Lençol Mal BORDADO

Nasci numa grande loja que ficava numa confluência de ruas movimentadas na região central, que para dar lugar ao cinema, as instalações foram desativadas. Fazia parte do conjunto de cama, o qual incluía a fronha e a cobertor. Por nos considerarem feios e impróprios, gozávamos (ainda na gestação, já era gozado ) de certa estabilidade na prateleira do estabelecimento, até que a loja iniciou uma queima geral de estoque, talvez para as obras de reforma do cinema, fomos colocados à liquidação. Já havia passado por situação semelhante, mas como não era para entrega do prédio, o meu conjunto e mais vários outros, nascidos no mesmo ano, mês, dia e hora e coincidentemente com as mesmas características, passamos ilesos do infortúnio de ser adotados – comprados – aleatoriamente, por qualquer um.

O proprietário e até então nossos senhores, entregou-nos (eu e mais uma leva) aos cuidados de um ser esquisito e de cara amarrada, despedimos dos amigos de nascimento e embrulhados, seguimos rumo ao desconhecido. Fomos enxotados como lixos maltrapilhos na carroceria de um automóvel. Desse instante em diante, cada um que se virasse em sua defesa, afinal, o espaço era minúsculo para tanta coisa. Mais a frente, uma freada brusca fez com que uma caixa de material de limpeza, viesse aterrissar todo o seu peso sobre o meu colo. Por ironia do destino, os objetos e utensílios que estavam dentro da caixa acabaram sendo os meus melhores parceiros, uma vez que quando gozado, eles preocupavam-se de reestabelecer a limpeza e o perfume, que mesmo artificial, fazia-me sentir aliviado dos esfregões e desaforos por que passava; invariavelmente, dia sim, dia não. Por mais que fugisse, escondendo-me de mãos inconvenientes, achavam-me nos esconderijos, e assim forçado a participar, dando suporte às cenas que, por questão de ética, prefiro não delatar em suas totalidades. Para os interessados e curiosos, soltarei umas pitadas de humor, sangue, lágrimas, prazer; e claro, gozo no ar. Nesse contexto, muitas bizarrices; passagens hilárias; cenas burlescas e bruscas; sussurros, gritos e gemidos; portanto, frisson e clímax se confundem com frustração e desespero. No fim, os resquícios e os dejetos da emoção espontânea, incontida ou camuflada, sobravam para mim e mais aqueles que formavam o esquadrão da esdrúxula viagem pela mata, cuja virgindade ficara perdida nas destocas e desbravamentos anteriores. Néctar que os deuses, abelhas e colibris dispensavam. Somente porra! Muitas foram às vezes que ouvi que o desmatamento passara dos limites, tornando impossível a recuperação das bordas ciliares, assim como da fonte. Em oposição, seres que emergiam da luz da alucinação, inebriados pela síndrome dos dois minutos de leveza e transe, recitam poemas. Este guardo nas minhas anotações. Vamos a ele:

Erupção Sexual e Vaginosa

Tanto tempo faz, que nem me lembro mais:

De seus cenhos sisudos;

De seus lábios entranhados em suaves cavidades,

Florescendo, crescendo, avolumados, carnudos!

Das cores do seu sorriso;

De seus fios de cabelo esvoaçados pela brisa;

De seus pés contorcendo sobre a areia escaldante à beira mar;

Do correr de braços abertos;

Fazendo reluzir os meus olhos,

Quanto mais longe; mais despertos.

Tanto tempo faz, que nem me lembro mais:

De suas surpresas inesperadas;

De seus queixumes incontidos em noites taciturnas;

De suas idas e vindas;

Nunca adeus definitivo,

Longe do “nunca mais”.

Dos planos elaborados;

Poucos deles realizados;

Tanto tempo faz, que nem me lembro mais.

De sua pele escorregadia pelos pingos d`água;

De seu corpo esculpido;

De sua lasciva sensualidade;

De seu sussurro furtivo;

De seu amor proibido.

Faz tanto tempo, que nem me lembro mais;

De seus êxtases e advindos deles:

De sua erupção gritada: “ah...uh; como é sublime atingir a leveza do ser!

Estar no limiar entre o paraíso celestial e o abismo sepulcral!

Dormir com o doce sabor do mel e acordar com o gosto amargo do fel!

Que delírio é este, que enfraquece a musculatura e amolece os nervos, deixando-os lânguidos; liberta os meus sentidos, prendendo o meu ser, o meu eu, o meu físico, os meus mil e um gozos e infiéis prazeres, a você!?

Tanto tempo faz, que nem me lembro mais:

De sua última frase depois da avidez pelo último gole de mel:

“Por que os significados da felicidade são efêmeros e os desalentos eternos!?”

Por tudo isso, faz tanto tempo. Tempo faz!

Contudo, os raios de sol, as altas temperaturas e o tempo não desfazem as atrativas gotas de orvalho mornas que desprendem das folhagens de matas densas e sombrias, que alimentam os instintos mais selvagens e, sobretudo pelo detrimento de insanas emoções, que aos isentos de razões, não pedem explicações.

Faz tanto tempo!

Como Lençol Bordado mal gozado não é protagonista em poesia refinada, contento-me em ficar quieto e silencioso no meu lugar, que é debaixo daqueles montes de indecências clamorosas. Montoeira de coisa sobre coisa obscena, ridícula e às vezes, para alimentar o ego, revezando de posição: cabeça de um, pé do outro. Como nada disto é declarado e lançado às redes sociais do Whatsapp, Facebook e outras, sobra para os discretos e indiferentes, como foi a experiência que irás ler. Mas por favor, mantenha o silêncio e sigilo absoluto, sob risco de não lhe confidenciar mais nada de minha vida.

