A casa azul

Na enorme rodoviária de São Paulo, onde um formigueiro de gente caminha apressado de um lado para outro, procurando comprar passagens ou suas plataformas de embarque. É um clima frenético; ninguém quer perder o horário! Ele, com o bilhete comprado, na mão, adiantado mais de uma hora, está sentado no disputadíssimo banco em frente a plataforma de embarque. Seu destino, Foz do Iguaçu, Paraná. Vai tomar um ônibus que vem do Rio de Janeiro, tendo como destino o Paraguai. Em seu bilhete, a observação de que desceria numa cidadela, à beira da estrada principal, alguns quilômetros de Foz do Iguaçu, quase na fronteira entre os dois países, onde o filho caçula estaria esperando. Sabia que a viajem demoraria umas dezessete horas, se não houvesse nenhum imprevisto, o que era comum neste trajeto perigoso, porque era a rota preferida dos contrabandistas, e para a polícia todos os passageiros eram suspeitos, até prova ao contrário, por isso blitz na ida e na volta. A policia Federal, sempre atenta, a fim de combater o contrabando. O que, ás vezes, aumentava o tempo da viagem. Ele mesmo, em uma dessas viagens tinha passado por uma, onde na presença de metralhadoras tinha tido sua bagagem revistada. Susto para quem viaja nesta rota. É só não ter nada a esconder, que nada acontece.

Dentro do ônibus, inicia a tão esperada viagem. O ônibus demora para atravessar a grande capital até pegar a estrada. Momentos de impaciência.

Pronto. Na estrada! Agora é confiar em Deus, e no motorista.

Serão mais ou menos 1200 km, cinco paradas para almoço, jantar e lanches. Ele estava muito ansioso para ver o seu filho, que não via há mais de um ano. Em cada parada, um café e um cigarro, está muito ansioso, e sem fome.

A viagem é quase toda noturna; da janela do ônibus percebem-se aglomerados de luzes, sinalizando as cidades por onde o ônibus passa. Muitas luzes, cidades grandes, poucas, pequenas. Sem falar na lua e nas estrelas que correm acompanhando a mesma velocidade do ônibus;

Nas paradas é preciso ficar atento para não perder o ônibus, apesar de que em todas elas o motorista, antes de dar partida, confere o número de passageiros nas poltronas.

Depois de percorrer quase 800 quilômetros, os primeiros raios de sol anunciam o amanhecer, a paisagem se desnuda. Aí, é possível ver as plantações de soja dos dois lados das pistas, quilômetros e quilômetros com o verde uniforme da soja por todos os lados, soja até se perder no horizonte.

Quando começam a aparecer algumas arvores de araucária, sinalizando que seu destino está perto, já deixou a divisa de são Paulo para trás, e agora está no estado do Paraná.

Imprevisto! Um pneu do ônibus estoura. Atraso. Espera-se o socorro chegar, todos os passageiros iniciam uma conversa irritada. E para complicar mais ainda, a reserva de água da geladeira do ônibus havia terminado. Murmúrio! Finalmente a troca do pneu. Uma hora e meia de espera, felizmente tudo corre bem. Todos para seus assentos, o ônibus volta para a pista rumo ao seu destino.

Apesar de ter avisado o motorista que ele desceria na estrada em frente a cidadela, que não possui rodoviária, ele fica apreensivo. Seu receio é que o motorista esqueça e passe da entrada da cidade. Seu filho combinou esperá-lo lá, em frente a uma farmácia que faz frente com a rodovia.

Fica de olho nas janelas, tentando reconhecer a paisagem. É difícil, principalmente por causa da velocidade do ônibus; só tinha vindo, umas três vezes, e uma delas de carro.

Finalmente o ônibus começa a ir para o acostamento, e pára. Ele reconhece o local. Desce, e procura pelo seu filho.

Alguns minutos de suspense, e Rafael, um garoto, bonito, de pele branca, olhos escuros, e cabelos negros, aparece a poucos metros do local combinado. Ele apressa os passos com a mochila nas costas, e no encontro dá um forte abraço no filho.

Você está bem?

Como foi a viajem? Tudo bem, responde o pai! Apenas um pneu furado, um atraso de algumas horas na viagem, nada demais.

Vamos pegar um táxi? Sim. Respondeu Rafael.

E sua mãe, como está?

Bem.

O táxi roda menos que dez minutos na pequena cidade, e pára em frente à residência do seu filho.

Uma casa azul de esquina, pequena, rodeada por um gramado bem verde, jardim de flores na frente, nos fundos, pés de bananeiras. Em sua volta muros, e na frente da casa, uma cerca de grades de ferro com dois portões, um para carro e outro para pessoas, tornando a residência segura. Na varanda algumas cadeiras bem confortáveis. Uma mulher loira, sua ex, aparentando ter menos de cinquenta anos, a mãe do Rafael, o recebe. Entra! Deixa a mochila no quarto que reservaram para ele, onde ficará por uma semana, mais ou menos.

Sente-se, disse ela! Vamos tomar teneré, uma erva parecida com o chimarrão gaúcho; a diferença é que se toma gelado.

Fez boa viajem? Ela perguntou?

Sim! Um pouco cansativa, mas correu tudo bem; tranquila.

Puxaram mais uma cadeira para a varanda. Rafael oferece a vasilha com o famoso teneré. Ele toma e diz; - ‘não conhecia a erva’; mas que gostou. Falou olhando para o seu filho, após esvaziar a cuia. Ambos sorriram.

