Laços de Amor - Contos Femininos

Laços de Amor

Hetebasile Sevla

De todas as situações que vivi a última foi mais devastadora e diferente que me aconteceu, e poderia trazer resultados desastrosos para todos os inocentes envolvidos, uma vez que mexeu com todas as crenças e decisões que tomei nos anos anteriores. Decisões estas que dizem respeito a vida de outros.

Quem me conhece sabe de tudo o que se relaciona a minha vida e sei que nos últimos meses muitas opiniões se formaram em volta de minha personalidade. Isto não sendo pior porque estive bem assessorada por bons profissionais de Direito, que conseguiram manter meu julgamento em segredo de Justiça,mantendo assim parte de minha sanidade.

Assim, acredito que para me fazer entender é necessário que conte tudo, desde o principio, mesmo que parte de minha verdade seja para sempre questionada.

Nasci numa família muito grande e cheia de problemas. Cresci envolvida em questões de paternidade não fixa, já que meu pai biológico me registrou, mas por me criar à parte da família, outros parentes sempre questionaram se realmente eu era sua legítima filha.

Aos 14 anos sai definitivamente de casa e fui viver na rua. Em meus primeiros dias ali conheci um senhor que tinha perdido sua única filha num acidente envolvendo menores de rua e uma gangue, que acertou o carro em que ela estava, fazendo com que este pai entrasse em depressão e ficasse revoltado. Ele saia pelas ruas à procura dos adolescentes que atiraram em sua princesinha.

Sua busca acabou ao dar de cara comigo, garota na rua. Viu em mim a cópia fiel de sua filha perdida e com a ajuda de sua esposa, tirou-me da rua e deu-me uma oportunidade nova.

É bom lembrar que não se tratava de um homem rico, era apenas um empresário bem sucedido que viu em mim uma chance de receber amor de outro filho, mesmo não podendo substituir a que perdera.

Os anos se passaram e me tornei uma escritora de sucesso, mas mantinha minha vida à parte. Sempre vivi de forma a dar a minha nova família prazer e alegria. Isto até que eles morreram. Herdei com isto uns poucos bens e com meu trabalho tornei sua empresa numa Editora de sucesso, embora pequena em relação as outras do país. Meu nome tornou-se símbolo de prestígio.

Assim passaram-se os anos.

Hoje as coisas são um pouco diferentes do que já foram.

Três maridos depois, cinco filhos e uma gravidez mal sucedida, eis as portas da Justiça sob a alegação de estar cometendo um crime praticamente antigo, mais pouco conhecido da população em geral: Alienação Parental.

Graças a Deus, enquanto escrevo, meus filhos estão na sala comemorando minha vitória. Nossa família permanecerá junta, para sempre.

Só que resolvi abrir minha boca. Acredito que tenho o direito de falar tudo o que me aconteceu.

Tive um namorado durante os primeiros anos de Faculdade, era um professor de Cursinho Pré-Universitário e fomos muito felizes por alguns meses. Em um descuido nosso acabei grávida. Apesar de não termos planejado, curtimos muito os primeiros meses desta espera, que era maravilhosa e sem complicações. Quando completei 7 meses de gravidez, ele foi chamado para lecionar em uma Universidade Federal fora de São Paulo e foi. Conversamos muito a respeito. No primeiro final de semana que ele estava fora, fui atrás dele. Um acidente no meio da estrada adiantou o meu parto e os médicos do hospital onde fui atendida optaram pela continuidade da gravidez. Fui medicada e mandada de volta para casa. Meus pais adotivos foram me buscar no Paraná e eu voltei quieta. Fomos aos médicos em São Paulo e para meu total espanto, eles disseram que um de meus filhos morrera em decorrência do acidente, mas como os médicos que me atenderam não fizeram o perto, o outro morrera também. Ocorreu o que se diz uma infecção generalizada. Para me manter viva os médicos optaram por uma operação drástica, que me tornou estéril. Perdi todos os órgãos reprodutores por causa de um erro médico no atendimento depois do acidente.

Fiquei muito triste e terminei meu relacionamento com Lauro, meu primeiro namorado sério. Nada do que ele falou ou fez para retomar nossa relação deu certo.

