Amor incondicional

Amor de pai, orgulho de filho

Há muito que David se habituara a ouvir o filho dizer que quando fosse grande, gostaria de ser igual ao pai. A princípio não deu grande importância aos comentários do filho, interpretava-os como sendo coisas próprias de crianças, mas agora começava a ficar preocupado, aquilo que a principio lhe parecia algo sem grande relevo, parecia-lhe agora uma forte obsessão:

- David, não achas que devias ter uma conversa com o nosso filho? Sempre que lhe perguntam o que é que ele quer ser quando for grande, responde, invariavelmente,

“Quero ser como o meu pai”

Tenho medo que isto lhe possa trazer consequências, não porque tenha vergonha alguma da tua profissão, e muito menos de ti, mas sim porque sei que a profissão de Calceteiro já deu o que tinha a dar.

- Eu sei Teresa, eu sei. Também já tinha pensado em falar com ele. Vou fazê-lo este fim-de-semana.

David assim o prometeu, assim o cumpriu. No sábado, após o almoço, disse ao filho, Diogo, que queria ter uma conversa muito séria com ele, de homem para homem. O filho não estranhou, estava habituado a que o pai pusesse aquele tom formal sempre que queria trocar ideias com ele:

- Então pai, qual é o problema?

- Problema! Não há problema nenhum, é só uma pequena preocupação que trago dentro de mim.

- Fale pai.

- Filho, tu estás prestes a fazer dezoito anos…

- Sim, qual é a preocupação?

- Oh filho, a preocupação é que tu respondes sempre às pessoas que quando fores grande, queres ser como eu, e, muito sinceramente, esta profissão não tem futuro, nem tem, nem é futuro para ninguém.

- Meu pai, traga-me à minha presença uma pessoa, uma que seja, que me tenha ouvido dizer que quero ser calceteiro.

- Diogo, toda a gente sabe que é isso que tu sempre respondes.

- Não pai, nunca ninguém me ouviu dizer isso, o que eu respondo sempre é que quero ser igual ao pai, talvez em pequeno eu associasse essa resposta ao facto de querer vir a ser calceteiro, mas hoje a realidade é outra.

- Outra como? Não te estou a perceber.

- Pai, quando alguém me pergunta o que é que eu quero ser, eu respondo-lhe que quero ser um homem integro como o pai, que quero ser um homem que ama e respeita a mulher com quem casou, um homem que luta para dar o melhor ao seu filho, um homem a quem toda a gente admira e respeita, um homem de quem eu tenho orgulho de ser filho. É isso, meu pai, que eu digo às pessoas que quero ser, quero ser um homem de quem o pai nunca se envergonhe. Quanto ao que quero ser profissionalmente, quantos de nós é que têm a possibilidade de realizar o seu sonho? Uma ínfima parte.

David não se admirou com a resposta do filho, conhecia-o bem. Abraçou-o e disse-lhe:

- Sabes meu filho, o grande problema pode nascer precisamente no facto de passarmos a vida a martelar a cabeça das crianças com o que é que querem ser, seria muito melhor se fossemos deixando que as características de cada um se fossem revelando com a idade e com as experiências vividas, creio que muitos homens, e mulheres, seriam muito mais felizes com a profissão que têm, se os tivessem deixado aprender a gostar daquilo que fazem, em vez de viverem sempre na ilusão da realização de um sonho, muitas das vezes nem é o seu sonho, mas sim o sonho dos pais, dos amigos, ou de outros quaisquer. Sim filho, sê aquilo que desejas ser e de certeza que serás feliz.

- Obrigado pai, agora já pode ir descansar a cabecinha da mãe, reparei como ela o olhou há pouco.

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 01/03/2011
Código do texto: T2822026