DAS TREVAS À LUZ

Era o ano de 1969, mês de maio, não recordo o dia, céu encoberto, por volta das 10h:00 a cidade mãe do Sudoeste Paranaense, atualmente por mudança do mapa geográfico do Estado passou a ser Centro Sul, já havia acordado, seu munícipe povo bom e trabalhador pararam seus afazeres para presenciar uma triste e marcante cena. Naquele momento o silêncio era total, com exceção do ranger vindo de uma roda de ferro de um carrinho de mão que percorria o calçamento de pedras irregulares da Avenida Nossa Senhora da Luz. Eram três pessoas, dois moços acompanhavam o carrinho, um o conduzia, o outro o acompanhava, ambos com os cabelos recém raspados como se podia perceber, logo atrás a uns cinco metros, um senhor alto e forte os acompanhava, vestido com um terno preto, tendo na cabeça um chapéu de pano, também preto, lembrava os filmes de “Al Capone” da máfia siciliana. O senhor era o Delegado de Polícia da cidade, o carrinho transportava uma lata de banha e alguns salames, todos se dirigiam a um armazém, na época, assim era denominado o estabelecimento comercial que vendia gêneros alimentícios. Os moços, eram pobres, haviam sido presos em suas respectivas casas e com o produto do “roubo”. Estavam levando para o local de onde haviam subtraído.

O Delegado de Polícia andava altivo, com brio, postura que podia ser compreendida como: “DEVER CUMPRIDO”. Os moços ao contrário, não levantavam a cabeça, também era possível entender como: ERRAMOS. Sabiam eles que nunca mais iriam esquecer aquele momento, estava sendo marcado de forma indelével em suas almas. Tinham consciência que viriam de necessitar de muita “LUZ DIVINA”, para, doravante, seguir em frente após o erro cometido, tamanha a humilhação. A “LUZ” que certamente estavam clamando, por certo era da própria padroeira da cidade, “NOSSA SENHORA DA LUZ”, nome da própria avenida que lhes servia naquele momento como “via sacra”, era justamente o mês de MAIO, mês de “MARIA”. Após o acontecimento, tomei ciência que os moços responderam a um processo criminal na forma da lei, não sei se foram absolvidos ou condenados. Também não sei se argumentaram ou não em suas defesas o denominado “crime famélico”, excludente de ilicitude por estado de necessidade, haja vista que eram pessoas pobres e os produtos furtados era uma lata de banha e alguns salames, poderiam, quem sabe, serem inocentados. Os anos se passaram, mas a cena impactante que presenciei ficou em minha memória, não a esqueço.

Decorreu mais de meio século do fato, em 2009, meados de JUNHO, por volta das 12h:00, me dirigia a minha casa para o almoço quando presenciei um dos moços daquela cena ocorrida lá em 1969. Tanto ele como eu, continuamos a morar na mesma cidade, não temos amizade, mas nos conhecemos, hoje possuímos cabelos brancos. O moço estava levando consigo uma panela grande de alumínio, daquelas altas, ao que parecia estava bem pesada, era de fácil percepção, esforçava-se para carregá-la. Notei que ele se dirigia a um parque de diversões que estava instalado nas proximidades. Continuei observando o moço e constatei que realmente chegou ao parque, algumas pessoas do parque o receberam, vi que o cumprimentavam com batidas de mãos em suas costas, gesto próprio de agradecimento, dentre as quais havia crianças, todos sorriam, ficaram alegres com sua presença e com o que trazia naquela panela. Foi fácil também perceber o que estava se passando, naquela manhã tive conhecimento que o parque estava em “dificuldades”, havia chovido incessante por vários dias, o parque era pobre, tinham poucos recursos, inclusive, noticiava-se que Prefeitura Municipal iria ajudá-los fornecendo combustível e transporte para que seguissem em frente, para outra cidade, o que acabou se acontecendo. Aquele moço, naquele momento, estava socorrendo aquelas pessoas, havia comida naquela panela, estava saciando a fome daqueles infelizes. Trouxe a comida de sua casa, de local distante do parque, não tinha veículo, mas chegou ao destino carregando a panela pelo muque, pelo esforço físico. Se alguém sabe o que é fome é justamente aquele moço. A boa ação daquele moço era atitude cristã, saciou a fome de muitos, inclusive, dos pequenos infantes.

Devo confessar que vendo aquela cena, pude constatar que ali, naquele momento, estava assistindo a última cena, o término (THE END) do filme que havia para mim iniciado em 1969. Indaguei para mim mesmo, o porquê do destino ter me dado a “oportunidade” de ter assistido as duas cenas, o filme completo. Confesso! Não sei, mas concluo que aquele moço foi atendido no seu clamor, este moço realmente foi das “TREVAS À LUZ.”