Mais uma história qualquer de amor.

Pedro era um rapaz simples, que admirava as coisas simples. Pedro admirava a Galáxia. Pedro admirava as árvores. Pedro admirava os bichos. E Pedro ficava abaixado de maneira de muito engraçada, com uma imensa lupa assistindo à vida das formigas. Com a mesma lupa, Pedro lia contos, poemas e romances.

Dentre as coisas simples da vida, chamava à atenção de Pedro a literatura. Para ele, uma história bem contada, bonita, o levava à Galáxia, onde visitava estrelas, surfava em meteoros, banhava-se de luz com o sol, fotografava-se com os satélites artificiais e caminhava pelos naturais como se andasse em pluma, livre de gravidade.

O caso é que Pedro começou a escrever histórias. Começou com alguns rabichos de poesia que contavam histórias toscas. Depois passou para a crônica, registrando o que via, então para o conto, inventando personagens longevos em poucas, as vezes pouquíssimas, páginas. Pedro gostava do que escrevia. Li uma ou duas histórias dele e lembro que não as achei ruim.

Joana também não achou de todo ruim o poema Galáxia. Era uma história bonitinha de João e Maria, como um Romeu e Julieta, que passeava pelo amor da Colombina com o Pierrot, mergulhava no romantismo parisiense das imagens de Monet e situava-se em um bar negro de jazz, nos Estados Unidos.

Pedro encantou-se pela própria história. Lia e relia diversas vezes, da mesma forma que fazia com as formigas. Mas quando via as formigas não pensava tanto em Joana. Só quando lia seus versos. Por isso, dedicara-se a eles de forma narcisista, admirando-os como quem admira o sorriso de um filho.

Fazia-se Pedro da sua poesia, cada vez mais erótica e cada vez mais dentro de Joana. Porque agora, para os dois, a poesia saía do papel e tornava-se cada vez mais, momentos, respirações, energia forte que vinha sem explicação e deixava Pedro cada vez mais poderoso e cada vez mais imprudente na sua literatura, aventurando-se por contos e personagens sem destino certo, como se as palavras deslizassem com uma facilidade irresponsável, dando àquele homem, autor do poema Galáxia, a responsabilidade de transformar vida em versos.

E mais, a responsabilidade de transformar o coração de Joana em poesia. O coração da menina doida que gostava de viver sem saber por que, e gostava da vibração das palavras de Pedro, ele sabia que seu olhar pro mundo a tornava mais mulher, com o peito de criança que corre pelo bosque para sentir, no vento ao rosto, as veias mais latentes e a vida mais ardente.

Foi num momento escuro do dia, talvez pra ser mais exato, na escuridão entre um dia e outro, que Joana apareceu na vida de Pedro. A mente dele estava em uma frequência da qual poucas pessoas compartilhavam, e a menina de cabelo comprido e loiro apareceu até hoje não se sabe de onde, e chegou perto dele com o sorriso mais aberto que Pedro tinha visto na vida, os cabelos soltos voando, iluminados por uma lua gigantesca e ofuscados por um brilho no olhar notado pela frequência da mente de Pedro. A fala da mulher com vestidinho de menina soava com um blues carregado em solo de guitarra e sax, e ela falava tão solta quanto seus cabelos e tão viva quanto a luminosidade da lua.

Pedro não entendia uma palavra sequer e sua mente o fazia vê-la em silhueta desenhando-se no ar, uma sombra curiosamente brilhosa que falava sem dar espaços a Pedro de emitir qualquer som. De repente, Joana sumiu na escuridão, uma onda do mar estourou na rocha. Ele ficou parado, refletindo sobre o momento que acabara de criar (?).

E se tivesse sido criação, talvez apagar-se-ia, mas Joana voltou. Falando mais lento, dizendo seu nome e dando a ele a oportunidade de dizer o seu. Continuou falando muito, enquanto Pedro captava algumas palavras, mas não tinha ideia do contexto. Eram lábios que se moviam compulsivamente e emitiam sons inalcançáveis para a frequência da mente de Pedro.

A imagem da menina bonita de vestido solto tornou-se um espiral colorido aos olhos de Pedro, e esse espiral girava cada vez mais forte, seu colorido tornava-se mais intenso e brilhante e a voz era como se tivesse debaixo d´água, mas havia um ritmo forte e tão lisérgico quanto o som do Pink Floyd, com uma força atraente que Pedro jamais havia experimentado antes.

