O PREFEITO

Contam as más línguas e as boas também, diga-se de passagem,

que em certa cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul (que

aqui, nós vamos chamar de Mato da Lebre), havia um prefeito que

era uma verdadeira figura. O cara era um quadro.

Mas, os vereadores de lá também não ficavam muito atrás dele já

que pra fingir que trabalhavam e fazer jus ao seus gordos salários,

reuniam-se seguidamente para criarem monções homenageando

um e outro. Claro, sempre na expectativa de tirarem alguma vantagem

por trás de tal monção. Afinal, ninguém é trouxa pra ficar dando

ponto sem nó, ou pregando o prego sem a estopa.

E nessa cidade assim como em todas as outras do país, o povo e

principalmente, os funcionários públicos andavam sempre descontentes

com o prefeito que se negava a oferecer-lhes melhores condições de

trabalho, um salário condizente com suas responsabilidades e etc e tal.

Mas, o prefeito nem se importava com suas queixas. Levava sua vida

numa boa, como se nem fosse dele que estavam falando. Quando recebia uma quantia X do governo federal, aplicava entre 10 e 30% no município.

(Além disso, adorava posar para fotos.) Então, contratava empresas pra divulgar sua obra e ainda fazia grandes festas de inauguração. Se mandasse tapar um buraco na rua, mandava também, colocarem sobre o mesmo uma fita pra ele poder fotografar enquanto inaugurava a tal obra.

Os vereadores por sua vez, totalmente perdidos e sem saber pra quê de fato haviam se elegido, posto o desconhecimento do significado da palavra legislar, quanto mais suas verdadeiras atribuições. Por vezes, preocupados em mostrar serviço à população, corriam atrás do prefeito para pedir a esse que mandasse patrolar a rua tal, ou tapar o buraco da outra rua tal.

Se o prefeito não se preocupava nem com o município, imagina se ele iria atender, gratuitamente, esses edis. Vá que um dos tais resolvesse candidatar-se nas próximas e tirar-lhe a vaquinha onde ele mamava tão fascinado? Nada disso. Se o povo pagava um preço por tê-lo ali, os nobres vereadores também, haveriam de pagar pelo que buscavam.

Ciente disso, um dos vereadores querendo fazer saldo médio com o prefeito, fez uma proposição de se dar o nome da saudosa mãe do digníssimo senhor prefeito a uma ponte nova que havia sido construída por esse, no Rincão da Cortesia, sobre o Arroio dos Ratos. E os demais vereadores, pra não ficarem mal com o prefeito, aprovaram a proposição que se transformou em projeto de lei e posteriormente foi aprovado por unanimidade.

Mas, o povo na rua, descontente com o prefeito, trocaram o nome da ponte ainda durante sua festa de inauguração, quando um gaiato com um copo de cerveja numa mão e um naco de costela de ovelha assada na outra disse rindo ao outro rapaz que estava em sua companhia: ¨ _ Mas, bhá cara! Nunca pensei que eu fosse me esbaldar tanto no buraco da mãe do prefeito!¨

Dali em diante, ninguém mais ouviu o nome da dita cuja senhora. Mas, ¨o buraco da mãe do prefeito¨, até os dias de hoje, anda em tudo quanto é boca da cidade.

Certa vez, o prefeito foi fazer uma viagem até a capital, pra conversar com o governador e tentar mais alguma verba... Sabe como é as coisas andam difíceis pra todo o mundo, para o prefeito não era muito diferente. Ocorre que o prefeito pra mostrar que era um homem honrado, negou-se a usar um dos carros da prefeitura. Mandou encherem o tanque do seu e por na conta da prefeitura, pois se ele iria viajar por conta do município. E, em seguida, começou a viagem.

