Noites em Florença

   

          Era sexta-feira dia 16 de março de 2007, dia de balada. Rose e suas duas melhores amigas se aprontaram com o esmero de sempre, mas neste dia a ansiedade dela, era muito maior. A academia que frequentava organizou um encontro entre outras academias que aconteceria num bar badalado da cidade. Mas este não era o motivo da sua ansiedade, e sim o fato de ter descoberto através de comentários dos frequentadores que o lutador nº 1 da academia Gustavo Guellar, teria dado indícios que estava de olho nela.

          O tal lutador nº 1, era nada mais nada menos que o campeão mundial atual em vale-tudo. Comemorariam o seu título atual e angariariam novos patrocinadores. Ele não era só o melhor na sua categoria, também era o bajulado dos proprietários da academia, desejado pelas mulheres e odiado por muitos homens. Também ganhava dinheiro com campanhas publicitárias, pois além do belo corpo, também tinha traços que as câmeras fotográficas captavam com facilidade.

          Rose não se continha, nem que só passasse de um boato, de um sonho, já lhe fazia bem ao ego saber que ele estava afim dela. Dela que dentre tantas beldades e até famosas da academia não passava de uma simples mortal igual a tantas outras em qualquer lugar no mundo.

          A noite foi mágica, muita música, muita gente e os olhares dele para ela o tempo todo. Ela não acreditava, mas não se deixava distanciar dele que estava o tempo todo rodeado de muitas pessoas importantes, inclusive mulheres maravilhosas.

          Já era muito tarde, as amigas não aguentavam mais, a madrugada já estava dando lugar ao amanhecer. Os pés pediam descanso, o corpo pedia arrego. Mas ela não queria ir, ele ainda não havia chegado nela, não queria perder essa chance de ficar com ele.

          De nada adiantou argumentar, as outras duas queriam ir e como ela estava de carona, teve que ceder. Já no estacionamento se preparando para entrar no carro ouviu seu nome e o coração disparou. Era ele, que correu até ela, sem nada perguntar tascou-lhe o beijo tão desejado, tão esperado a noite toda. É verdade que o gosto de bebida e cigarro tiraram um pouco a magia daquele beijo, mas o desejo nele contido era maior e se sobressaiu.

          Não acreditou quando ele lhe sussurrou para que voltasse com ele para dentro. Nem se quer pensou e deixou as amigas. É bem verdade que ela não se entrosou com aquelas pessoas todas na roda, mas estava tão perdida, encantada que nem se quer se importava com isso, ainda não acreditava que estava com ele. Algumas horas mais e o sol despontou, as pessoas começaram a ir embora ele lhe ofereceu carona para a casa.

          Mas ela não esperava que ele descaradamente passasse em seu apartamento e a convidasse para entrar, e minutos depois pediria licença para tomar um banho antes de levá-la. E estando ainda dentro do banheiro lhe pedisse para levar a toalha.

          Ela se perguntava a todo instante que loucura estava fazendo, nunca, jamais havia entrado na casa de estranhos se sujeitando a riscos dessa maneira. Se julgou fora de si e totalmente envolvida com tudo aquilo. Bateu de leve na porta e entrou devagar tentando não olhar, ouviu que o chuveiro ainda estava ligado e a voz dele lhe pedia para esticar mais a mão senão não conseguiria pegar. Até que ela se viu totalmente dentro do banheiro e obrigada a abrir os olhos e ver a imagem safada dele no meio do vapor da água quente. Sentiu a mão forte dele lhe puxar pelo pulso para debaixo do chuveiro, e não teve tempo se quer de pensar no que estava prestes a acontecer. Se deixou levar pelo desejo que lhe invadiu a alma naquele instante e se entregou de forma selvagem, de uma forma que jamais havia se entregado ou desejado se entregar a um homem. Naquele dia saíram do apartamento um pouco antes do almoço, ele lhe deixou em casa e ela ficou por mais de uma semana perdida na ansiedade e na dúvida. Não foi para as aulas na academia, queria evitar por não saber como seria o seu comportamento ao encontrá-la novamente. Ele nada disse depois que se despediu, nem se quer pegou seu telefone.

          Exatamente uma semana depois apareceu na sua porta lhe convidando para sair, para ir num bar na zona rural, alguns minutos na estrada e logo estariam lá. Mas o desejo evidente e latejante entre os dois não permitiu que chegassem lá. Pararam na estrada e a espaçosa caminhonete dele foi a cama para matar a vontade que um sentia do outro.

          Cada toque dele lhe provocava sensações inexplicáveis. O cheiro dele entorpecia.

