*Cabeça de avó

Cabeça de avó

Se mulher já faz besteira quando é mãe, então, quando se torna avó, então, faz coisas que o cão duvida e Deus nem acredita!

Quando minha mãe ia ao banco receber dinheiro, costumava levar consigo minhas duas filhas gêmeas, Dalva Roberta e Diva Raquel, que nesta época deviam ter por volta de quatro anos. Certamente que não era para lhe servirem de guarda-costas.

Isso me causava estranheza, porque o banco deve ser o último lugar para se levar crianças. Só perde para montanha russa e feira livre.

Pois bem, certo dia, quando minha mãe estava arrumando as netas, uma delas lhe perguntou:

- Vó, a senhora vai levar a gente para onde?

- Para o Banco do Brasil - respondeu ela.

- A senhora vai receber dinheiro, vó?

A pergunta era lógica, pois havia sempre um motivo pra comemorar. Já que depois do banco, o banquete na lanchonete da frente estaria garantido.

- Não, desta vez não. Vou arranjar um emprego pra vocês.

Assustadas, as duas entreolharam-se, num misto de medo e pavor, fazendo com que outra pergunta se fizesse imediatamente imperativa:

- Mas vó, a gente não sabe fazer nada, como iremos trabalhar no banco?

- Esse trabalho vocês sabem fazer muito bem e tenho certeza que vocês irão gostar...

- Que trabalho é esse Vó?

- Vocês irão passar o dia chupando picolés, tomando sorvetes e refrigerantes com cachorro-quente. Já falei com o gerente e está tudo acertado. Todos os dias, o carro de banco virá buscar e trazer vocês, após o expediente. O pagamento será diário. Quando vocês retornarem pra casa, já virão trazendo o pagamento. O bem disso tudo é que o dinheiro vocês nem precisarão gastar, porque já virão de pança cheia.

As duas, que antes demostravam uma grande preocupação, de repente foi como os céus se abrissem.

“Só quero ver como minha mãe irá desenrolar essa encrenca”.- pensei eu com minhas pragatas. Não se deve prometer nada a uma criança apenas por prometer e, se fosse realmente verdade, eu iria lutar desesperadamente por uma dessas vagas.

Como o trem já estava mesmo complicado, eu resolvi dar mais um empurrão, quando elas já estavam saindo. Coloquei as duas mãos em forma de concha em torno da boca e gritei para minha mãe:

- Não se esqueça de que elas têm que tomar banho na piscina de Fanta uva e na cachoeira de Nescau!

E lá se foram elas. As crianças com seus sonhos inflados pelo emprego dos sonhos, e eu, cheio de preocupação, imaginando desenrolar dos acontecimentos.

Quando retornaram, o meu lado esquerdo estava mais ansioso que o direito e nem bem adentraram a nossa casa, já fui perguntando:

- E então, quando as meninas começarão no novo emprego?

Pois foi! Fiquei sabendo que minha mãe, depois que resolveu sua encrenca com o gerente, falou pra ele na bucha, na frente das duas crianças:

- Ok, agora como fica aquele nosso entendimento sobre o emprego dessas duas, de passarem o dia tomando sorvetes e comendo cachorro quente aqui no banco?

O gerente, que também era avô, entendeu o recado de primeira e soltou também na lata:

- Está tudo bem. A senhora leva as duas bonequinhas ali na lanchonete da frente e se cada uma comer dois cachorros quentes, um sorvete, um hambúrguer e um refrigerante, pode trazê-las na segunda-feira. Caso não cumpram a tarefa, nem precisam ficar desanimadas, porque aos dezoito anos elas farão outra prova e tudo se resolverá.

Claro que não conseguiram, mas nem por isso perderam a freima na luta por um sonho. Como bem dizia minha mãe: “o melhor lugar para se encontrar um doce sonho, sem lutas, é na padaria da esquina”.

São coisas da minha família.

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Filosofia de botequim:

Ter vergonha de perguntar, é fazer opção pela ignorância.