A Balsa

Noite destas me aventurei a procurar  algo deixado lá no passado. O tempo nubla as lembranças, mas não as sensações.

Enquanto aguardava o embarque,  pessoas interessantes e pensamentos confusos transitaram sem parar na minha frente e também na minha mente.

Na segunda chamada você chegou. Devidamente identificados subimos a rampa. Queria ver os seus olhos, mas havia tantas informações à volta... minha curiosidade escondeu a ansiedade que sentia.

Na penumbra percebi um lugar acolhedor,  porém lotado. Hora de pedir uma cerveja e tentar relaxar.

Subimos ao convés e invadimos a noite. Você me apresentava cada detalhe com ânimo e fui me sentindo muito a vontade.  Fome, minha eterna companheira. Pedimos.

Tentava ainda mergulhar no seu olhar, mas a linda paisagem noturna não me permitia. (Será que fugia?)

De pratinho e garrafas nas mãos nos debruçamos no parapeito. Estávamos próximos, íntimos como nunca antes, e ainda resistia. Sua vida, minha vida. Inseguranças,  esperanças,  medos e aventuras.

O vento frio machucava meus ombros nus. Você me tocou rapidamente com suas mãos quentes para se certificar da temperatura, e eu desejei que nunca mais as tirasse, ou melhor, desejei que todo o seu braço me envolvesse... mas acabei aceitando a oferta de descermos e pegarmos mais cervejas.

Lugares disponíveis.

Encontrei o menino entre um sorriso e outro,  num movimento de cabeça,  na doçura do riso e na delicadeza de um sorriso. Mas o olhar, aquele olhar que está gravado em mim, aquele cheio de mistério e solicitações,  aquele olhar não encontrei, talvez não exista mais. Mas existe um abraço, um delicioso e acolhedor abraço de braços quentes e confortáveis.  Dali não queria sair mais, como não queria sair dos lábios. Mas foram instantes apenas.

Estávamos chegando. Precisávamos desembarcar. E desembarquei não mais à procura do passado. Este ficou lá no embarque. Agora tenho um novo olhar  para desvendar.

Somos a consequência de muitos anos e de muita vida...