carro de som, fazendo comercial. Se “a propaganda é a alma do negócio”, naquele caso, a propaganda foi o capeta do evento e acabou por enterrar de vez a funerária.

Assim dizia o locutor:

- A Funerária Já Vai Tarde tem a grata honra e satisfação de comunicar aos seus clientes, amigos e admiradores que, no mês de seu aniversário, já começa com uma promoção paid’égua. Quem comprar um caixão adulto, pagando à vista, ganhará de brinde um caixão pequeno para enterrar seu filho, afilhado ou netinho. Isso só nós podemos oferecer! Comprando um caixão infantil, leva de graça, na hora, dois pacotes de vela branca! Não enterre seu defunto no buraco “duzoto”, enterre no seu próprio buraco. Estamos vendendo terreno no cemitério da Vermelha a preços módicos. Não deixe pra morrer amanhã se você pode morrer hoje! Funerária já Vai Tarde é muito melhor que ir antes da hora! Não coloque seu futuro nas mãos de qualquer curioso, amador ou espertalhão, acredite em quem pode lhe levar à última morada com segurança. Funerária Já Vai Tarde, a melhor da cidade! E tem mais, se você é um “João ninguém” e não tem ninguém para chorar sua morte, não se preocupe! Temos carpideiras profissionais que choram lágrimas de verdade. Sabem fingir melhor que as atrizes da televisão! Aproveite a oportunidade!

O pior era que o locutor, vez por outra, não se cabia de tanto rir, fazendo com que as pessoas à porta de suas casas também não se controlassem. Nunca se vira tamanha apologia à morte.

E o locutor do comercial continuava, cada vez mais animado:

- Ei, você aí mesmo! Não fuja, não se esconda! Ninguém escapa da hora de bater a caçuleta, não desanime que o seu dia vai chegar! A Funerária Já Vai Tarde cumpre o que promete! Descontos especiais para cachaceiros e “mulheres da vida”! Se você deseja um enterro animado, temos a Banda de Música do Cacundinho, para fazer a festa! Morrer não é problema seu, mas enterrar é problema nosso! Nossa vida depende de sua morte. Dispomos também de kombi para transportar os familiares do defunto, para que não gastem seus tamancos. A missa de sétimo dia também está inclusa no pacote, aproveite que a hora é agora! A morte não marca hora e ninguém sabe quando vai esticar os cambitos, bater as botas e se mandar para a cidade dos pés juntos!

Nunca se descobriu qual foi o espírito de porco que pagou ao propagandista para fazer tal desgraça. Assegurado pelo direito de preservar a fonte, mandou o negócio do outro para a cova rasa.

São coisas da minha terra.

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Filosofia de botequim:

Duvide da democracia onde o número de bandeiras de partidos, movimentos e sindicatos, superam aos dos símbolos da nação.