PAI E FILHA

Pessoas boas sofrem decepções, e não contaminam os outros. Contaminam a si mesmas com os vícios. Amargura é o céu nublado da alma, que escolheu se entregar... Mas pessoas boas não devem se ferir, não devem maltratar o coração. Assim vivia Herlito, um jovem senhor recém chegado de São Paulo. Trazia um olhar perdido, uma tristeza de estar longe de sua amada filha. Só conheceu a felicidade depois que se tornou pai.

Mas era uma felicidade que tinha como pano de fundo, a tristeza. Herlito queria dar o melhor para sua família, mas ele não acreditava em si. A insegurança permeava sua vida, seu semblante caído, sua voz presa, sua falta de força. Para piorar a situação, ainda na adolescência, perdeu os pais. Perdeu o chão! Sozinho, renegado pelos parentes, que o achavam um atraso de vida, foi viver na ruas de São Paulo. Conheceu uma mulher bem mais velha, malandra e bem vivida. Corpo lindo, mas de alma depravada. Com ela Herlito teve sua filhinha Bárbara. A mulher o fazia de gato e sapato, falava alto e batia na cara dele, traía ele com vários homens. A única coisa boa desta relação era Bárbara, linda menina de rostinho angelical. Herlito era xingado de corno, idiota, incapaz de dar conta do recado. " Por isso que eu te traio, seu burro! Você não é homem de verdade! Você é um fraco, é assim que eu te vejo! Eu te chamei para vir morar comigo, me arrependi feio! Seu traste! Você só vive sonhando, mas não te vejo com dinheiro. Você é um medroso, sua vida é depender de mim. Cadê a bicicleta da sua filha, você acha que se contenta só com sua presença, seus beijinhos... Toma juízo homem! Suma da minha vida, e deixa que vou arrumar um pai de verdade para Bárbara."

Herlito não disse uma palavra, era acostumado a proceder assim. Ele se anulava, aceitava tudo! A passividade era sua marca registrada! Olhava com vergonha para a filha. Suas lágrimas desciam do rosto, queria viver somente com a filha. Preguinho ( como os amigos o chamavam) foi embora prometendo a si mesmo que um dia, quando vencesse na vida, estaria novamente ao lado da filha. Resolveu voltar para o Rio de Janeiro, onde nasceu e viveu seus primeiros meses de vida.

Herlito carregava a imagem de um homem sofredor, todas as tardes se dirigia ao bar José dos Anjos, no subúrbio carioca de Vista Alegre. Desempregado, só vivia de bicos e pequenos favores, morava num pequeno cômodo em uma rua simples. Frequentador assíduo do bar, o homem de rosto magro e barba por fazer e aparência descuidada, via na dose de cachaça uma fuga para os seus problemas. Mas não adiantava! As lembranças, assim como o álcool, o corroíam. " Papai, eu quero minha bibiqueta!.." Lembrava de quando chegava do trabalho e a filha lhe cobrava, com um jeito tão meigo, uma linda bicicleta da propaganda da televisão. Herlito sofria por não realizar o sonho da filha. E o homem se afundava mais ainda na cachaça, era conhecido aqui no Rio como Magrinho. Não comia quase nada, praticamente seu café da manhã era a " marvada". Passou a adquirir um problema de tremedeira nas mãos, uma mania também de andar trocando os passos e ficar piscando os olhos e franzir as sobrancelhas.

O filho de Seu José, dono no bar, fez amizade com ele. Herlito contava piadas e Maurício se acabava de rir. Maurício era poeta, e um certo dia escreveu um poema inspirado na dor do amigo. Falava para Magrinho parar de beber, mudar o visual e procurar a filha. Herlito tinha vergonha e medo de a filha não aceitá-lo mais como pai. Achava que a ex-mulher tinha feito a cabeça da criança. Pensava também que a menina já estaria chamando outro homem de pai. Maurício tratou de animar o amigo! Chamou -o para trabalhar com ele, desde que decidisse parar o vício do álcool. Maurício o levou até o Alcoólicos Anônimos, e Herlito foi levando a sério pois sua meta era mudar de vida. O homem que antes nem tinha sonho, nem sabia direito o que queria da vida, passou a alimentar o desejo de ser um exemplo de transformação para a sua filhinha. Herlito deu um giro de 180 graus em sua vida, deu o primeiro passo e Deus foi trabalhando em seu interior. Passou a trabalhar de auxiliar administrativo da pequena editora de Maurício, o jovem poeta filho do dono do bar, que era a "morada" de Magrinho. Triste cenário de vícios e falsas alegrias, lugar que Herlito deixou de frequentar! Maurício organizou uma vaquinha para o amigo ampliar e reformar sua casa, trazer sua filha, e pagar a escola e tratamento da menina que ficou paraplégica​. Núbia, ex-mulher de Herlito, perdeu a guarda da menina pois só queria saber de noitadas e nem ligava para a menor. Espancava a filha pois a mesma a fazia lembrar do pai. Final da história: Núbia foi presa, aprendeu que malandragem só dá em morte ou prisão. Foi dar ouvidos ao prazer desenfreado, perdeu a noção de sua existência. Herlito já com a vida transformada, por conta de sua humildade em aceitar mudar, recebeu um gostoso abraço de sua filha. Bárbara chorou muito, e disse que a todo o tempo sentia falta do pai. Não gostava de ver a mãe maltratando o pai. Bárbara se inspirou na força de vontade do pai para voltar a andar. E não durou muito! A menina pré- adolescente, com menos de um ano de fisioterapia, voltou a andar. Herlito ficou todo bobo, realmente impressionado de ver a filha uma lutadora, que perseverou e alcançou, com a graça de Deus, o milagre. Herlito cumpre o antigo sonho da família em ter uma bicicleta.

Herlito e Bárbara, dois lutadores, dois heróis que deram um passo e não aceitaram levar a vida que viviam.

Linda história de superação que inspirou o poeta Maurício a escrever uma poesia.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 15/06/2020
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