Conto da páscoa

Conto da Páscoa

Havia certa vez, numa aldeia qualquer perdida no cimo de uma qualquer serra de um país também qualquer, um casal muito pobre que tinha uma filha cujo grande sonho era poder sair dali e ir conhecer terras novas, não que ela soubesse muita coisa sobre as outras terras, não tinham televisão, não chegavam lá os jornais e portanto tudo o que ela sabia era pelo que ia lendo nos livros da velha escola da aldeia, onde só havia uma professora, também ela já muito velha, muitos diziam mesmo que a professora era tão velha como a escola e que por sua vez esta era da mesma idade da aldeia.

Inês, assim se chamava a filha do casal, passava os dias a imaginar grandes viagens às cidades que ia descobrindo nos livros que conseguia arranjar nas poeirentas prateleiras da escola, sempre que se juntava com as outras crianças da aldeia para participar das brincadeiras, tentava conduzir as mesmas para o tema das viagens.

As pessoas mais velhas costumavam comentar que Inês ainda havia de causar grandes amargos de boca aos pais com aquela sua mania das viagens, diziam mesmo que não era franga para ser criada naquela capoeira e que bastaria que se lhe chegasse algum mariola mais esperto para a convencer a partir em busca do seu sonho, abandonando a aldeia e seus velhos pais.

Francisco, pai de Inês, não dava ouvidos aos comentários das pessoas, mas ia registando tudo o que elas iam dizendo, tinha a certeza que a sua filha nunca o abandonaria, ela podia passar a vida a sonhar com grandes viagens, mas nunca seria rapariga para lhes voltar as costas assim sem mais nem menos, talvez por isso lhe custasse, ainda mais, ir verificando que nunca conseguiria juntar para a ajudar a concretizar o seu grande sonho, o pouco dinheiro que conseguia realizar mal dava para se alimentarem os três, quanto mais para viagens, constituíam uma das famílias mais pobres da aldeia, quase todos os outros tinham o seu bocadinho de terra de onde retiravam alguns dividendos, mas eles não, nem ele nem a sua mulher tinham herdado fosse o que fosse, até a casa onde moravam não era sua, mas sim de um senhor doutor que lha cedera em troca de ele lhe cuidar das terras.

Chegou o período das férias da Páscoa e o tal senhor doutor resolveu ir visitar a aldeia de onde seu pai partira há muitos, muitos, anos para lhe dar uma vida melhor, fê-lo na companhia da esposa e dos seus dois filhos. A chegada de um visitante à aldeia era sempre motivo de grande alegria, ainda por cima sendo o senhor doutor, filho do senhor fulano da tal, outrora o grande agricultor da região. Francisco foi receber o seu benfeitor, na companhia da filha, e esta ficou encantada com as roupas da menina da cidade, mas o que mais lhe chamou a atenção foi um livro de histórias que a menina transportava na mão.

As duas garotas estabeleceram uma amizade quase imediata e a filha do senhor doutor apercebeu-se do gosto que Inês tinha pela leitura, prontificando-se a emprestar-lhe o seu livro de histórias. Inês foi para casa radiante, não descansando enquanto não o leu e releu duas ou três vezes, era a forma mais fácil de dar asas ao seu sonho.

Os dias foram passando e o senhor doutor fez questão de ser ele a oferecer o almoço da Páscoa a alguns dos aldeões, entre os quais Francisco, esposa e Inês, e foi durante esse almoço que o senhor doutor ficou a conhecer o grande sonho da menina:

- Então fica prometido, nas próximas férias grandes venho buscar-te para ires passar uns tempos a minha casa.

Assim o prometeu, assim o cumpriu.

Todos na aldeia comentavam que agora é que a miúda nunca mais ia querer ficar a viver naquela pobre aldeia.

Inês voltou e nem parecia a mesma, as conversas sobre viajar cessaram como que por encanto, todos se questionavam sobre o que poderia ter sucedido nas férias, mas o que mais intrigava as pessoas era o facto de Inês passar a andar sempre pronta a fazer qualquer tipo de trabalho que lhe aparecesse, afinal só tinha onze anos.

Os meses foram decorrendo, Inês deitava mão a tudo, passava o tempo livre a trabalhar no campo, mas a vida dos pais continuava igual, miséria total.

- Oh Ti Chico, então a miúda anda aí que parece uma moura de trabalho e vocês continuam na mesma, até parece que comem todo o dinheiro que ela arranja, dantes não fazia nada, agora mata-se a trabalhar. Para quê?

Francisco, odiava que lhe chamassem ti Chico, nem lhes respondia, toda aquela conversa lhe cheirava a nada, qual dinheiro qual quê, Inês andava era cada vez mais encantada com a escola.

Aproximava-se a época da Páscoa, há um ano que a vida de Inês mudara por completo, só tinha doze anos e comportava-se como uma mulher adulta:

- Pai. Mãe. Olhem, o meu saco do dinheiro, fiz tal e qual como li na história do livro que a menina Isabel me emprestou.

- Filha, de que falas?

- Pai. Mãe, todo o dinheiro que consegui ganhar neste ano, na monda, na rega e noutros trabalhos que tenho feito quando saio da escola, fui-o juntando dentro deste saco, agora quero utilizá-lo para irmos fazer uma viagem na Páscoa, mas vamos os três, vamos a Fátima.

Agora, Francisco, percebia o murmúrio que ia pela aldeia, afinal sempre era verdade.

Manhã fresca, lá foram, os três.

Quando voltaram vinham diferentes, em pouco tempo alteraram por completo a sua vida e Inês nunca abandonou nem os pais, nem a aldeia, mas todas as Páscoas lá vão eles passear, agora já com a nova família daquela miúda a quem o sonho mudou a vida.

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 21/04/2011
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