A história de um grande amor!!!

A história de um grande amor!!!

A negra Sebastiana entrava casa adentro, arrastando suas chinelas feitas com tiras de couro cru e solado de pneu,fazendo um barulho chocho nas tábuas largas do casarão da fazenda .

Pessoa alegre e faceira aquela criatura de dentes muito brancos sempre sorrindo e gesticulando, falando alto, com voz boa de se ouvir mesmo porque, não haveria como não ouvir, pelo tom alto .

Vestindo sempre, vestido de chita estampada, cabeça coberta por um turbante de saco branco alvejado com detalhes de trançado á mão que só as negras sabiam fazer .

Trazia nos ombros outra peça como o turbante, alvo como as nuvens branquinhas daquele céu azul em dias quentes .

Aquela personagem persegue minhas lembranças e teima tanto em reaparecer sempre, parecendo pedir para ser retratada que não vi outra alternativa senão descreve-la fielmente como parte do passado que vivi, feliz e intensamente. Sempre aparecia nas tardes, quando todos cuidavam da lida da fazenda e a casa ficava como que no aguardo de assuntos novos até a tardinha.

Sobre a grande mesa da cozinha, vovó enrolava os pãezinhos os quais eram muito apreciados pelos peões.

Aquele mundo parecia que nunca teria necessidades de progressos trazidos pelas mãos do homem moderno .

As novidades eram ouvidas pelo rádio , ao entardecer quando todos faziam o mais absoluto silencio para vovô ouvir A hora do Brasil.

Eu sempre quis saber de onde saia a negra Sebastiana ,mas tudo a volta dela era tabu.

Diziam a boca pequena que ela cuidava do capitão do mato que há muito tinha falecido , mas de tão ruim que foi a terra não o quis ,e sempre que era enterrado no outro dia aparecia por sob a terra o caixão do defunto .

Todos os empregados peões, mulheres e crianças temiam a Sebastiana ,por ela viver na fazenda sem medo.

Eu, menino esperto inquieto e curioso não tinha medo mas uma tremenda curiosidade de segui-la até a fazenda velha e espiar por dentro para ver se era verdade ou pura lenda aquela história .

Com os óculos no nariz vovó conversava normalmente com ela e de vez em quando fixava os olhos em mim , nos quais eu podia ler e reler os mesmos conselhos : Sei no que está pensando , meu neto traquina ,mas não vai seguir Sebastiana como da outra vez , que se perdeu pelos caminhos escuros e nos deu o maior trabalho e o maior susto.

Assim como que compreendendo aquele olhar , eu baixava a cabeça cutucando com os pés descalços embaixo da mesa o cão da fazenda chamado Tenente.

Este sim era amigo nas minhas travessuras ,como na noite em que me perdi , por estradas que não conhecia , bateu tamanho desespero ,tive medo de tudo ,mas o cão fiel ficou comigo ,tranqüilo ,até que cansado de tanto andar ele se aninhou numa moita de capim seco e ficou soltando latidos como chamando-me para descansar , num gesto sensato abracei-me a ele e juntos dormimos protegidos pelas estrelas.

Na manhã seguinte fui encontrado pelos camaradas em terras distantes em outra fazenda a qual vim saber que era terras do morto vivo , como se dizia por aquelas bandas .

Por esta razão , vovó falava-me como o olhar.

Quando sonhava ser gente grande assistia o por do sol no alto das montanhas ,em minha ingenuidade de moleque , sonhava em viajar , conhecer o mundo inteiro ,reparar bem no rosto das pessoas para acabar minha curiosidade de que além das montanhas , além o mar todos seriam iguais .

Passava horas deitado nas grandes pedras da cachoeira , lagarteando como dizia vovó , com olhos fechados sonhando com tudo que queria ser no futuro .

O apito do trem tirava minha concentração e avisava que iria parar em nossas terras para abastecer a caldeira fumegante.

Aquele era um acontecimento extraordinário para as crianças do lugar , tudo era uma grande novidade , havia passageiros diferentes no modo de falar , vestir e até de se alimentar .

Tudo me fascinava , que moças bonitas ...

Sempre que o maquinista se distraia eu me aproximava da máquina então podia ver os passageiros bem de pertinho, alguns até nos davam balas .

