UM ENCONTRO AGUARDADO
UM ENCONTRO AGUARDADO
FlavioMPinto
- Tem um lugar aqui perto onde possa pedir um café matinal para nós dois?
Assim Deoclécio falou a Lucila após inúmeros drinques no piano bar olhando o copo flutte de champanhe ainda com borbulhas.
Um breve sorriso da mulher, entreolhando-o carinhosamente com os olhos semi-cerrados através do copo, o deixou feliz quanto ao desenlace do momento que estava passando. Ela não largara suas mãos desde o momento que se encontraram, massageando e perfumando docemente seus braços. Apertavam e entrelaçavam as mãos como se não quisessem perdê-las mais. Não pareciam aqueles dois maratonistas cansados.
A noite pedia aquele encontro.
Diana Krall inundava o ambiente com sua melodiosa voz aproximando-os ainda mais.
Quase meia-noite e os garçons já nervosos para encerrar o expediente.
Não se viam a 35 anos e o passado foi aos poucos sendo revirado e revigorado a cada palavra e gesto.
- Jamais imaginava te encontrar aqui,Deo. Logo na fila do kit! Quanto tempo?
Deoclécio era corredor de maratonas e também não esperava encontrar Lucila na fila para apanhar o kit do corredor da maratona de Porto Alegre naquela manhã de maio agitada na Rua da Praia.
Veterinário quase aposentado, somente vinha á capital para ver o filho e parentes. Raramente viajava, pois não gostava da capital gaúcha. Sua vida resumia-se a fazenda. Administrá-la e corridas. Seu hobby era correr maratonas. Correr pelos campos e estradas de suas propriedades lhe fazia bem. Claro, já não tendo mais a vitalidade de corridas rápidas optou pela distância de 42 quilômetros. Era bastante tempo para correr e falar consigo mesmo. Não saía do interior do Estado.
Pouco antes de apanhar seu kit, Deoclécio ouve um pedido no guichê ao lado:
- “ Por favor- Lucila Beira Fontes”
Esse nome rapidamente o fez lembrar algo. Ele conhecia alguém com esse nome.
Olha para o lado e vê uma bela senhora de abrigo azul apanhar o kit com numeração e o chip. Entreolham-se....
- Não é possível, Deo?
- Lucila!?!?
- Sim, sou eu. Deo?
- Sim.
- Continuas o mesmo, Deo.
- É, Lucila, não mudei nada mesmo?
- Não! Que imensa alegria me deste, Deo. Quanto tempo? Onde andavas? Que surpresa agradável!
Foi o abraço apertado mais quente que Deo recebeu de Lucila desde os tempos de juventude. Quanto carinho e receptividade sentia naqueles braços que o apertavam e acariciavam.
Lucila era uma próspera empresária, viúva , com filhos casados. Morava só, e tinha seu tempo preenchido com a administração de suas lojas de cosméticos. Pouco se divertia. Participava também de sessões em uma academia de ginástica e reuniões com amigas. Passara dos 50 anos, mas estava em forma. Ela também era maratonista e representaria sua academia de ginástica na corrida de revezamento.
Haviam sido namorados na juventude, longos e inocentes anos, e depois Deoclécio sumira da cidade. Mudara com a família para uma fazenda distante e não dera mais notícias.
Naquele tempo namorar era apenas irem juntos a missa, passear no parque antes da sessão de matiné de cinema. Tudo de mão dadas. Mão na mão e só.
- Sabes que ainda tenho recortes de jornal de tuas idas a capital?
- Pois é, durante muito tempo representei os criadores de Brangus e Nelore da minha região. Me especializei em inseminação artificial. Dei muitas palestras e cursos.
- É, eu sei. Mesmo casada acompanhei tua trajetória. Só não sabia onde andavas. Até porque meu marido também era criador. Logo fiquei viúva e aqui estamos.
- Quando te vi ontem na fila do kit quase não acreditei.
- E eu?
- Cansada?
- Não. O tempo que fiz era o esperado e chegamos muito bem classificadas.
- No meu caso é apenas completar o percurso. Não tenho por objetivo fazer tempo. Isso é para os profissionais. Para quem já fez esse percurso em 2 h e 45, agora me contento em chegar bem e satisfeito.
- 2 h e 45 ? Corrias bem, hein, Deo?
- É, e nunca me recuperei tão bem de uma corrida. Nunca desejei tanto terminar uma maratona só para te encontrar novamente.
A noite de domingo estava convidativa.
E a conversa ia longe. Não puderam conversar muito após se encontrarem na fila do kit, pois era véspera da corrida e tinham de dormir cedo.
E assim, conversavam na noite após a maratona no piano bar parecendo um casal de apaixonados.
Lucila estava linda. Como sempre, discreta era a pintura, um vestido amarelo claro, quase um tomara-que-caia, mas de alças, deixava seu colo aparecendo e um corte lateral no vestido mostrando parte da musculosa e bem torneada coxa esquerda. Uma pele muito bem cuidada e o cabelo simples penteado amarrado com uma trança. Jóias bem escolhidas denotando um bom gosto invulgar.
Conversaram da hora de receber o kit no sábado pela manhã até quase à tardinha e foram dormir cedo para a corrida. Quase esqueceram de almoçar. Tinham de fazer uma boa refeição pois a maratona não perdoa que a enfrenta mal preparado ou mal alimentado. Encontrar-se-iam no piano bar na noite após a corrida.
O tempo passara rápido e quando se viram não se desgrudariam.
O piano bar, a meia luz e convidativo, conspirava com o encontro daqueles ex-namorados, que fortuitamente haviam se encontrado no centro de Porto Alegre. Não queriam que o tempo passasse tal a necessidade que um tinha do outro.
Montaram e remontaram reminiscências da fronteira no seu tempo juvenil.
Deoclécio viajaria no dia seguinte para a Europa e marcaram um novo encontro. Mas para Livramento onde tudo começara.