Eu e a Rita

Ontem a Rita chegou em casa às 3:00 da manhã, de vestidinho, carregando os sapatos, a boca vermelha de algum vinho barato. Quando me viu ali sentado no sofá, fez um esforço para parecer surpresa, mas no segundo seguinte já me olhava com olhos de tédio.

Eu disse, “Rita, onde você estava?” e ela disse, “Você sabe onde eu estava”, e eu disse, “Não, eu não sei”, mas no fundo eu já sabia, mesmo assim insisti, “Rita, o que aconteceu com você?”

Nessa hora eu puder ver cintilar em seu olhar, fagulhas de chamas negras do inferno, e logo ela veio e se sentou à minha frente na poltrona. Olhou-me com olhos de iceberg. Gélidos, indestrutíveis. Desatou à falar: “O quê aconteceu comigo, Chico? O que aconteceu, foi que depois de cinco anos eu tive um orgasmo de verdade”. Notei de novo aquele brilho nos olhos dela, a mesma luz de luxúria de quando éramos apenas dois jovens apaixonados e cheios de apetite sexual incontrolável; não consegui dizer palavra, ela seguiu, “Isso mesmo, não adianta me olhar com essa cara. Eu venho me segurando todos esses anos, te fui fiel toda a vida, eu te fiz homem, fui tua musa, teu porto seguro, te dei filhos. E você? Você só me usou, sorveu dos meus seios toda tua literatura, tirou três livros da minha boceta, fez fama e dinheiro, mas e agora? Não consegue mais nem ficar de pau duro”.

Nauseado, talvez pelo cheiro de conhaque que saía da boca dela, meus olhos só conseguiam acompanhar o movimento dos seus lábios que se moviam cheios de fúria, e lançavam perdigotos na minha cara.

Continuou, “Fala a verdade, eu não te inspiro mais, não é? Você não escreve uma linha há mais de ano, nunca mais me recitou versos ao pé do ouvido e só me trata com carinho pra me lembrar de trazer tua cervejinha, quer que eu faça o quê? Porque você não despede a Maria, e me registra como doméstica? Você deve ter outra, provavelmente uma ninfeta de dezesseis anos que se masturba lendo teus contos. Não me julgue, Chico, a culpa é toda tua. Eu precisava me sentir mulher de novo, precisava que me comessem com força, puxando meus cabelos, me dizendo sacanagens e essas coisas que você já não faz....”

Ela baixou o tom de voz, e agora falava com certa amargura, “Você acha que eu me senti bem? Na hora até gostei, mas quando terminou eu me senti estranha, me senti uma puta, e pra arrebatar, o cara com quem saí me perguntou, “Você é a mulher do Chico, não é? Adoro o que ele escreve...”

“Ainda teve a cara de me pedir pra recitar um poema teu. Você é minha maldição, Chico. Te odeio muito por te amar assim”.

Se levantou, dizendo que estava cansada, foi para o quarto e dormiu. Fiquei na sala, travado, até pegar no sono. Quando acordei, ela já tinha saído. Deixou um bilhete, dizendo que precisava de um tempo pra pensar, o que me forçou a pensar também.

Me desculpe encher seus ouvidos com minhas mazelas, meu amigo, mas eu precisava falar com alguém. O vazio que ela deixou quando saiu, me preenche e perturba. O silêncio dessa casa sem ela, grita nos meus ouvidos. A lembrança de sua imagem agora me inspira. Sua traição me despertou novamente o medo de perdê-la.

Eu amo a Rita.