O guaxinim

Lembrando a infância. Paraíso adormecido pelo tempo, nosso sitio se cha-mava Lagoa, mas não havia nenhuma lagoa lá. A casa era pequenina de apenas três cômodos. No sitio havia muitas árvores frutíferas, além de plantas nativas do cerrado. Em uma horta no fundo do quintal, minha mãe plantava alface, couve, alho, cebola tomates e até ervas medicinais. Havia também um canavial e uma plantação de milho. O milho nos dava pamonhas e alimentava os porcos. As canas, o caldo para as rapaduras, melaço e moça branca.

Os animais selvagens, muitas vezes, atacavam as plantações. Uns durante o dia, outros a noite. Os primeiros não representavam grande perigo porque eram vistos e espantados. Mas, a noite era difícil resolver o problema, eles agi-am no escuro. Certo dia, algumas canas amanheceram derrubadas e chupadas. O canavial tinha sido atacado por um bicho faminto. Para defendê-lo era preci-so que encontrássemos quem o atacou. Meu pai, após examinar as canas estra-gadas e algumas pegadas no solo, disse que que se tratava de um guaxinim. Eles adoram canas, disse. Quando descobrem um canavial, nunca mais se afastam. O esconderijo dele deve estar perto do sitio, num lugar onde é mais fácil se escon-der.

Dois dias depois e o maldito guaxinim continuava estragando nossas ca-nas. A solução era encontrá-lo e capturá-lo. Mas, como? Não sabíamos onde encontrá-lo nem como pegá-lo. A resposta foi dada por um amigo do meu pai. Ele disse que a melhor maneira de pegar um guaxinim era com cachaça. E nos aconselhou a colocar a bebida numa gamela e deixá-la no canavial. O animal adora pinga, disse. Ele sente o cheiro de longe. Seguindo o plano, irá dar tudo certo. Com uma garrafa de cachaça e uma gamela preparamos a armadilha.

À noite, dormimos pouco, pensando na hora em que pegaríamos o ladrão das canas. Quando o dia amanheceu fomos todos correndo para o sitio. Lá en-contramos o guaxinim completamente bêbado, deitado no chão, com a barriga para cima, sem conseguir se levantar. Ele quis correr, mas não conseguiu, não aguentava ficar em pé. E aí, o pegamos. Nunca tínhamos visto um guaxinim. Nosso desejo era vê-lo morto, pois só assim deixaria as canas em paz. No en-tanto, ao ver aquele animalzinho bêbado, indefeso, tremendo, tentando levantar a cabeça, incapaz de fugir, querendo viver e nem parecia ser tão terrível quanto nós imaginávamos, um sentimento de piedade tomou conta de todos nós e en-tão, decidimos preservar sua vida.

Vitoriosos, o levamos para a cidade dentro de um saco. Construímos um cercado de madeira no quintal de casa, o prendemos para soltá-lo mais tarde, bem longe do sitio. Na manhã seguinte, acordamos cedo e fomos vê-lo. O cerca-do estava vazio, ele tinha fugido. Procuramo-lo por toda parte. Quando o en-contramos estava morto. Comeu cal numa construção e morreu. E assim, aca-bou-se a história do guaxinim.