          Conversavam pouco é verdade, o tempo juntos é para se entregarem ao desejo explícitos em seus olhares.

          Rose voltou a frequentar a academia e sofreu um pouco para lidar com as fofocas e o ciúmes que sentia dele quando estava rodeado de meninas. Algumas pessoas comentavam que estavam namorando. Ela não desmentia, mas também não afirmava. E ele fazia o mesmo. Com o tempo ele foi permitindo que ela entrasse para o seu grupo de amigos, e Rose começou até a viajar para acompanhar os campeonatos. Nestes, eles fugiam logo após as lutas para qualquer canto perigoso e transavam, as vezes de forma rápida sem ao menos tirarem as roupas. Outras de forma selvagem sem se preocupar se poderiam ser vistos ou pegos de surpresa. E em outros momentos ela ficava sozinha, pois ou ele estava treinando, ou em reunião com patrocinadores.

          A solidão de Rose acabou quando outro lutador, muito menos consagrado e conhecido do que Gustavo, passou a fazer parte da equipe dele. Foi contratado para auxiliar nos treinos, carregar e arrumar os equipamentos. Era um “secretário” do campeão dos ringues.

          Igor, era o seu nome, e nas horas vagas, quando o campeão estava em reunião, ou em baladas que ele dizia ser obrigatório a sua presença, ele fazia companhia para Rose.

          Com ele sim, ela se divertia, dava muita risada, conheceu vários lugares de outros países. Igor falava inglês, espanhol e italiano, e por esse motivo não encontrava dificuldades nas viagens fora do país. Se tornou um amigo para todas as horas, até quando estava na TPM e se irritava discutindo por nada, ele saia sem nada dizer e voltava mais tarde com um cartão engraçado e uma barra de chocolate enorme.

          Quando Gustavo estava por perto, eles não tinham esse tempo de diversão, pois ele tinha trabalho a fazer ao lado do campeão. E Rose ficava solitária. Acabou avaliando que depois de meses deixando a sua vida de lado e acompanhando Gustavo jamais vivera aqueles momentos de amizade e de diversão com ele. O desejo entre eles era tangível , algo surreal, nas transas se completavam e se satisfaziam, era mágico. Mas quando acabava, sempre ficava faltando algo que ela não sabia se responder o que exatamente era.

          Era dezembro de 2007, viajaram para Itália, chegando lá Gustavo foi intimado a viajar para o ponto oposto de onde estavam instalados parte da equipe dele, incluindo Rose e Igor. Ela desconfiou de Gustavo, e da verdade por trás daquela viagem repentina dele, deixando-os para trás. E também porque ele não lhe encarava nos olhos enquanto lhe relatava os motivos para a viagem. Pela primeira vez naquele estranho relacionamento ela chorou, e chorou por tudo. Lembrou que nunca recebera flores, cartão, bilhete, um chocolate se quer em forma de agrado, e que mesmo ele deixando claro para os outros que tinham uma relação, jamais lhe pedira em namoro ou lhe dera algo como simbolo desse compromisso. Não tinha ido ao cinema e nem passeou com Gustavo pelos países por onde passaram. É verdade que tinham noites intensas, mas elas terminavam assim que o ato terminava.

          Dormiu sem desfazer as malas, e acordou com uma leve batida na porta, chegou a achar que estava até sonhando. Se levantou e ao abrir a porta, encheu o rosto com um belo sorriso ao ver uma bela bandeja de café da manhã com uma flor e um cartão bonito. O qual ela pegou ansiosa, e o sorriso se desfez um pouco. Dizia BUON GIORNO! e tinha uma linda mensagem, estava assinado; "Com carinho Igor". Não era um bilhete de Gustavo como ela esperava, era de Igor, que estava logo ali na porta do seu quarto que ficava no mesmo corredor observando as expressões dela.

          - Parece que o cartão não lhe agradou muito.

          - Imagine, eu adorei. Obrigada Igor. Bom dia pra você também. - respondeu ela se recompondo. - Venha, entre e tome café comigo, tem guloseimas para dois aqui.

          Ficaram boa parte da manhã na cama, conversando, rindo. E ele lhe revelou que tinha feito um roteiro e se ela aceitasse poderiam conhecer vários lugares naquela semana. Começariam pelo Coliseu, depois 3H de carro e iriam para Galeria de Uffizi onde conheceriam tudo o quanto fosse possível.

          Rose aceitou de imediato e num impulso lhe abraçou apertado e ele lhe devolveu o carinho. Ficaram minutos sem perceber assim, agarrados.

