Melodias às excelências
Naquele dia os pássaros já não tocavam mais o céu. O sol escaldante nem queimava mais, tanto fazia. A tristeza tomava conta das lembranças silenciosas de quem abriu tantas covas naquela pequena poção de terra, semeando esperança para alimentar vidas no latifúndio que antes fora motivo para eclosões de estopins de lutas.
Naquele dia, se retirava para outra dimensão, para além dessa visagem terrestre e tristonha, raramente com tons verdejantes, o pai de Severino, Bil, o personagem que apresento no primeiro conto e que você, leitor, saberá logo mais, a origem dessa contação, em tons de cinza.
Antônio era seu nome, mas de batismo entre as pessoas, Toin.
Em vida, ensinou a sua família que mesmo tendo que conviver com a secura que castigava o cenário de sua vida, era preciso dar continuidade a ela, mesmo que seja sob o comando severo d’uma seca que é protagonista antagônica nesta história para com a gente nordestina.
Ao ver seu povo partindo em fluxo migratório para outras imensidões do país, já era doloroso, mas a perca de seu pai foi algo mais ardido que poderia lhe acontecer, ardia mais que os raios solares que batiam no solo.
Logo agora que a chuva acabava de cair naquele solo que há muito tempo não mantinha íntima relação com a água, o passaporte de dor vem e revela seu lado ainda mais cruel.
Os “acunhamentos” das enxadas, além de servirem de melodia para as excelências fúnebres rezadas em torno do corpo de Antônio, em louvor à sua alma sob aquele cadáver testemunho de tristeza e de lágrimas persistentes, desviaram seu intuito maior para cavar, a sete palmos, a cova do genitor de Bil. Pelo que parece, cova é uma palavra que faz presença marcante no repertório linguístico do nordestino tipicamente sertanejo-ruralista. É cova de milho, é cova de feijão. Tristeza, agora, é a cova de Toin.
Com aquele cenário tristonho, era chegado a hora do cortejo seguir em direção à viagem sem volta. Agora, só restavam lembranças e esperança de dias promissores, afinal, a chuva alegrava os agricultores que resistiram e tiveram sua fé renovada em são José. De um lado, contudo, as nuvens, talvez, e seus conterrâneos choravam a sua partida. A terra que antes se preparava para plantios, roçados, agora o abraçava, num gesto fraternal, na eternidade.

Autor: Cícero Henrique Bezerra da Silva
Cícero Henrique
Enviado por Cícero Henrique em 30/04/2021
Reeditado em 02/05/2021
Código do texto: T7244925
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.