ÉBRIO DESEJO - EPISÓDIO I

Encontraram um homem dentro de um riacho, que descia de uma cachoeira. Aos poucos, mais e mais gente chegava, em silêncio. Ele estava com o tronco todo para fora, cena típica de afogamento, e uma carta estava boiando numa espécie de laguículo, constituído por algumas pedras amontoadas num canto, bem ao seu lado.

Um dos presentes não se aguentou e precipitou-se à leitura, satisfazendo assim a curiosidade de todos:

"Por mim, teria apenas vivido de tortas e cerveja, um ou dois pares de sapatos e meia dúzia de cuecas e meias me bastariam. Não sei como suportei todo esse tempo sucumbindo a emoções outras que não as minhas, e assim julgo imprópria a Vida de quem se deixa levar pelas impressões e não pelas intuições..." - continuaria se não fosse que nesse momento, um outro ali esbravejou:

- Mas o que significa isso? Estamos todos aqui velando o cadáver de um ébrio? E o que é pior: cultuando sua póstuma filosofia? Que é isso... Tem até gente chorando, meu Deus do Céu! Vamos chamar logo os bombeiros, antes que ele comece a feder e a atrair os urubus! - parece que estas últimas palavras tiveram o dom da ressurreição, pois que, de sobressalto, o afogado catapultou-se para fora do riacho e alcançou a carta e, bramindo a plenos pulmões, enquanto chacoalhava o papel molhado e babava viscosamente:

- Não ousem mais mexer na cena do crime! Bombeiros a puta que (glup!) os pariu! Os urubus ja chegaram: são vocês! Agora, xô daqui! A única que pode me resgatar com vida daqui é a assassina, A ASSASSINA, da minha ex-mulher... - e foi retomando a sua posição anterior, arrastando as pedras amarradas a seu corpo para baixo d´água e depositando a carta no laguinho, como se tivesse acabado de morrer ali mesmo, naquele exato momento.

continua...