Logo de início, encontrou na faixa duas moças. Uma usava um short bem curtinho que lhe permitia mostrar as nádegas à vontade pra quem quisesse ver e uma blusa igualmente minúscula, deixando aparecer os fartos seios. A outra mais discreta, usava uma saia também, curta e bem ligada ao corpo e uma bela blusa de seda. O prefeito ficou todo faceiro e disse ao motorista: ¨_ Pára que hoje é o meu dia de sorte. Ainda vais levar vantagem por estares comigo. Eu fico com a da saia e tu ficas com a outra. Vamos dar carona pra essas belezuras aí.¨

O motorista parou o carro e as moças nem se fizeram de rogadas, entraram logo. Cada uma sentou-se ao lado de um deles e prosseguiram a viagem.

Lá pelas tantas, o carro aqueceu, o motor começou a roncar e em seguida, parou. Estava um calorão horrível! O motorista olhou o motor e disse ao prefeito que o caso era pra mecânico. Ele não poderia dar um jeito ali mesmo. A situação complicou-se, então. Por sorte havia uma oficina bem próxima e eles puderam receber socorro logo. Porém, o mecânico após olhar o carro e descobrir o problema, disse ao prefeito que o serviço levaria no mínimo umas duas horas pra ficar pronto.

O prefeito ficou meio desgostoso, tinha hora marcada, não queria atrasar-se, mas o que fazer? Tudo bem aguardaria.

Havia uma lancheria na beira da estrada e estava muito calor, a sede era grande. Então, o prefeito disse que enquanto o mecânico arrumasse o carro, eles iriam tomar um refrigerante talvez, comer alguma coisa também. E se encaminharam para a lancheria.

Escolheu uma mesa na rua, para ficar ao ar livre. Havia um toldo que fazia uma sombra sobre as mesas e o ar ali estava mais fresco.

Logo apareceu um garçom para atendê-los. E o prefeito enfiando a mão no colarinho e esgarçando a gola disse: ¨_Meu amigo, traz lá uma coca-cola, estupidamente gelada, pra nós que estamos de goela seca aqui.¨ O garçom então, perguntou: ¨_ Família, não é?¨ E o prefeito respondeu: ¨_Capaz! Isso são duas puta que eu acabei de pega na faixa. ¨ E deu uma risadinha sem vergonha. Então, o garçom esforçando-se pra não rir, explica que perguntara sobre o refrigerante, se não seria melhor uma coca cola família, já que eram quatro pessoas pra consumir. O prefeito então, concorda: ¨_Ah, bom! E eu aqui pensando que tu me perguntava das mulher. Pode trazer essa família mesmo. As moça não são de família, mais devem de apreciar uma dessas. ¨

O mecânico chama o prefeito e diz que o problema do carro é maior do que ele pensava. Teria de trocar umas peças para fazê-lo andar, mas como tratava-se de uma Rural, ele nem tinha as peças ali no momento para fazer o conserto. De toda a forma, tinha um carro Del Rey para alugar se o prefeito quisesse. Ele aceitou porque não teria como esperar mais.

Todos embarcam no carro e prosseguem. Mas, ainda faltava um bom pedaço de chão para chegarem à capital e o prefeito começa a ficar nervoso. Não queria atrasar-se, tinha hora marcada para falar com o governador.

Suspira aliviado quando o motorista lhe avisa que chegaram. Então, todo desajeitado ele dá um tapa na perna da moça que estava ao seu lado e, diz:

¨_ Fica aí, pitéuzinho que a toridade aqui vai te uns papo com o seu governado e já volta pra gente dá umas banda por aí, viu?¨ A moça sorri sem graça, esfregando a perna vermelha, enquanto ele desce do carro e se olha no espelho retrovisor. Passa a mão nos fiapos de cabelos que tem sobre as orelhas, esfrega a careca lustrosa, faz umas duas caretas para o espelho e finalmente, sai para atravessar a rua.

E começa a rezar pedindo ajuda para todos os santos pra conseguir atravessar a tal rua, porque era tanto carro pra lá e pra cá que ele já estava zonzo de tanto virar a cabeça. O pior é que sempre vinha mais um.