Num bate papo informal, os três atualizaram os acontecimentos do dia a dia de cada um. Como estão as notas na escola? Rafael abriu com alegria os presentes trazidos pelo pai. Conversa vai, conversa vem, de repente dois cãezinhos, ainda filhote, começam a latir para o visitante. ‘Bravos! ’ Ele falou em tom de brincadeira.

Toby cor de ferrugem, o mais bagunceiro, e Scoob, branco, mais comportado, com malhas pretas, explicou seu filho.

Foi um dia longo. Não pararam de conversar. Foi assim no almoço, no jantar. Depois mais uma rodada de teneré, e foram dormir tarde da noite.

No dia seguinte, quando levantou, e ia tomar o café da manhã, Rafael ainda dormia, foi assim que descobriu que seu filho tinha preguiça de levantar cedo. Risos.

Mas depois, perto da hora do almoço, ele levantou, e foi logo brincar com os dois novos amigos. Os cãezinhos de estimação! Uma cena de alegria e felicidade. Até esquecia de seu principal prazer, jogar no computador. Ele, que não visitava o filho há quase um ano, entrou no clima. Rafael, ele e os filhotes foram para o gramado, onde surgiram brincadeiras cheias de felicidade. Eram demais aqueles filhotes. Um gesto de carinho da mãe.

Os dias iam passando e a rotina se repetia. Leite para os filhotes, e ração pela manhã, á tarde e perto do anoitecer. E muitos momentos de alegria. Tentaram até soltar pipa, que o filho mais velho tinha trazido da Austrália, e enviado ao Rafael através do pai, mas o vento não ajudou e essa brincadeira também não agradou o Rafael.

Os dois cãezinhos foram um presente da mãe que percebendo que Rafael não desgrudava do computador, teve a brilhante ideia de adotar esses cãezinhos de estimação como uma nova opção de lazer, e que deu um pouco de responsabilidade ao nosso filho, que passou a cuidar desses filhotes. Foi a melhor decisão que ela tomou, acertou em cheio. Eram tão pequenos os dois irmãos caninos, que mal conseguiam andar no gramado. Depois do computador, os animais de estimação passaram a ser alegria do seu filho. E que adquiriu uma responsabilidade fantástica. Ele passou a dividir melhor seu tempo entre escola, computador e os cuidados com os cãezinhos. Começou a fazer os deveres de casa sem precisar nenhuma pressão, e melhorou seu rendimento na escola.

Naqueles dias de outono, o céu azul com poucas nuvens imperava. A noite desnudava muitas estrelas. Então, ele e seu filho ficavam até tarde conversando e admirando aquela beleza divina sobre suas cabeças.

Uma semana passou rapidamente. No ônibus de volta a são Paulo, mais dezessete horas de viagem, ele vem pensando nos momentos felizes que passara junto ao seu filho, e no mundo feliz que o garoto de treze anos vivia. E para a felicidade de todos, não houve blitz.

Na cabeça a certeza de que essas visitas reforçariam sua imagem de pai, já que durante os treze anos de vida do Rafael, esteve presente apenas nos primeiros dois anos, e o resto, infelizmente, era por vídeo chamada.

É fascinante, para quem está acostumado com a barulheira da cidade grande, a tranquilidade daquela cidadezinha, que aparentava ter no máximo dez mil habitantes, não tinha nenhum prédio, só casas, ruas muito largas, asfaltadas e bem limpas. Um contraste com a vida turbulenta de são Paulo. A igreja matriz da cidade, situada nua praça enorme, e muito limpa era de uma beleza indescritível.

Lá não havia muitas opções de lazer, as principais, ir à sorveteria, ou a pequena pizzaria onde aprendera a comer pizza com ketchup e batatas fritas, graças ao gosto do seu filho.

Nem ônibus o município possuía. Andar de um ponto a outro na cidadela, tinha que ser de carro, a pé, de bicicleta ou táxi.

Um mês depois que estava em São Paulo, ele recebe vídeos do seu filho, brincando com os cachorrinhos. Bate uma saudade. Fica emotivo por algum tempo.

Ele não sabia se dava para exercer paternidade pelo celular, mas tentava. Ligava quase toda semana para o filho. Só dava para visitá-lo uma vez por ano, e tinha que ser de ônibus, porque a viagem de avião era muito cara para o bolso dele.

Algumas semanas depois, a mãe do Rafael ligou e disse com certa tristeza que o Scoob, estava doente. Não queria comer e estava ficando cada dia mais fraco. Chamara o veterinário que indicou antibióticos. Uma vizinha aplicou o remédio. Agora estava na mão de deus, disse ela.

Passou alguns dias, e num segundo telefonema ela disse com tristeza. –‘Tentei de tudo... Não adiantou, o Scoob morreu! ’ Eu fiquei triste com essa notícia. Ela disse ainda que o Rafael estava bem, que havia ficado também triste, mas surpreendentemente superará a fatalidade, melhor que ela, entendendo que são coisas da vida.

Agora, é esperar o próximo ano e com a pandemia controlada, uma nova visita. Ele ficou impressionado com a inteligência e a maturidade do seu filho Rafael, com apenas treze anos de idade. E chorou sem lágrimas...

jaeder wiler
Enviado por jaeder wiler em 31/05/2020
Reeditado em 17/06/2020
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