Havia sempre uma moça triste de cabelos cacheados , bem vestida e maquiada em companhia de um Sr. alto , forte e falante , ele usava chapéu Panamá , charuto e sapatos muito bem engraxados , que combinava sempre com terno de linho branco .

A moça nunca sorria e quando descia para esticar as pernas eu a via de corpo inteiro e como era linda...

Devia ter no máximo uns 17 anos ,corpo esguio , pernas torneadas , e a pele que me encantava , muito branca e bem cuidada e de longe se podia sentir um perfume suave .

Aqueles sapatos de salto alto de verniz vermelho ,talvez fossem o motivo que não a deixava caminhar como os outros passageiros.

O terreno arenoso e cascalhado por onde passava os trilhos do trem por certo a atrapalhava , por isso ficava quieta fixando o horizonte .

Minha curiosidade era tanta mas a timides também,o que nunca deixou aproximar-me dessa criatura talvez para um -Olá como é seu nome ?

Todos voltavam para o interior da máquina e lentamente se movia montanha abaixo levando aquela criatura dos meus sonhos .

De volta em casa ,iniciei uma conversa com vovó , tal qual um investigador ,perguntando-lhe se conhecia todas as pessoas daquelas paragens , talvez soubesse me dizer que sr. era aquele de terno de linho que viajava num vai e vem do interior para capital acompanhado de moça bonita de cabelos cacheados .

Como prevendo encrenca da grossa , vovó muito sábia

disse-me:-queres saber sobre Marina a amásia do deputado

Júlio Galego ?

-Como a senhora sabia que eu estava interessado nela ?

-Veja filho , mostrando-me os cabelos brancos e apontando as rugas da papada , são os anos que nos faz ficar espertos , ouvir quando ninguém fala, é sabedoria .

-Ultimamente não se fala de outra coisa na mercearia,na igreja e onde há mais pessoas.Você só vem nas férias e as coisas por aqui estão mudando infelismente .

Então o nome dela é Marina, doce e suave como uma brisa.

A conversa foi longe , pois o interlocutor apreciava um bom papo ainda mais do seu atual e inexperiente sentimento a desabrochar no peito , fazendo o coração bater forte e esquecer tudo de bom e bonito que a fazenda lhe oferecia .

Como pode ,vovó ?Ela é muito mais nova que ele! Parece tão triste !

Pois é meu neto são essas modernidades parece que ele comprou essa criatura quando ainda era uma menina bem nova.

-Ah !garoto o ser humano está se degradando de tal maneira que assusta uma velha como eu .

-Por isso ela é tão triste , imagina viver com aquele velho!

-Renatinho, você tem muito que aprender , estudar ser doutor como sua mãe quer , conhecer o mundo como você sempre quis , se formar e depois se casar com uma bela moça, e esquecer este mundão atrasado ,onde vivemos .

Naquele instante eu não queria mais nada , a não ser chegar perto de Marina , talvez até com um pouco de sorte conversar com ela .

Meu porte ainda era pequeno mas já tinha quatorze anos .

Ficaria na espreita do próximo trem , mas desta vez iria montado no Corisco meu cavalo branco jovem e fogoso como eu , poria minha melhor roupa e talvez ela descesse do trem e gostasse de ver-me ...

Sonhar era tudo que eu fazia dali para frente ...

Fiquei sabendo pelos peões da fazenda que Marina era obrigada a ceder sempre os caprichos do nobre deputado mas tinha repudio daquela situação , vivia em gaiola de ouro

Infeliz,muito infeliz .

Com os recentes acontecimentos até esqueci da fazenda mal assombrada e de sua moradora que infalivelmente passava na casa para prosear com vovó , tomar café com pão de queijo e depois seguir seu caminho.

As férias estavam terminando e nada do que planejei deu certo , os trens passavam nos horários e o mais esperado que era a Maria fumaça não passou nesta semana .

Fiquei firme no meu propósito, banho tomado ,cabelo penteado , roupa limpa , Corisco muito bem arriado e tal qual uma estátua , ficávamos parados eu e o meu cavalo e o cachorro companheiro.

E nada ,nem sinal da locomotiva que agora era a coisa mais importante de minha vida.

Já estava virando chacota da pionada aquela minha mania de esperar o trem.

