A Aldeia dos Sonhos

Aldeia dos Sonhos

Era uma vez um rapaz que adorava tudo o que a natureza lhe mostrava, ele adorava parar a ouvir os passarinhos a cantar, ver os rios a correr, ver as ervas a crescer, ele adorava tudo o que fosse vida.

Na aldeia todos o tinham como sendo louco, nunca se preocupara muito com a vida, no verão preferia ficar deitado nas frescas ervas em vez de ir ajudar os pais, e quando era inverno não raras vezes o viam a passear à chuva pelas empedradas ruas da aldeia, saltitando e cantarolando.

Muitos criticava os pais por não o obrigarem a ajudá-los, outros intrigavam-se como é que era possível eles trazerem as terras sempre tão bem arranjadas, ainda se o filho os ajudasse, mas não.

Um dia, em plena primavera, Chico, o nosso jovem, estava deitado na erva de uma propriedade de seus pais, quando foi interpelado por um dos aldeões:

- Então mandrião, hoje voltas a não ajudar os teus pais? Pobre de quem tem um filho assim.

- Bom dia, Sr. Zé, por favor não faça barulho, ainda assusta a borboleta.

- Assusto a borboleta! Se eu fosse teu pai, eu dava-te a borboleta.

- Ora Zé, o que é que tu tens a ver com isso, deixa lá o coitado, o pai dele não se preocupa e tu é que estás para aí com essas coisas.

- Ora, sabes muito bem como isto me dá a volta aos intestinos, o pai farto de trabalhar, viste como ele já tinha as terras? E este vadio aqui deitado.

A mulher preferiu não lhe responder, sabia como o marido ficava fora de si com aquela situação, ela própria se sentia um pouco revoltada pelo facto de aquele rapaz, bem constituído, não ajudar os pais na lida do campo, mas que podia ela fazer.

O tempo foi passando e os comentários foram ganhando corpo, os habitantes da aldeia começaram a criticar, tanto o rapaz como os pais, cada vez mais sem terem o cuidado de que aqueles os pudessem ouvir.

Um dia, o pai de Chico adoeceu gravemente, então as pessoas da aldeia começaram a comentar, principalmente os homens que ao fim do dia se reuniam na taberna:

- Agora sempre quero ver se o malandrão não vai ajudar a mãe.

- Olha que se ele não a ajuda, ela não consegue dar conta das terras, e que lindas que elas estão.

- Pois estão, é uma verdade, quase que diria que são as melhores terras daqui da aldeia, será uma pena se tudo se perder.

- Pois é, mas a culpa é deles, o Jaquim devia ter obrigado o moço a trabalhar, a aprender a arte das terras.

- Não sei o que passou na cabeça do Jaquim para deixar aquele moço, com tão bom corpo, tornar-se um madrasto, passa os dias a olhar para nada.

Estavam os vários homens nesta conversa, quando o taberneiro resolveu intervir:

- Vocês sabem que eu nunca tive grande admiração pelo Jaquim, mas chego a ter pena dele, farta-se de trabalhar e o mandrião não faz nada.

- É normal que não gostes lá muito dele, Zé, se fossem todos como ele já tinhas fechado a taberna.

- Olha meu amigo Costa, vai gozando, mas tenho a impressão que ainda vais ser um daqueles a quem ela há-de vir pedir ajuda para não deixar ir as terras por água abaixo.

- Olha Zé, por muita consideração que eu tenha pelo Jaquim, por mim bem pode ir tudo por água abaixo ou por água acima.

- E por mim na mesma.

- E por mim.

- Pois, sempre vos quero ver quando chegar essa hora, vão logo todos a correr para ajudar a Dona Elisa.

- Bem, por ela até ia.

- Isso também eu.

Os dias foram-se passando e a surpresa ia aumentando, nem Dona Elisa lhes pedia ajuda, nem Chico ajudava a mãe e nem as terras davam sinais de abandono, como seria possível?

Joaquim acabou por não conseguir recuperar, no dia do seu funeral, muitos dos aldeões foram oferecer a sua ajuda à viúva, mas desejando que esta não aceitasse:

- Muito obrigado, agradeço a todos a vossa disponibilidade para me ajudarem, mas por agora não precisarei, se alguma vez precisar eu vos pedirei.

O velho taberneiro, curioso como mais nenhum, estava intrigado e desejoso de saber como é que a mulher conseguia aquilo que lhe parecia um milagre, não deixou passar muitos dias e assim que teve oportunidade não hesitou em perguntar:

- Desculpe-me, Dona Elisa, mas quem é que a tem ajudado?

- Sr. Zé, o senhor pode pensar que nós nunca gostámos muito de si, mas o meu Joaquim nunca foi homem de taberna, só isso. Quanto a quem me tem ajudado acredite que tem sido o meu maior amigo, desde sempre.

