Juntando Pedaços.

Aline não saberia dizer quantos anos tinha o vaso que jazia em vidros coloridos no chão.

Ela brigara com o decorador para mantê-lo em destaque na nova sala. Pouco importava que o seu vaso destoasse das peças modernas nas quais havia investido um bom dinheiro.

Não se joga fora lembranças por não combinarem com o novo estilo de vida. Repaginação tem limites, argumentara.

Aline, que jamais tratava mal as pessoas, agora esbravejava com o homem assustado que não entendia a intensidade daquela atitude.

No ímpeto ela correra quando vira uma mão aproximando-se do seu vaso e na confusão o derrubara.

Heitor, convidado de um amigo comum , apenas encontrara um bom lugar para guardar as chaves do seu carro e aquela louca havia se jogado contra ele esbarrando no objeto de gosto duvidoso que se desfez no chão.

Todos na sala olhavam espantados aquela a cena. A anfitriã sofisticada transformara-se em uma desvairada. O homem a quem ela se dirigia achava-se visivelmente ofendido.

Aline perdera o controle e a festa de inauguração do seu novo apartamento terminou ali.

Um grupo de convidados ainda levou qualquer coisa do farto bufê para continuar discutindo o surto de Aline em outro lugar.

Heitor foi o primeiro a sair. Ao chegar ao carro, no entanto, verificou que não estava com as chaves e tremeu ao pensar que teria que enfrentar a fera que o acuara.

Sem outra opção, àquela hora da madrugada, voltou ao apartamento de espírito armado contra qualquer ataque que provavelmente viria da dona da casa.

Encontrou a porta aberta e entrou. Todas as luzes estavam acesas e a música continuava tocando. Ainda havia comidas e bebidas espalhadas pela sala, mas nem um sinal de vida por ali.

Encaminhou-se para o local do incidente. Localizou as chaves perto do sofá e ao retornar sem querer chamar atenção, deparou-se com Aline sentada no tapete olhando os restos do vaso.

Não era mais a mulher segura, tampouco a tresloucada que ele viu sentada no chão. Mais parecia uma menina chorando sua boneca quebrada.

_ Desculpe-me. Esse vaso representava muito para mim. Disse Aline em voz fraca.

Contou-lhe que a peça tinha sido de sua bisavó e que desde então vinha passando a ornamentar a casa de todas as mulheres da família.

Heitor, surpreendido diante do novo quadro, compreendeu a relevância do objeto. Pensou que talvez fosse a única referência confortadora no mundo competitivo no qual Aline vivia e tentou confortá-la.

_ Quando estiver pronta poderei lhe ajudar a juntar os pedaços.

No começo da madrugada um homem e uma mulher, até pouco tempo desconhecidos, recolheram com peculiar intimidade os restos do vaso que testemunhara gerações.

Este texto faz parte do VI Desafio Recantista de 2009.

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Evelyne Furtado
Enviado por Evelyne Furtado em 19/05/2009
Reeditado em 05/08/2010
Código do texto: T1603543
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