Sonhando Amor

Sonhando Amor

Miguel levantou-se ainda não eram sete horas, desde há dez anos que cumpria aquele ritual, todos os domingos.

Levantou-se, dirigiu-se para o quarto de banho, barbeou-se e tomou o seu banho domingueiro, isto não significa que só tomasse banho aos domingos, só que aos domingos aprimorava-se no banho, saiu de debaixo do chuveiro, secou-se, colocou o seu after-shave preferido e voltou ao quarto.

Escolheu um dos seus melhores fatos, não era o calor de Julho que o ia impedir de se vestir com toda a pompa e circunstância, escolheu uma camisa a condizer, depois rebuscou numa das gavetas da mesa-de-cabeceira e tirou uma gravata que combinava, na perfeição, com o resto do conjunto, fechou a gaveta, abriu outra e retirou umas meias que completassem todo o traje.

Sentou-se na beira da cama e começou por vestir as boxers, era um homem muito actualizado, depois calçou as meias, vestiu as calças, calçou os sapatos e levantou-se, vestiu a camisa, abotoou-a, abriu a porta do roupeiro que tinha um espelho interior e colocou a gravata, ajeitou o nó, alinhou a camisa e vestiu o casaco.

Saiu do quarto de dormir e passou ao quarto de banho, pegou no pente e penteou-se com todo o esmero, mirou-se ao espelho e gostou do boneco.

Abriu a porta que dava acesso às escadas do prédio, sentiu uma aragem na cara e pareceu recordar-se de algo, voltou a entrar em casa, dirigiu-se ao quarto de dormir, pegou num frasco e colocou um pouco de perfume, agora sim, estava tudo.

Voltou a sair para as escadas, fechou a porta à chave, meteu-se no elevador e saiu do prédio. Dirigiu-se para o seu automóvel, abriu a porta, sentou-se, voltou a fechar a porta e colocou o motor em marcha.

Miguel nem se apercebia de como o tempo passava, desde que sua esposa falecera, há dez anos, que ele repetia todo o cenário que cumprira no último Julho que passaram juntos.

Nunca mais conduzira, até porque nem renovara a carta de condução, a idade também já não lho permitia.

Limitava-se a colocar o automóvel em funcionamento, na véspera tinha a atenção de o lavar com todos os cuidados, e depois deixava-se ficar, de olhos fechados, a recordar cada uma das viagens que fizera com a sua esposa.

Miguel continuava a viver a vida que sempre vivera, ao lado da mulher que sempre amara, porque Miguel nunca se esquecera de sonhar, sonhar com a vida, ignorando a morte.

Miguel veio a falecer numa dessas manhãs, ao volante do seu automóvel e na companhia da mulher amada.

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 28/06/2011
Código do texto: T3062922