Os dias foram passando e fiquei sabendo que o deputado fazia campanha por outros lados e certamente iria demorar a passar pela estrada de ferro que cortava a fazenda .

Fiquei triste ,mas com muita esperança .

Quem notou isso foi Sebastiana ,que perguntou a vovó se eu estaria com quebranto , e ela sabia benzer com ervas do seu quintal , se caso fosse possível , mandar alguém da fazenda levar-me até lá .

Na hora fiquei aflito para ir , pois tudo que sempre quis foi conhecer a fazenda do morto vivo.

Vovó pensou um pouco...deu-me aquele olhar falante ...

E concordou.- Tá certo comadre vou pedir Jerônimo para leva-los com a caminhonete .

Jerônimo era o fiel capataz da fazenda há muitos anos , ajudou vovô a fundar a fazenda de café e toda sua família mora na colônia da Fazenda Carvalho.

Acomodamos os três na caminhonete ,mas Sebastiana preferiu ir atras sentada nos sacos de café , pois sabia do seu porte físico o qual iria nos espremer .

Inacreditável ,eu iria conhecer a fazenda com permissão e ainda acompanhado da sua guardiã, não parava de falar enquanto Gerô, tinha a testa enrugada e um ar preocupado.

-Dizia –me ,você apronta cada uma moleque !

-Não gosto de ir para aqueles lados , dizem que dá azar...

A viajem prosseguia aos solavancos pela estrada de terra,

eu feliz da vida por estar indo realizar meu sonho ...

A noite caiu rápido ,pois nas montanhas de Minas é um mundo á parte ,faz frio ,venta muito á noite e os bichos noturnos emitem sons de meter muito medo .

Cruzamos a linha férrea e bem lá no fundo , pude notar os faróis amarelados de uma locomotiva ...estava fora do horário...que estranho !

Pedi para Gerô esperar um pouco queria ver o trem .

Gerô estranhou e disse-me:-Pôxa ainda esta história da moça?

Esperamos, mas o trem não chegou...ouvimos um estrondo e uma grande barulheira de ferro e grandes labaredas, o chão tremeu que abalou a caminhonete .

Sebastiana gritou :- Valha minha Nossa Senhora !

Ficamos paralisados sem ação , menos Gerônimo que num pulo saiu da caminhonete dizendo :-O trem descarrilou como da outra vez , vamos lá ver se salvou alguém ...

Meu coração aos saltos dizia-me que algo de ruim estava acontecendo , então corremos trilhos abaixo ,na imensa escuridão , só visualizando chamas fracas e muito chiado , gente gritando e um cheiro forte de óleo queimado e aquilo que não pude identificar , mais tarde fiquei sabendo era uma terrível mistura ,de sangue , terra , óleo queimado... cheiro da morte.Não podíamos visualizar nada a não ser vagões tombados.

Pessoas presas ,gritos , um imenso cenário de destruição e dor .

Gerô correu trilhos acima para pegar a caminhonete e iluminar os destroços ,Sebastiana acostumada as durezas da vida foi mais corajosa que eu , se enfiando por entre ferros retorcidos apalpava pescoços , para ver se pulsavam e numa força inacreditável arrastava corpos como se fossem os sacos de café , trabalho que todos ajudavam na época da colheita .

Gritava comigo :-Vamos menino , força ,isso tudo pode até explodir, ainda nos matar, força procure quem está vivo!

Reconheci retorcido e sujo aquele chapéu Panamá e mais adiante vislumbrei estirado aquele vulto branco que chegando mais perto pude ver era o deputado ...usando terno branco e morto. Então Marina estava lá também!

Igual a um louco gritava por ela ,apalpando corpos como Sebastiana ensinou-me .

Os faróis da caminhonete nessa altura ajudavam muito.

Gerô , gesticulava e nada podíamos fazer por esses coitados

Que lugar para sofrer acidente ... longe de tudo e o socorro seria muito demorado .

Achei um pé de sapato de salto vermelho igual o que Marina usava, ... meu Deus, ela viajava também !

Gritei :Sebastiana e Gerô ! não tive vergonha de chorar .

Agarrei-me a eles implorando que ajudassem-me procurar a moça .

Gerô me pediu calma , enquanto ouvíamos um gemido fraco e longe.

A moça estava muito machucada sangrando pela boca ,quase já não falava.