Meses depois me casei com Álvaro Santana, um viúvo, que tinha um bebezinho lindo. Um menininho tão fofinho, que me tornou a mulher mais feliz do Universo. Hector era minha alegria e quando seu pai partiu, deixou-me com a responsabilidade de criá-lo. Álvaro era um pai ausente e depois do divórcio isto se tornou pior. Foram poucas as vezes que veio ver o filho. Até que um dia sumiu de vez. Hector estava com 6 anos quando me casei de novo. Desta vez, com o casamento veio Anaelise de 6 anos e Jaqueline de 10. Jackie não era filha de meu esposo. Ele adotara quando se uniu a Márcia, uma jornalista displicente, que nunca se importou com o fato das meninas não quererem ao menos passar as férias com ela. Márcia mandava apenas postais e uma mesada para elas. O casamento durou 4 anos muito felizes. Éramos agora uma família grande. Anelise e Hector se dizima gêmeos e exigiam suas festas de aniversário juntos. Quando Orlando morreu, Márcia veio para o enterro e me deu a guarda definitiva das filhas. Afinal acreditávamos que separa-los depois de tanto tempo era desfilhiá-los e isto não faria bem para meus filhos. Insisti apenas num contato maior e isto ocasionou minha terceira relação, já que conheci Raul, meu terceiro marido, um diretor de TV amigo de Márcia, que foi contra desde o início.

Vale lembrar que com a morte de Orlando nos tornamos muito amigas. Algumas vezes ela até passou férias em nossa casa, mas meus filhos a viam apenas como mais uma amiga da mãe. Nunca falavam com ela como mãe. Para ela isto era maravilhoso. Aos poucos descobri que ela só ficara grávida de Anelise por insistência de Orlando. Nunca me importei com nada do que ela fizesse. Suas filhas para ela eram acidentes de percurso. Acidentes estes que ela fazia questão de ajudar apenas financeiramente, embora não precisassem de nada. Afinal o pai as deixara bem e eu, como mãe não estava nem aí para o dinheiro de Márcia. Na verdade, depositava na conta das meninas. E Márcia era tão original, que agradava a Hector como se devesse algo a ele também.

Raul tinha 2 meninas. Pequenas. Maria Julia e Ana Clara, de 3 anos. Com a separação acabara por ficar com as meninas, embora fosse um pai totalmente inexperiente. Quando nos casamos, Hector e Anelise estavam com 12 anos e Jackie com 16. Maria Julia e Ana Clara tornaram-se parte de nossa família sem nem um problema. Os irmãos mais velhos a mimavam muito. E mais uma vez o casamento durou pouco.

Raul e eu ficamos casados por dois anos apenas. Quando ele fugiu de casa, como um adolescente, com a mãe das gêmeas, não pensei duas vezes. Iria ficar com as meninas também, mas agora não me casaria mais, afinal se isto continuasse eu acabaria abrindo um Orfanato.

Meus problemas começaram aí. Vivíamos tão felizes, com uma família de comercial de Margarina, como dizia Hector, meu único filho homem.

Na mesma época que Raul partiu, voltei a encontrar Lauro, meu ex -namorado da adolescência. Ele apaixonou-se por minha família gigantesca e Anelise, Hector e Jackie viviam fazendo de tudo para que reatássemos.

Éramos muito amigos e nunca pensamos em fazer a vontade das crianças, que por muito tempo insistiu.

Lauro se tornou uma espécie de pai especial, sempre presente, dava prazer vê-lo junto as crianças, como se tivesse alguma responsabilidade. Não faltava com sua palavra com nenhum deles. Atendia-os ao telefone a qualquer hora e muitas vezes acabava dormindo lá em casa, sob qualquer pretexto, apenas satisfazendo as vontades de meus filhos.

Eram as únicas horas que pensava que um dia estivera grávida de seus filhos e que os perdera. Sua atitude mostrava que seria um pai perfeito. Nunca pensei em meus filhos como adotivos, para mim era sempre meus. Pensava em suas mães como grandes doadoras de alegria. Principalmente em se tratando de Márcia, que era uma pessoal especial, mas que não possuía o que se costuma dizer de senso maternal. Era uma ogra em questões sentimentais. Para ela romantismo era coisa de fracos. Sua atitude me divertia sempre. Um pouco antes de Raul sumir, ela fora de mudança para a Europa e pouco ligava, afinal vivia em suas reportagens de aventura pelo mundo. As crianças não sentiam sua falta. Eu, quando queria vê-la ligava num canal a cabo e assistia suas aventuras mirabolantes pelo mundo.

Quando Lauro voltou à minha vida, Márcia estava trabalhando em Moçambique. Lembro-me que ela perguntou quantos filhos ele tinha. Acredito que foi ai que tomei consciência de que meus casamentos eram a formas que eu encontrara para me tornar mãe, já que a vida e a incapacidade de médicos no passado me roubaram esta oportunidade.

Ela não acreditava que ele não tinha filhos, mas ficou de vir descobrir por si própria em sua próxima visita ao Brasil. Visita esta que não aconteceu a tempo de conhecer esta pessoa maravilhosa chama Lauro. E que não aconteceu nos meses subsequentes aos fatos que passarei a narrar.