          Depois sem graça se afastaram. Ela foi tomar banho e arrumar as malas, e ele fez o mesmo indo para o seu quarto.

          Saíram e logo estavam no
Coliseu que encantou Rose e na viagem de carro até a Galeria ela adormeceu e se recostou no amigo que a acolheu.

          Igor escolheu um lugar aconchegante e ao se sentarem ela se surpreendeu ao vê-lo educadamente ajeitar a cadeira para que ela se sentasse. Se lembrou de ver apenas o seu pai ter essa atitude. 

          Ficou encantada. Aquela atitude foi o despertar de Rose para Igor. Enquanto ele pedia, ela pode juntar tudo desde o primeiro dia em que foram apresentados por Gustavo. A atenção aos pequenos detalhes, o recordar de assuntos que tinham tratado a algum tempo, os cartões de dia do amigo, de aniversário juntamente com as flores, o comentar de sentir vontade de comer algo e acordar com a surpresa na porta. E também pode observar os traços e trejeitos daquele homem a quem até naquele instante ela não tinha visto com tal. E desconsertada ficou quando ele a encarou e sorriu.

          No seu aniversário nada ganhou de Gustavo, só recebeu os parabéns porque Igor o lembrou, e ela percebeu quando isso acontecia o que deixou Igor desconsertado.

          Naquela tarde nada mais conseguia prender a sua atenção do que observar Igor. Na Galeria de Uffizi não tinha obra de arte que lhe chamasse mais atenção do que o falar, andar e maneira de se comportar dele.

          Se alojaram, quartos vizinhos e no dele uma sacada com uma linda vista. Se recolheram para descansar um pouco antes do jantar. Rose se pegou se perfumando, se arrumando mais do que de costume. Não demorou muito ele bateu na sua porta. Sentiu o coração disparar. Parou na frente do espelho se olhou nos olhos e se perguntou o que estava acontecendo.

          Abriu a porta devagar e se deparou com ele muito arrumado, até mais do que ela. O seu perfume penetrou nas narinas invadindo o seu cérebro dando uma sensação de torpor.

          Ele sorrindo com a expressão e a demora dela em lhe dizer algo, convidar para entrar ou sair para o jantar, sorriu lhe tirando do êxtase.

          Rose baixou os olhos, perdera a naturalidade, já não sabia mais se comportar como a amiga de sempre.

          Igor lhe convidou para ver a vista da sua sacada antes de sairem para jantar. Conversaram pouco, ambos perceberam que algo estava tirando a naturalidade daquela amizade. Mesmo assim ele tentou agir como sempre. Abriu a porta esperou que ela entrasse e passasse a sua frente caminhando rumo a sacada. Ele encostou a porta e caminhou rápido, pegou a mão direita de Rose e passou a sua frente levando-a para a sacada.

          Para ela aquele toque era diferente de todas as outras vezes que em brincadeiras ele lhe pegara no colo, lutaram, mediram força...De outras vezes estiveram até muito mais próximos e não lhe provocara aquela sensação, aquele ar de sedução. Não sentiu e nem se viu caminhar até a sacada. Chegando lá, ele lhe soltou a mão e ficou a lhe mostrar tudo o que tinha visto à tarde. Enquanto ele falava sem lhe dirigir o olhar, ela lhe observava apontar, sorrir, e falar e falar, e só despertou ao ouvir:

          - Não tem outro lugar no mundo e nem outra pessoa mais especial com quem eu gostaria de dividir esse passeio, essas maravilhas.

          Ele se virou para Rose que estava sem saber o que fazer ou dizer. As luzes das ruelas distantes iluminavam pouco a sacada e refletiam nos olhos claros dele que agora fixavam profundamente nos de Rose esperando uma resposta. Ela tentava respirar com naturalidade e buscava no turbilhão de emoções dentro de si, algo para lhe dizer. Mas nem ela sabia o que queria dizer à ele.

          Igor se aproximou ficando frente a frente com Rose e deixou sua mão direita percorrer e subir pelo seu braço provocando arrepio na pele dela, que imóvel olhava nos olhos dele. Começou a falar, meio sem coragem no início mas se tornando firme e conciso.

          - Rose, eu sou apaixonado por você desde a primeira vez em que fomos apresentados. E não consigo mais só ser seu amigo, estar ao seu lado e ouvir o quanto você sente se Gustavo não vem, se Gustavo não liga, se Gustavo mente...E de estar tão próximo e não poder te tocar, te sentir, te beijar...- neste momento ele enlaçou Rose pela cintura com a mão esquerda e trouxe para junto do seu corpo.

