DIALOGO

Há anos, estive presente em uma cerimônia fúnebre e pude presenciar uma cena tão comum, mas incomum nos pensamentos das pessoas. Sim, um diálogo além de minha imaginação, um diálogo entre um finado e sua viúva.

- Meu bem. O momento é pequeno. Tenho somente alguns minutos para poder dizer algo que sempre esteve presente em nosso casamento. Algo que jamais alguém pode fazer, somente eu, buscando altas tecnologias e muitas técnicas psíquicas tentei e vou conseguir. Lembre-se que o momento é pouco, tenho pouco tempo, então começaremos:

Lembrando que o finado chamava-se João e a viúva Iraci. Foram casados por mais de cinqüenta anos. Tiveram cinco filhos, muitos netos e até bisnetos.

- Meu bem, dizia João, talvez você ainda não seja mais meu bem. Os minutos são poucos, o portal da nova dimensão irá abrir, venho dizer, no fundo de meu coração já sem vida, uma vida sofrida, mas cheia de amor, somente a você eu amei demais.

- Talvez eu não tenha sido um bom marido. Trabalhei muito. Fiz alguns bens. Não matei, não roubei, não cobicei a mulher do próximo, não amei outra mulher a não ser você, não fiz outra coisa a não amar profundamente você.

- Sei que o tempo está passando. Meu maldito coração parou de funcionar. Não foi mais bombeado sangue para sustentar-me, os médicos não me deram tanta assistência, faltou dinheiro. A funerária vestiu-me bem. Fez minha barba, colocou-me um terno bem bonito, me deu banho, enfeitou-me com muitas flores, muitas rosas ( as flores que de mais gosto), até conversarem comigo eles conversaram. Disseram que eu estou muito bonito, apesar dos cabelos brancos, mas sou um finado muito bonito.

- Meu amor, dizia Iraci, não estou acreditando. Como você pôde deixar-me agora. Como irei viver sem o seu amor, sem o seu carinho. Será que conseguirei.

- Os dias não serão mais os mesmos. O ar não será puro sem a sua presença. As flores não mais terão perfumes tão meigos e delicados de que você dizia sobre o amor. O nosso canarinho e as nossas galinhas de estimação vão sentir a sua falta. Lembra-se de todas as manhãs, mesmo aquelas frias ou chuvosas, nas quais você dizia que os animais são os nossos próprios filhos, porém eles não falam, não sorriem, mas comunicam através de gestos que somente o dono sabe distinguir. Por que eu não fui junto com você. Como será minha vida a partir de agora, o que farei...

Neste momento, vi muitas lágrimas na viúva, tantas lágrimas que mal pude conter e comecei a pensar o que seria a separação final. Será que somente após a morte as pessoas dão mais valor à vida, dão mais valor ao amor, dão mais valor aos sentimentos de seres humanos, que nasceram para amar, para compartilhar o que mais de bonito existe na vida.

- Minha velha, eu sei que cumpri minha missão. Lembra-se quando casamos, ou melhor, lembra-se de quando nós nos conhecemos, naquela rua. Lembra-se que confundi você com outra pessoa. Vou contar um segredo. Eu, na realidade, não confundi você com a Renata, mas foi um motivo para conversar e me apresentar.

- Depois daquele dia minha vida mudou para melhor. Não mais sai para as baladas noturnas, não mais procurei por outras mulheres, porque você cravou-me a flecha do amor e o nosso amor transformou-nos em um fortaleza tão poderosa que jamais fora destruída.

- Lembra de nosso casamento. Que lindo são os nossos filhos, mais lindos, ainda, são nossos netos. Tudo isso é fruto de nosso amor, um amor tão forte, que o destino nos preparou, que vida transformou em um sonho real e bem vivido.

- Olha, temos tanta coisa para falar. Lembra-se a felicidade quando você passou no concurso do Estado para ser professora. Fizemos uma bela macarronada e uma linda taça de vinho para comemorarmos. Foi tão romântico...

- João, lembra como fizemos nosso primeiro amor. Lembra-se que ficamos envergonhados, principalmente eu, mas foi tão romântico, foi tão belo que jamais irei esquecer. Lembra-se de nossos segredos, mas estes ficarão em segredos, somente eu e você saberemos deles, jamais, mesmo este idiota que está nos observando e escrevendo este diálogo para que os outros possam ler, mas ele é um singelo escritor... deixemos para lá...

Neste ponto, informo que o diálogo em si era feito mentalmente. Ninguém conseguia ouvir ou ver a gesticulação, era um processo científico muito desenvolvido, mas cheio de regras jamais reveladas.

- Iraci, você, minha eterna amada, minha esposa fiel e meu braço direito. A porta da dimensão está abrindo. Nela vejo uma forte luz, cheia de pequenas luzes. São luzes verdes, azuis, brancas, várias cores... Sei que vou partir. Sinto uma forte atração, parece que nossa comunicação está por segundos a ser cortada para sempre. Jamais esquecerei sua voz, tão linda e forte, voz que não me xingou e brigou comigo...

- Vou partir. Minha vontade é de não ir. Veja nossos filhos, nossos netos e nossos amigos, as pessoas que aqui estão. Alguns choram, alguns ficam de olhares tristes, mas é o curso da vida.

- Morrer é partir para sempre. É deixar de lado tudo aquilo que fomos, que aprendemos, que nos tornaram pessoas fortes e destemidos para enfrentar nova realidade. Viver é a maior riqueza.

- Veja bem. A vida é um conjunto de amor e caridade, que sustentam a humanidade. Sem amor, sem carinho, sem compreensão da vida, é difícil viver bem.

- Juntos, tivemos a melhor riqueza de nossas vidas. Tivemos um amor forte, sólido, um diálogo contínuo que jamais algo diferente nos tirou. Fomos grandes amigos, fomos abençoados por Deus e cremos que a fonte da vida ainda é o amor. Amor forte e belo.

- Partindo, não sei para onde vou. Nem sei mesmo como estamos conversando neste silêncio tão amplo e como me restaram estas palavras. Eu amo muito você. Minha vida foi somente você. Não tive tempo para pensar em mentiras...

- Iraci, minha vida, meu eterno amor, já estou indo. As luzes me puxam delicadamente, que parecem tragar-me como um imã. Sinto-me levitar e aproximar desta nova dimensão. Não partirei sozinho, porque um homem sem amor estará sozinho para sempre. Vou acompanhado de seu amor. Sentirei saudades, mas o tempo, ou seja, esta nova dimensão, apagará a saudade e me dará mais amor para continuar meu caminho. Você, minha linda e doce amada, ainda terá que terminar sua missão, em alguns segundos não poderemos mais dialogar como fazíamos sempre, somente terei algumas frações de segundo para dizer que “ Eu Te Amo Eternamente”... Adeus...

Neste momento, observei que os lábios de Iraci pronunciaram as mesmas palavras que João disse.

Desta forma, pude perceber o quanto é importante o amor, a vida a dois. O amor é eterno, os amantes são verdadeiramente amantes, porque o tempo, a vida, o sofrimento, a separação jamais separam os verdadeiros amantes.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 30/05/2013
Reeditado em 21/06/2016
Código do texto: T4316240
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