Entrei em completo desespero era ela esperei tanto , por um olhar um sorriso e agora ,ela está morrendo .Juntos pegamos seu corpo frágil e levamos até a caminhonete.

A deitamos em cima dos sacos de café ,e com isqueiro Gerô iluminou seu corpo enquanto Sebastiana constatava que estava ferida de morte .

Um enorme objeto pontiagudo havia perfurado-lhe o abdomem.

Eu gritava: -Marina eu estou aqui, não morra , olhe nós vamos te salvar !

As pesadas e calejadas mãos de Jerônimo apertaram meus ombros como num sinal ,não há mais nada a fazer ...

Segurei aquelas mãos pequeninas agora sujas de terra e sangue e pude ver os olhos de Marina bem de pertinho,eles eram verdes e lindos !

Com uma voz fraca ela disse-me :O rapaz do cavalo branco!

Então não foi em vão todos os dias em que fiquei parado , esperando o trem passar , ela havia notado-me ...

-Você não vai morrer , vamos leva-la para casa e chamar socorro e vamos curar suas feridas

Sebastiana a examinava com o conhecimento de curandeira da roça , sacudia a cabeça e falava baixo com Jerô.

Marina estava pálida e tremia , a vida estava indo embora para a minha loucura .

Vamos tentar leva-la para fazenda –disse Gerô,mas não garanto nada ferida como está e o caminho cheio de buracos ...

Deixamos aquele campo de dor. Marina com a cabeça no meu colo voltamos á toda para fazenda , que nesta altura já estava alerta com o barulho e o incêndio que se podia ver de longe .Chegando á fazenda,Gerô gritava :acidente com o trem ,gente morta na estada!

Pegou no colo Marina tal qual uma boneca quebrada colocando-a em cima da mesa de jantar.-Meu Deus, o que foi isso gente?

-Vovó nos acuda acidente de trem , esta é...Marina eu a trouxe está muito ferida ...

Com a sua sabedoria ,não foi preciso dizer mais nada , os olhos de vovó , falavam e eu entendia ...e o que fazer ?A cidade era muito longe , médico nem pensar .

Sebastiana já tirava as roupas da moça e dizia saiam todos precisamos cuidar da moça ela está perdendo todo sangue .Mandem chamar seu Antônio,ele pode me ajudar ...

Antônio era,meio veterinário cuidava das feridas dos animais ,capava os porcos e enfim poderia ajudar estancar o sangue .

Eu tudo assistia como paralisado sob forte emoção ,aquilo tudo estava acontecendo por minha causa ou era mesmo o destino de Marina?

Ajoelhei-me diante da imagem da virgem Maria que ficava na entrada da sala e rezei , como toda forca do meu coração ...

-Senhora...há muito tempo não rezo é verdade, tenho somente me divertido ,levando uma

vida de moleque ,mas senhora interceda por Marina esta moça que está sob o mesmo teto que o meu e não sei porque cruzou meu caminho em uma hora que eu ainda não estava pronto para amar , mas já amo com loucura e não me deixe perde-la , senhora eu lhe peço salve sua vida ,que parece que até agora não foi nada fácil.

-Senhora, sei que não tenho muito merecimento ,mas juro minha Santa que se ela se salvar vou ser um bom estudante obediente e me formar ,como tanto mamãe quer ,serei eternamente seu devoto Amém .

Fui encontrado , horas depois do tumulto , febril ,dormindo aos pés da Vigem Maria .

Vovó segurava um pano úmido em minha testa ,com voz doce foi logo dizendo-me :

-Meu neto querido , nós socorremos Marina ela foi levada para cidade ,parece-me que estancaram a hemorragia ainda aqui na fazenda . Foi um milagre ,da Virgem Maria !

Os médicos disseram a Gerônimo que ficaram abismados com a destreza de Sebastiana , se não fosse sua coragem a moça teria morrido .

Lágrimas desciam no rosto de vovó, enquanto as minhas estavam presas na garganta , apertadas no peito que doía como se tivesse passado uma locomotiva em cima de mim também.Mais uma vez entendi o olhar falante de vovó ,meu corpo queimava de febre ,mas

Marina estava viva esta era uma notícia maravilhosa !

Obrigado ,Virgem Mãe! Amém!

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