          Rose não respirava, a cabeça rodava, não sabia o que fazer ou como agir. Ela estava totalmente atraída por Igor, mas era fiel, e também não acreditava que aquilo estava acontecendo, ele sempre fora brincalhão poderia estar encenando, brincando, e ela poderia bancar a boba e perder a amizade dele que era importante por uma mancada sua. Sem contar que Igor era empregado de Gustavo, leal e fiel à ele. Quem lhe garantiria que não estaria lhe testando a mando de Gustavo?

          Quando sentiu ele muito próximo, numa reação que nem ela esperava, se soltou dos braços dele e correu sem nada dizer, bateu a porta atrás de si.

          Entrou no seu quarto se jogou na cama e se viu sozinha e perdida. O que fazer daquele momento em diante? A amizade independente de ser encenação dele, teste ou verdade, jamais tornaria a ser como antes. Começou a procurar o celular ansiosa, precisava conversar com alguém, precisava de uma amiga para dividir e pedir opiniões. Jogava as roupas desesperada, desarrumava o quarto todo em busca do aparelho esquecido por completo desde que iniciara aquele passeio ao lado dele. Quando viu o quarto todo desarrumado e o tempo corrido, desistiu e se jogou na cama começou a se analisar e se descobriu apaixonada, totalmente encantada e desejando aquele beijo, aquele abraço, aquele colo. Iria iniciar um choro, quando viu um papel ser colocado por debaixo da porta. Não pensou se jogou e pegou ansiosa. Era a passagem dela de volta ao Brasil, e uma carta de Igor, pedindo desculpas e perdão pela atitude. Explicava detalhadamente o seu verdadeiro sentimento por ela, e que tinha se demitido a uma semana, e que aquela era sua última tentativa de conquistá-la, pois sabia do seu sentimento por Gustavo, mas não achava digno desistir e partir sem tentar. Se despedia pedindo mais desculpas e dizendo que entenderia se ela jamais quisesse lhe dirigir a palavra novamente.

          Num impulso Rose jogou a carta, destrancou a porta e correu para a porta dele. Foi bater e a mão parou, travou, tentou buscar coragem bem lá dentro de sí, mas não tinha para bater e lhe dizer que também sentia o mesmo e que o futuro resolveriam depois. Desistiu, baixou a mão e a cabeça e se virou para voltar ao seu quarto.

          Quando ia entrar ouviu a porta dele destrancar então se virou e viu os belos olhos de Igor a lhe encarar. E desta vez foi como ímã. Ela correu para ele empurrando a porta e se jogando nos seus braços. Se deixou ser tomada pelo carinho e desejo dele. 

          Foi uma sensação incrível, jamais tinha  se sentido assim nos braços de Gustavo. Nos abraços e beijos quentes dele, só tinham desejo, carinho e paixão não!

          Depois de minutos de beijos, ele lhe abraçou apertado, lhe beijou a cabeça, os cabelos, as mãos. Saíram, jantaram e passaram a noite abraçados lá na sacada conversando, decidindo o que fariam e como fariam dali para frente.

          O namoro de Rose com Gustavo terminou naquela noite, e o futuro junto de Igor começou. Foi uma semana mágica para os dois.

          E se entregaram um ao outro apenas depois de tudo terminado e começado como tem que ser. Não que não existisse desejo de ambas as partes, mas é que Igor era muito correto, e Rose não queria perder tudo o que sempre desejou viver um dia.

          O compromisso foi selado com aliança e pedido formal, conheceram as famílias, e vivenciaram tudo de bom que um namoro onde ambos se respeitam, se desejam e se amam tem a oferecer. 

          Rose descobriu que por mais que o desejo, a atração sejam intensos e provoquem sensações inesquecíveis, de nada vale se o sentimento, o carinho e o respeito não estiverem presentes. Estes pesam muito mais numa balança para ser feliz de verdade.

          E assim vivem felizes até hoje.

 

*Tradução do bilhete que Igor deu para Rose:

O Sorriso

Faça com que qualquer pessoa que venha ate você saia sentindo-se melhor e mais feliz!
Todos devem ver a bondade de seu rosto, nos seus olhos e no seu sorriso.
A Felicidade transparece dos olhos, se manifesta quando falamos e caminhamos.
Não pode ser fechada dentro de nós.
Ela transborda.
A Felicidade é muito contagiosa.

Madre Teresa



Anne Valentine
Enviado por Anne Valentine em 22/08/2009
Reeditado em 21/02/2012
Código do texto: T1767447
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