È vero
Estávamos eu e Clara Castanho no meu escritório no estúdio, discutindo a participação dela em "O Paciente Polonês" (o qual ela acabaria não realizando, como já devem saber), quando, não sei bem por qual razão, começamos a falar do início da sua (ainda curta) carreira no teatro amador, mais especificamente, no Ensino Médio. Clara havia sido daquelas garotas que participavam de grupos de teatros de escola, o que por sua vez a conduzira ao teatro infantil etc.
- O que eu vou te contar não pode sair daqui, OK? - Disse-me, muito séria, me encarando com aqueles grandes e luminosos olhos cor de mel.
- Se você vai me contar algo que não quer que se torne público, já deve saber que sou confiável - respondi.
- Eu sei que é. Não que seja um assunto que possa vir a me causar constrangimentos, mas talvez crie para a pessoa em questão...
Ergui as sobrancelhas.
- Por quê? É alguém mais famoso do que você?
- Não. É exatamente o oposto. É alguém que não gostaria que fosse exposta ao público... por suas opções.
- Está bem. Não farei julgamentos de valor - prometi.
- Isso é bom... embora, de qualquer forma, eu não vá lhe dar o nome real dela.
Ah, então tratava-se de uma mulher...
- Vamos chamá-la Laura. Ela participava do mesmo grupo de teatro que eu, na escola... e eu era o crush dela.
Isso não chegava a ser propriamente surpreendente. Clara Castanho flertava com a comunidade LGBT, embora não fosse uma ativista e nunca tivesse sido noticiada como tendo envolvimento afetivo com mulheres. Mas era notável que isso já houvesse se manifestado enquanto ela era ainda adolescente...
- E a Laura ficava te assediando?
- Não. Laura era muito discreta e não dava bandeira... mas ficava por perto, com aquele ar de cachorro que foi posto pra fora de casa.
- Pedindo sem pedir.
- Isso mesmo. Deve ser horrível, né? Você ser apaixonado por alguém que vê praticamente todo dia, e saber que nunca vai rolar.
- Eu imagino... mas o que aconteceu? Ela agarrou você à força?
Clara deu a sua risada musical.
- Não! Não! Nem pensar...
Ficou em silêncio por alguns instantes. Depois, voltou a falar, devagar.
- Íamos encenar uma adaptação da "Divina Comédia"... eu peguei o papel de Beatriz...
Fez uma pausa.
- A Laura lutou para ser Dante.
- Laura queria fazer um papel masculino? - Indaguei intrigado.
Clara balançou a cabeça, em concordância, e acrescentou.
- Havia um beijo no final da peça.
- Oh - foi tudo o que consegui dizer.
Clara suspirou.
- Eu disse ao diretor que por mim, tudo bem. Laura era uma excelente atriz.
Inclinei-me e fiz um carinho nos cabelos de Clara.
- Você é uma boa pessoa, Clara Castanho. A melhor escolha possível para ser a Beatriz de Dante.
Clara sorriu para mim.
Um sorriso triste.
- [15-12-2017]