O motorista do carro dele então, estava ocupado com as duas companhias que ficaram sob seus cuidados até o retorno de seu chefe. E é uma delas que avisa que o prefeito ainda não atravessou a rua. Então, o motorista desce do carro, chega ao lado do prefeito e pergunta porque ele ainda não foi. O prefeito olha furioso para o motorista e, pergunta: ¨_Tu bebeu hoje, é? Não tá vendo que aqui não tem jeito de passá? ¨ O motorista então, mostra pra ele... ¨_ O chefe, ta vendo esse botãozinho aqui? Quer ver como ele é poderoso? O senhor dá uma apertadinha aqui e os carro tudo param.¨ O prefeito fica observando... ¨_ E porque tu não me disseste isso antes? Mas que barbaridade! E eu to atrasado!...¨ E saiu correndo.

Entra na sala de espera e vê uma secretária. Então diz a ela: ¨_Boa tarde, eu sou o prefeito de Mato da Lebre e tenho uma hora marcada com o senhor governador.¨ Ela pergunta seu nome ele responde que é o prefeito de Mato da Lebre. A secretária diz que já entendeu isso, mas quer saber seu nome. Mesmo sem muita vontade, ele responde. A jovem então mostra-lhe uma poltrona e convida-o a sentar-se. Pedindo-lhe que aguardasse uns minutinhos que o governador já ia lhe atender.

E ali fica o prefeito no maior chá de banco que ele já tomou em sua vida. Já suava mais que porco em matadouro. Mas, nada do tal governador mandar ele entrar. Quando já faziam duas horas e meia que ele estava aguardando, chegou um homem bem vestido, com uma pasta de couro preta. Trocou duas palavrinhas com a secretária e esta abre a porta da sala do governador e manda ele entrar. O prefeito se indigna como podia acontecer aquilo nas suas barbas?! E pergunta à moça, que lhe responde:

¨_ Sabe o que é prefeito? É que esse senhor veio de Brasília.¨E, o prefeito rebate: ¨_Grande coisa! Eu vim de Del Rey e daí? Se ele tem uma Brasília, eu tenho um carro muito melhor que o dele! Ora essa!...¨

A secretária procurando acalmá-lo oferece um café. Ele estava com muito calor, mas já que era isso o que ela podia lhe oferecer, aceitou.

Ela então traz o café e lhe alcança o açucareiro ao que ele faz um gesto com a mão e agradece. A secretária pergunta: ¨_O senhor é diabético?¨ E ele responde: ¨_Não. Eu já disse que sou prefeito de Mato da Lebre! Parece surda...¨ Nisso a porta se abre. O governador acompanha seu convidado até a porta e retorna para cumprimentar o prefeito. Assim que ele se aproxima do prefeito a secretária vem para lhe dizer o nome do mesmo, mas ele interpela a secretária e fala quase gritando: ¨_Boa tarde, digníssimo governador. Eu sou o prefeito de Mato da Lebre.¨ O governador então, querendo conquistar mais um cabo eleitoral para si, dá uns tapinhas nas costas do prefeito e diz: ¨_Mas e aí, prefeito? Me conta como está sua cidade? E a zona rural?¨ O prefeito responde: ¨_A cidade ta do mesmo jeito. A rural estragou no caminho e tive de alugar um carro pra seguir viagem. Agora, a zona ta boa! O senhor precisa de ver as duas que eu trouxe comigo hoje. Vieram lá da zona!¨

Dizem que depois disso, o governador nunca mais quis atender esse prefeito na capital. E o prefeito jura que o governador ficou com ciúmes dele por estar tão bem acompanhado quando fora lá, pela última vez.

Passado algum tempo, o prefeito encontra o maior desafeto de sua vida. Uma revolucionária que resolve fazer greve em sua cidade só porque ele disse que se por acaso morresse algum gari em serviço, que ele pagaria o enterro desses de bom grado. E o que ela tinha que ver se nem da Secretaria de Obras e Saneamento ela era? Ora vejam só! Quem diria?... Mas, isso já é história pra outro conto...