8 horas de uma segunda feira. Pelo horário e o dia, notei que a trama e o envolvimento não passavam, (se concretizado) de gozo e nada mais. Chamaram-me às pressas na lavanderia, cumprindo ordens dos superiores, solicitamente apresentei-me ao serviço, o qual era solicitado por um senhor de certa idade, portador de vazio de cabelos no cocuruto da cabeça, parecido tarbusch usado pelos muçulmanos, bigode rasgando o sorriso, rosto afunilado, óculos caindo sobre o nariz adunco e grandes e lânguidas orelhas infestadas de cabelos no interior.

A moça de bela aparência, rosto maquiado, andado requebrado sobre os sapatos de salto alto, seios aprumados e que em seu íntimo, cultivava um poder de persuasão fora do comum. Ambiente devidamente arrumado, inclusive com luz de velas. O senhor, desatinado e desalentado pela ocasião, iniciou flutuando pelo mundo das improbabilidades. Corre as mãos pelas sensíveis e lisas pernas da mulher. Flutua mais um pouco e chega ao que ele mais quer, pelo menos supunha isso. Cruzam pelos contra pelos: os dela, ralinhos e diminutos. Os do bigode dele, um chumaço de piaçava. Sobressaltado, ele vai ao banheiro tomar banho, enquanto que ela aproveita para se despir. Nada habitual, mas de suas belas e retorcidas curvas senti inveja. Para mim, a cor única de bronze da face aos dedos dos pés fascinavam-me e ela, parece que foi pincelada à mão com esmalte cor de verniz.

Ele retorna do banho. Agora é ela que faz a investida, por sinal, extremamente calorosa e felina. A moça era dotada de muitas artimanhas e ardência descomunal em suas investidas. O ambiente transpirava de júbilo. Se conheço bem esse quarto, nunca houvera tanto encantamento e transgressão das mesmices e costumes por parte dela. No entanto, ele mantinha-se inerte e retraído como presa sob os dentes arreganhados do carnívoro. Nisto a parte da manhã passou. Pediram o almoço. Fartaram-se. Por ela não, mas como ele foi criado sob o bordão de que sexo com a barriga cheia é perigoso e pode ser motivo de morte, deram um tempo mirando as paredes, o espelho e a vela que esvaia-se.

Deixando-me no isolamento da penumbra da tarde, foram para a hidromassagem. Em vez de ficar contente com a saída deles de cima de mim, (principalmente dele) fiquei constrangido em não poder auxiliá-los. Alguma coisa o incomodava a ponto dele não reagir em meio aquele monumento humano.

Regressaram à tarde. O senhor vestiu-se. Ela o acompanhou, vestindo-se também. A rigor, os dois caminharam em direção à porta. Com a mão na maçaneta, ele perguntou à ela: “Quanto tenho que pagar pelos seus nobres serviços. Ela toda desconcertada, dando a entender que nada foi além do visto por mim; respondeu: “Um só minuto para eu pensar sobre o caso”. Minutos passaram-se. Ele voltou à ela: “Por favor, quanto tenho que pagar pelos seus excelentes e prestimosos serviços”. Ela fitou os olhos na vela que havia queimado por inteiro, examinou o ventilador; tateando, observou meticulosamente se eu estava molhado, consultou o espelho querendo saber quanto poderia cobrar pela obra que ele presenciara e sorrindo, um sorriso misto de encanto com perversidade, por fim, falou: “Se eu puder contar, não cobro nada; se não puder, o preço pelos serviços é 1000 contos de réis”; que foram pagos imediatamente e sem delongas. O senhor tremia dos fios de cabelos às unhas dos pés. Seu olhos arregalaram-se e o bigode eriçou-se. Embora o casal tenha retornado mais vezes, nunca soube o porquê daquela reação tão estranha.

Sendo objeto de uso deliberado, orgias e de todos em qualquer quarto, ando envergonhado e cabisbaixo comigo mesmo; pois, após anos e anos exercendo esse trabalho inglório, escuso e às furtivas, o resultado de liberar e amar o Fruto Proibido sem preservativo, aconteceu. Entrei para o nono mês de gravidez. Vitória Capitu é o nome dela e deve chegar em meados do mês que vem. O genitor comeu, lambuzou, gozou, sujou-me todo, fez-me um poço de esperma e enquanto ressonava o êxtase do último gole do amargo néctar daquele Boa noite Cinderela, ele pulou a janela dos fundos que dá para o quintal vizinho, deixando o RG na recepção, que deveras não assume a paternidade. E somente agora, com o processo de pedido de pensão alimentícia, fiquei sabendo que o endereço fornecido por ele está incorreto. Por onde andas aquele que em noites calmas e tempestuosas, mordeu o meu ventre, devorou minhas esperanças, degustou da minha íntima mocidade e dela, se fez íntimo; conhecendo de perto os sabores do que, até então denominava como o meu nobre e sublime amor? Sempre a resguardei para ofertar ao maior deus de todos os deuses do reino; porém...a vileza da insustentável leveza do ser chegou primeiro e à consumiu. E sumiu! Se souberem do paradeiro do caboclo, por favor, comunique o PA no Recanto das Letras.

PS.: Acho que o PA

enganou-se neste meu título,

porque levar a vida que levo,

em vez de Lençol mal bordado,

certamente, deveria ser Lençol bem gozado.

E por favor, basta de humilhação,

Não entenda, Lençol bem ou mal Borrado.

Perdoai, o PA não sabe o que escreve!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 15/03/2015
Reeditado em 17/04/2015
Código do texto: T5170472
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