A SERENATA

Uma das coisas mais românticas que aconteciam no meu tempo de mocinha eram as serenatas. No interior, os rapazes tocavam e cantavam nas janelas das suas amadas ou pretendentes a amadas, pelo menos ma vez na semana, durante a madrugada. Eu ADORAVA, mas a minha querida avó, detestava, haja vista que teria trabalho no dia seguinte e a cantoria não a deixava dormir.Abria a janela antes de mim e educadamente pedia ao romântico mancebo para encurtar a canção, o que na maioria das vezes era prontamente obedecida. Eu ficava frustadíssima. Os rapazes já nem queriam mais cantar na minha janela. Uma vez, arrumei um namorado numa festa e não falei nada para minha avó, pois eu não o conhecia direito, era rapaz da capital e com certeza eu não iria conseguir aprovação. Mas o moço me pareceu boa gente. Era residente no hospital do Crutac aonde também trabalhava a minha avó.

Encontramos-nos algumas vezes e numa linda noite de céu estrelado, a criatura juntamente com dois amigos, resolveu fazer uma serenata na minha porta.

Depois de uma bela canção do Roberto(ele tinha linda voz), e de acordes afinadíssimos de violão, minha avó gritou de dentro da casa:

-Vamos parar com essa cantoria aí que eu preciso dormir.

Ou não ouviu, ou não quis ouvir, o certo é que mais alto ainda o Carinhoso espalhou-se na madrugada.

-Péra aí, mamãe, deixa o rapaz cantar, olha que voz bonita ele tem.

Titia argumentava em meu favor.

-E amanhã eu fico bêbada de sono, porque esse franguinho resolveu cantar no meu terreiro? E novamente pediu:- Só essa, viu rapaz?

Mas o rapaz parece que tinha tomado algumas e fez ouvido de mercador. E mais duas ou três músicas foram suavemente dedilhadas por dedos que mais tarde salvariam muitas vidas.

Minha avó nem quis saber, numa panela colocou dois litros de água gelada com cubinhos de gelo dentro, abriu a janela e jogou tudo nas cabeças dos rapazes, que correram de lá apavorados. Eu comecei a chorar consolada por minha tia, minha avó voltou a dormir, mas antes resmungou que poderia ter jogado coisa pior.

No dia seguinte, ao chegar no trabalho, encontra o doutor Erick na recepção, esperando o plantonista. Vermelho, espirrando e com febre.

-Tá doente, doutor?

-Tou gripado, dona Helena. Esse povo daqui é doido, imagine, eu conheci uma moça há pouco tempo, fui fazer uma serenata pra ela e alguém lá de dentro, acho que foi a mãe, me jogou água gelada de madrugada. O resultado foi esse. Ô povo maluco, eu hem?

Sem dizer palavra, minha avó esgueirou-se para sua sala e não tocou mais no assunto. Logicamente, o namoro acabou e ele nunca soube quem jogou a água da gripe!

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