Realmente a chegada de Lauro veio coroar de felicidade nossas vidas.

O que não sabíamos era que Lauro estava doente e sabia que seus dias estavam contados. Numa manhã, Lauro não se levantou e Maria Julia foi ao quarto para acordá-lo. Encontrou-o morto na cama.

Foi a pior perca que todos nós sofremos. Meus filhos passaram muitos dias sem vontade de brincar, comer ou estudar. Hector nem mesmo tocar seu barulhento violão queria. As meninas não dançavam mais pela casa. E eu estava maluca. Para ser sincera me descobri arrependida por não ter dado outra chance à nossa relação.

Durante vinte dias Jackie não falou comigo, me culpava pela perca do único homem que vira como pai. Os poucos meses que conviveram com Lauro, mostraram a meus filhos o que era de fato uma família completa. Minha vida tornou-se um inferno, pois só Ana Clara continuava a me chamar de mãe. Os outros se isolaram de forma horrenda, nada diziam a mim diretamente, quando queriam algo se dirigiam a irmãzinha, que junto com Clarice, a arrumadeira, tornara seus assessores de imprensa. Eu me sentia como um visitante indesejado. Sabia que passaria, que eles voltariam ao normal e que entenderiam que eu também estava sofrendo por perder Lauro também.

O que vocês não podem imaginar é que Rafaela , mãe de Maria Julia e Ana Clara entrou na Justiça para retirar a guarda de meus filhos todos. Alegando que eu estava afastando- os de seus respectivos familiares. Raul estava desaparecido no mundo Márcia estava em alguma aventura na África. Eu não tinha ninguém por mim, pois Rafaela conseguira encontrar alguns parentes de Hector e juntos afirmavam que os proibi de vê-los. Temendo encontrar um grande problema pela frente, provei na Justiça que ninguém nunca procurara notícias de meus filhos e a própria Rafaela abrira mão da guarda dos filhos, autorizando que os adotasse quando me casei com Raul.

Na Justiça nada do que falei a princípio valeu. Segundo os advogados de acusação todas as minhas testemunhas eram compradas e o que começou com uma acusação de Alienação Parental tornou-se em um crime horrendo, cheio de suspense e novidades. Segundo estes advogados, Márcia enviara um documento alegando que se afastara das meninas por que eu a perseguia, que as meninas não a aceitavam como mãe porque as colocara contra ela.

Esta situação nos uniu em definitivo. Meus filhos revoltaram-se contra tudo e contra todos. E os advogados da acusação alegavam não querer colocarem as crianças no banco como testemunhas temendo que elas se traumatizassem mais. No início não entendia a confusão toda. O primeiro parecer da juíza foi de que as crianças seriam levadas a um abrigo até que as coisas fossem resolvidas. Não sei como de fato aconteceu o deslanchar desta história. Fato é que para me comprometer, Hector e Ana Clara fora tirados do Abrigo durante a noite. Infelizmente esta notícia vazou e meu nome acabou indo para nos noticiários, fato esse conhecido por todos vocês.

Para mim era o fim. Tendo uma empresa para administrar, filhos que queria criar me sendo retirados pela Justiça e depois raptados com o intuito de me desmoralizar e tendo um nome a zelar, isto era mesmo uma dinamite.

Não era.

A situação era de fato complicada e se tornaria difícil a cada dia. Afinal, a Justiça estava a favor de Rafaela e seus companheiros, que não estavam querendo separar as crianças, as queriam todas.

Com toda esta correria eu esquecera de ir à abertura do testamento de Lauro. Não entendi a insistência dos advogados de Lauro, mas eles me avisaram que por que eu não comparecera, a abertura fora adiada por mais um mês. Estava tão desorientada que nem tomei nota do fato que minha ausência tivesse atrapalhado a abertura do Testamento.

Minha vida estava uma loucura. Só dormia a base de remédios e nem fome sentia mais. Cheguei até a descuidar de minha aparência.

A situação mudou de repente. Na sexta – feira Márcia chegou ao Brasil de forma repentina. E apareceu lá em casa de madrugada. Entrou em meu quarto louca, com olheiras horrorosas e tentando me acordar a força. Despertei desanimada, já que dormia agora a base de remédio. A primeira coisa que fiz foi acerta-la com um tapa, embora minha intenção fosse acerta-la de forma mais dolorida, mas estava baqueada pela fraqueza.

