Meu Amor, Posso Ainda Dizer...

Olhando estas paredes brancas e ouvindo o som destas máquinas, neste quarto de hospital, lembro – me ainda de quando nossa história começou.

Eu, vinte anos e você, 18, em idade militar.Garoto bonito, de olhos vivos a sorrir – me, frente a praça única de nossa cidade.”Quer casar comigo?”.

As mais belas juras de amor eterno. As confidências de um futuro feliz.Pediu – me que jamais tingisse os cabelos, queria – os brancos, quando nossos netos chegassem.Senti –

me como aquela personagem de José de Alencar, primeiro livro que lemos juntos:acreditei que morreria em nossa noite de núpcias.

Vinte anos passaram por nossas vidas.Vinte anos,3 filhos e 1 neto apressado em me conhecer.

Olho agora para você adormecido, ouço o som cansativo, este bip bip infernal.Você é ainda um garoto de 43 anos, cheio de energia, mas solitário.O que a vida fez de nós?

Nunca tive medo de te dizer nada, mas agora que sei que o final se aproxima, tenho medo do momento do adeus. Lembro – me ainda de você me dizendo baixinho, que a juventude nos ilude com a promessa de eternidade.Hoje percebo esta verdade.Acreditava que seríamos eternos, já que éramos felizes.

Foi com você que aprendi que o amor é um verbo que a gente precisa conjugar todo dia para encontrar a felicidade. Encontrei com você o caminho do êxtase, o sentido da continuidade.Aprendi que ser mulher é ser forte. Que a fragilidade é uma força criativa e não uma fraqueza. Que a paixão se renova, como aterra. Que o beijo pode ser doce e pode ser fogo.Que nossas peles foram feitas para o atrito do amor.

Aprendi a ouvir minha voz e conhecer meu corpo, através de você e por nós. Aprendi que o que vale é a amizade, que o amor se multiplica em mil verdades, que a vida vale sempre mais.

Aprendi com você que nosso mundo quem cria somos nós. E que quando amamos,olhamos para a mesma direção. Lembro – me dos primeiros poemas que recitou, numa madrugada fria.

Éramos duas crianças querendo crescer.Não sabíamos ainda que crescer causa sofrimento e tem seu próprio tempo.Isto, aprendemos anos depois, quando enterramos nosso Junior querido, gerado por outros, mas que amávamos e veio ser nosso terceiro filho. Crescemos olhando a sua ausência na mesa, em nossas festas, em nossas vidas.

Hoje percebo que a vida nos cobra pelo que fazemos com ela.Bons ou não, ela resolve que é hora de se esvair.e hoje, sinto que ela vai fugindo, que é chegado o momento.

Ontem os médicos garantiram que estou fora de perigo, mas o que els sabem?

Que bom que despertasse meu amor, tenho tanto a dizer e falta tão pouco tempo.

- Amor, posso ainda te dizer...- bip bip bip bip...

Elisabeth Alves

Publicado em Poetas Mortos.http://www.poetasmortos.com.br/index.asp?op1=2&op2=0&idTexto=10652

Elisabeth Lorena Alves
Enviado por Elisabeth Lorena Alves em 06/04/2009
Reeditado em 15/09/2012
Código do texto: T1525397
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