O taberneiro, um homem mau, não teve problema nenhum em levantar o boato de que a mulher teria um amante e que era este quem a ajudava, estava explicado o facto de as terras continuarem tão bem tratadas.

Uma noite, há sempre uma noite nas histórias, a aldeia foi surpreendida com uma tempestade como nunca se vira, e de repente começaram a ouvir-se gritos vindos do lado da casa do taberneiro, toda a gente correu para lá...

... a aldeia inteira ficou como que paralisada ao ver o que sucedera, o velho carvalho tombara sobre a casa, e deitara abaixo deixando o casal soterrado no seu interior:

- Alto, calem-se todos, deixem ver se conseguimos ouvir alguma coisa, algum gemido.

Todos se viraram para o local de onde vinha a voz, era Chico.

De repente alguém gritou:

- Há alguém vivo lá dentro, ouçam.

Chico não hesitou um segundo, jogou os braços em frente e pôs-se a afastar os escombros, afastou os pesadíssimos troncos, tanto os do velho carvalho como os que tinham sustentado a casa até há bem pouco tempo, e quando conseguiu avistar o taberneiro e a sua mulher pareceu ganhar forças extras, só parando quando teve a certeza que as suas vidas estavam livres de perigo. Estava esgotado, sentou-se e desmaiou.

Chico acordou já deitado na sua cama, abriu os olhos e perguntou:

- Como está o Sr. Zé e a mulher?

- Acalma-te filho, eles já foram para o hospital, os filhos agora tratam deles.

- Pois é Chico, e graças a ti, se não fosses tu, eles tinham morrido ali debaixo daquele monte de entulho.

- Eu quero pedir-te desculpa, tu podes ter sido sempre um pouco mandrião, mas agora deste provas de ser um rapaz valente.

- Ouçam todos, há uma coisa que eu quero esclarecer, eu e o meu Joaquim nunca vos dissemos nada, porque sempre entendemos que esse era um assunto só nosso, mas agora faço questão de vos contar.

Os aldeões estavam confusos, o que seria que Elisa tinha para lhes dizer.

- Vocês, todos, sempre criticaram o meu Chico por não nos ajudar, depois, quando o meu Joaquim faleceu, arranjaram-me um amante como meu ajudante, mas a grande verdade é que quando vocês se levantavam já o meu Chico tinha ido tratar das terras todas, sempre foi ele quem fez tudo, eu e o pai só fazíamos os trabalhos mais leves e assim continuou após a sua morte.

- Mas porque fazias tudo às escondidas?

- Eu não fazia nada às escondidas, nunca tive vergonha de trabalhar, só que eu preferia ir cedo e depois ter o dia inteiro para poder apreciar a beleza que a natureza tinha para me oferecer.

- Tu sabias que foi o Zé quem inventou que a tua mãe tinha um amante?

- Sim, sempre soubemos que foi ele.

- E mesmo assim não hesitaste em arriscar a tua vida para o salvar?

- Ouçam, se eu sempre adorei toda a beleza que a natureza me oferecia, como é que eu podia ignorar a mais linda beleza dessa mesma natureza, a vida humana.

Os aldeões entreolharam-se e perceberam a grande lição que acabavam de receber.

Hoje quem visitar aquela aldeia vai notar algo de estranho, ao entrar nas suas terras terá a sensação de estar entrando num sítio encantado, tão bem arranjadas que elas andam, as casas todas muito bem caiadas, lindos canteiros repletos de flores, num sinal de que ninguém as apanha e no entanto se o sol já tiver começado a aquecer, e for Primavera, irão perceber que todos os habitantes, mas todos mesmos, novos e velhos, homens e mulheres, percorrem serras e vales atrás de um homem novo, este vai apontando para aqui, para ali, fazendo-lhes sinais, mostrando-lhes as belezas com que a mãe natureza os presenteia, mas se estivermos no Verão, então pensarão que se trata de uma aldeia de gente preguiçosa que passa os dias deitada na erva a ouvir cantar os passarinhos e as cigarras, agora se a visita for no Outono irão pensar que se trata de uma aldeia de loucos, pois não serão poucos os que se passearão sob a chuva miudinha, ao mesmo tempo que entoarão lindas cantigas campestres e apreciarão o doce descer das folhas das árvores, enquanto que no inverno, a aldeia parecerá que está deserta, estarão todos em redor de uma grande fogueira, que arde durante todo o inverno no local onde era a taberna do ti Zé, ouvindo histórias de encantar que Chico vai inventando.

Vá lá visitem a aldeia dos sonhos.

Moral da história: “O sonho comanda a vida”

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 20/05/2012
Código do texto: T3678568