O beijo foi intenso, foi longo, deixando os corpos dos dois quentes, com línguas se explorando avidamente e mãos tocando corpos com vontade. Foi nesse momento que Pedro percebeu que aquela menina o levava para uma frequência ainda mais diferente, numa frequência que podia senti-la ainda mais e sem saber como, entendia.

Foi assim o primeiro encontro de Joana e Pedro. Os próximos encontros foram cada vez mais alucinantes. Cada vez mais explosivos. Pedro queria tanto Joana que criava histórias, inventava personagens e quando não estava escrevendo, agoniava-se sentindo pontadas no peito. Joana não escrevia. Nem inventava histórias. Muito menos personagens. Por isso, agoniava-se praticamente o tempo todo, até quando estavam juntos.

Talvez Joana sentisse que o estar junto não era suficiente. No auge dos seus dezoito, ela queria senti-lo o tempo todo, por completo, dentro dela, carnal e espiritualmente. Mais carnalmente. Por isso, há quem diga que foi ela quem sentiu mais quando a notícia veio. Mas eu não acredito, ele sentiu tanto quanto ela - posso dizer. E deixou rastros e registros eternos disso...

A notícia veio como qualquer noticia que muda completamente a vida de uma pessoa. Inesperadamente, a notícia veio trazendo risos e orgulho para a família. Dentre os amigos, a boa notícia havia se espalhado muito rapidamente e todos, ou pelo menos os mais próximos, fizeram questão de telefonar para dá-lhe os parabéns. Pedro recebia os cumprimentos com um sorriso amarelo e um entusiasmo forçado, receoso, talvez. O pai abriu uma garrafa de espumante e acendeu um charuto cubano especial. A mãe fez torta de camarão. Mas Pedro queria ver as formigas.

Joana era uma menina meiga, mas tinha tanta energia que se tornava impulsiva, muitas vezes, arisca. Sua pouca idade a fazia ter vontade de experimentar tudo com voracidade, de sentir a vida nos seus limites extremos, era completamente apaixonada por cada segundo que a atraísse. E Joana não pensava que poderia ter amanhã. Não pensava que o amanhã poderia trazer notícias como esta que Pedro ainda haveria de trazer.

Sentavam-se lado a lado em algum lugar próximo ao mar. Joana mantinha suas duas mãos apoiadas numa pedra. Pedro soltava fumaça lentamente, deixando o vento salgado brincar, como uma cortina branca dançando. Estavam num silêncio quebrado pela batidas das ondas do mar. Joana tinha medo de tocá-lo. Pedro não sabia o que fazer. Estavam pesados. Cada um à sua maneira.

No fim do dia, conseguiram abraçar-se. Um abraço apertado e demorado, recostando-se de leve para terem a certeza de que cada pedaço do corpo e, principalmente, do peito se encostaria para trocarem energia. E depois da longa troca de energia, sentiram mais leves. Tanto, que no caminho de volta para casa, conseguiram sorrir em alguns momentos.

A notícia se concretizaria no dia seguinte, em meio a correrias e esquecimentos. Era uma oportunidade única, estampada no largo sorriso do pai de Pedro. Joana e ele deram mais um longo abraço antes de ele partir. Ela o viu ir com o coração transbordando em lágrimas.

A menina sentada ao lado de Pedro tinha um sorriso bonito, diferente. O coração dele acelerou mais do que já estava. A menina disse oi ao colocar o cinto de segurança e pareceu-lhe um anjo. Talvez um anjo da guarda que trazia a energia forte de Joana naquele sorriso meigo e leve. Pedro sentiu calafrios. Talvez pela menina. Talvez pela lembrança.

O destino de ambos seguiu trazendo novas sensações, novas histórias. Pedro via partes de Joana em todas as mulheres com quem se relacionou depois e cada personagem por ele criada, carregava algo dela, nem que fosse um sentimento vivido alguns segundos, Joana continuou nas histórias de Pedro, que fez o caminho contrário ao da Astrologia: criou várias Galáxias para fazer-se estrela.

Talvez Joana soubesse que continuava a inspirar-lhe novas histórias, pois todos nós sabemos que, mesmo com Pedro do outro lado do mundo, ela ainda lê as premiadas histórias dele e talvez nem tenha a pretensão de se perguntar qual parte daquilo veio dela, mas com certeza se pergunta quanto tempo do dia ele passa escrevendo e quanto tempo do dia ele passa observando as formigas com sua lupa. Será que ele ainda observa as formigas com sua lupa?

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 20/01/2013
Código do texto: T4095103
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