As poucas palavras que entendia eram misturadas e confusas a minha compreensão, herança, traição, força, caráter, digna. Mais foi uma frase que me despertou de chofre: “Deixei minhas filhas com você porque você é forte, se soubesse que cairia no primeiro embate, teria dado a guarda delas as minhas irmãs”. Lembrei-me de pronto que Márcia não tocava nos nomes das irmãs que moravam no Recife e que nada sabiam de seu paradeiro. Afinal ela fora abandonada pela família em São Paulo na adolescência, quando resolvera viver de forma livre e se mudara para a casa de Orlando.

Quando percebi que ela tocara nas irmãs, percebi devia despertar, Clarice, que ouvira toda a bagunça em meu quarto agora chegava com um café forte, que eu tomei num gole só. Deixei Márcia gritando no quarto e tomei um banho enquanto tentava entender o que ela dizia.

Foi assim que fiquei sabendo que meus filhos eram os herdeiros de Lauro e que por isto Rafaela queria a guarda de todos. Pretendia com isto administrar os bens que agora pertenciam a eles.

A informação sobre a herança deixada para meus filhos escapara de uma conversa com um dos amigos de Lauro, que sabiam de seu trágico destino e fora uma das testemunhas do Testamento que deixara. Alguém conseguira a informação privilegiada e Rafaela ao saber da notícia extra – oficial, entrara na Justiça antes que esta chegasse a mim. Se eu tivesse ido à abertura do Testamento, teria sabido de tudo. Márcia foi quem abriu meus olhos. E foi quem, junto com meus advogados pegaram a maior peça nos meus adversários.

Hoje, ao chegar ao tribunal havia uma porção de repórteres e diversas equipes de televisão, parecia um show, tudo pronto para um grande espetáculo. Rafaela passou por mim e sorriu em flerte para o pessoal da mídia, prometendo uma entrevista exclusiva ao final do julgamento.

Tudo parecia perdido para mim. As testemunhas diziam absurdos sobre meu comportamento com meus filhos, pessoas que eu nunca notara existir citavam fragmentos de nossas vidas sob suas óticas. Eram funcionários de shopping, parques, restaurantes, uma das funcionárias da Escolinha da Maria Julia disse que eu negava até doces para a menina, preferindo Ana Clara a ela. Isso elas diziam, não levando em conta o problema de glicose da menina. Os advogados de acusação aproveitavam-se de qualquer detalhe para torná-lo sórdido aos olhos de todos. Assim, sem mais nem menos as coisas degringolava e até eu que sabia que a situação se reverteria logo depois das últimas provas apresentadas, me sentia perdida com o que ouvia.

Quando o juiz perguntou ao meu advogado se queria perguntar algo para a última testemunha apresentada, me assustei com sua nova negativa, mas ele se pôs de pé e solicitou a presença de uma nova testemunha, os outro advogados tentaram impedir. Meu advogado informou que deveria ser tentado tudo, já que o que estava em jogo era o bem estar das crianças, assim o juiz não permitiu.

Os advogados deveriam ter insistido para que não fosse anexada ao processo nenhuma nova testemunha, mas eles estavam certos que acabariam saindo vencedores e não prestavam muita atenção em minha nova postura, que ia da confiança ao medo a cada minuto.

Márcia entrou no tribunal com sua postura de artista, seu andar de modelo e seus trejeitos sensuais e todos os advogados da acusação ergueram-se revoltados, já sabedores que haviam perdido a questão.

Raul foi o próximo a entrar e testemunhar a meu favor.

Anselmo, o amigo de Lauro que deixara escapar sobre quem seria seus herdeiros também testemunhou a meu favor.

Quanto aos que me acusavam, nem me interessa o que acontecera com eles, afinal seus crimes vão de falsidade ideológica, formação de quadrilha, rapto de menores, além de outros tantos e pouco tempo terão para atrapalharem minha vida.

O juiz deu por encerrada a questão no que se refere a guarda de meus filhos, deixando para os meus acusadores apenas a responsabilidade de assumirem as conseqüências de seus atos.

Agora, enquanto meus filhos brincam na sala, eu digito para uma revista de circulação nacional este depoimento sobre minha vida. E vejo que aquela garotinha triste e desiludida que um dia saiu de casa se sentindo sem família, é uma mulher realizada, totalmente feliz e rodeada de sua própria família, afinal, como mãe desta turminha barulhenta, quem é que pode se sentir só no mundo?

A Justiça só veio firmar uma escolha que meu coração fez. Sou uma mulher imensamente feliz e, como diria Clarice, quem precisa laços de sangue, quando se tem tantos laços de amor?

Elisabeth Lorena Alves
Enviado por Elisabeth Lorena Alves em 14/08/2009
Reeditado em 06/03/2016
Código do texto: T1753743
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