A vampira e o lobo

Tudo começou numa tarde ociosa de agosto. Eu lia o jornal em minha escrivaninha, quando um pensamento me assaltou: eu devia casar. Confesso que esta ideia permeava minha mente desde o início da semana, mas somente naquele exato instante ela se firmou. Já me aproximava dos quarenta anos, e estava cansado da vida vadia que levava. Era hora de formar uma família, deixar para trás o meu título de “lobo” – que ganhara por minhas vastas e descartáveis conquistas.

Ao tomar essa decisão, não me demorei em minúcias. Contatei meu velho amigo, dr.Carvalho, para ajudar-me a procurar uma noiva. Eu lecionava no único colégio da pequena cidade e ganhava relativamente bem, então era considerado um bom partido. Não seria muito difícil achar uma esposa, pois além da minha renda, eu tinha uma aparência distinta; as mulheres atraíam-se pela minha aura charmosa.

Com o auxílio do dr.Carvalho, em poucos dias encontrei minha noiva. Ele conservava relações com quase todas as famílias, e apresentar-me às solteiras não foi problema. Depois de conhecer várias moças pedantes, na sétima ou oitava família que visitei finalmente achei uma que me encantou. Era uma garota delicada e pálida, tal qual uma vampira romena. Seus olhos e cabelos castanhos davam-lhe uma beleza razoável. Agradavelmente surpreso, descobri que ela também compartilhava do meu amor por literatura, influenciando de vez o meu pedido.

Foi um cortejo rápido e um casamento simples. No início, os pais temeram que a idade avançada da filha se tornasse um empecilho para mim. Despreocupado, disse-lhes que era até melhor. Uma jovem de vinte e dois anos já sabia tudo para uma vida a dois. Após a cerimônia, meus amigos de farra vieram despedir-se do “lobo”. Um dia é da caça, outro do caçador, eles troçavam, animados.

Na primeira semana de casados, minha pequena pérola mostrou-se fascinada com a nova vida, principalmente quando viu a biblioteca. Com prazer, observei-a tocar os livros com a mesma paixão que eu cultivava. Em todos os sentidos, havia escolhido a mulher certa.

Meu casamento não foi por amor, e sim pela necessidade de uma companheira. Porém, com o passar do tempo, sua presença tornou-se mais que indispensável para mim. Adorava ouvi-la ler algum trecho do livro preferido ou recitar uma poesia; nas reuniões que realizávamos, sempre a mantinha por perto; quase todas as noites a procurava e enlevava-me com seu jeito de amante virginal. Numa dessas noites, murmurei para ela as três palavras que nunca dissera a ninguém. Entretanto, ela só me olhou assustadiça, e virou-se de lado.

Na manhã seguinte, acordei confuso. Pensava que uma declaração de amor era tudo que uma mulher desejava ouvir. No trabalho, nem dei as aulas direito, tamanho o desassossego. Talvez ela somente estivesse indisposta, pensei. Sim, certamente era isso.

De volta para casa, encontrava-me mais calmo. Minha querida sempre fora assim, tímida. Estava com vergonha de também confessar seus sentimentos.

Habitualmente, minha mulher esperava-me na sala, com o almoço já pronto. Mas dessa vez foi diferente; a casa estava silenciosa e nenhum aroma irradiava da cozinha. Chamei-a, de novo inquieto, não obtendo resposta.

Comecei a procurá-la por todos os cômodos. Banheiro, quarto, varanda... Nada. Por fim, fui ao último recanto: a biblioteca. Curiosamente, uma parte de mim desconfiava o que acontecera. Portanto, não me surpreendi ao ver a biblioteca vazia. Nas estantes, não sobrara um livro. Desesperado, avistei um bilhetinho caído no chão:

"Sinto muito, eu não te amo."

Reli-o dez vezes, tentando encontrar sentidos nas letras. Sentado no vão da porta, lembrei-me subitamente da primeira vez que a vira, de como ela parecera uma pálida vampira. Uma vampira que se alimentava de palavras e corações partidos.

(11/08/12)

Elaine Rocha
Enviado por Elaine Rocha em 24/08/2012
Código do texto: T3847400
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