O Homem Vazio

Esta historia começa há dez anos, quando Zelão perdeu a esposa para uma horrível doença depois de difícil batalha. Zelão fico viúvo e sem filhos, porem aquilo que para muitos seria um caminho duro porem quando equilibrado se volta mais forte e com uma certa confiança de voltar a viver com alegria novamente. Para Zelão era uma tarefa quase que impossível.

Ele sempre fora muito tímido desde a infância, evitava aglomerações evitava polemicas. Era um recluso durante a adolescência, foi nesta época em que passara de um "garoto fofinho" para um "rapaz um pouco acima do peso" e quando se formou já era "obeso".

Para Zelão este detalhe nem parecia afetar sua vida uma vez que sua inabilidade social o privava de qualquer situação vexatória. Esta inaptidão para tratar com o publico e ainda mais de forma invasiva foi o fator central para seu fracasso como advogado. Durante todo o curso a literatura era aquilo que mais lhe prendia a atenção, leis definitivamente não eram o seu forte. Mas como era uma vontade do pai assim ele fez e quando se formou entregou o diploma ao pai em sinal de missão cumprida.

Foi por essa época que conheceu Isabela que era uma mulher muito resolvida e (esta sim(, exercia a profissão de advogada com muita presteza. Durante os cinco anos em que estiveram casados Zelão nunca descobriu o que a esposa vira nele, mas se contentava em ter alguém que se importava ao seu lado seja qual fosse o motivo.

Depois dos cinco anos de felicidade e uma cumplicidade alegre veio a doença e por fim a morte da esposa...

Durante os dez anos que se seguiram muita coisa aconteceu com Zelão. Ele se viu órfão, seu pai e sua mãe morreram com meses de diferença. Passou um luto curto pois logo começou a trabalhar com vendas, sempre sem muito sucesso era o custo de se ver longe dos doutores e dos jargões de advocacia. Continuou sozinho, o trauma da viuvez havia sido muito grande.

Agora com cinqüenta e três anos, usando sempre uma calça jeans surrada que vivia caindo exigindo dele movimentos contínuos para segura-la na cintura. Zelão alegoricamente caminhava desengonçado em frente na vida rumo a sua extinção.

Vivia com humildade digna, morava em um apartamento pequeno que haveria de pagar ate o fim de sua vida, possuía um carro velho porem quitado e sempre estava buscando novas oportunidades de representante de vendas.

Nas estradas ligava o radio e cantava alto em português ou seu inglês inventado, descobria restaurantes escondidos que eram baratos e que ofereciam pratos maravilhosos. Sabia das estradas onde era possível economizar muito combustível descendo quilômetros na banguela. As vezes parava para ajudar alguém nestas viagens outras vezes era ele quem precisava de ajuda, o macaco quebrara, estava sem gasolina e estas coisas que quem trabalha viajando conhece bem.

No carro havia um segredo que ele guardava como amuleto da sorte, uma foto que batera com Isabela na Praia Brava durante a Lua de Mel, um recanto muito bonito no litoral e pouco conhecido. A foto ficava o tempo todo no porta-luvas. Não era preciso tira-la a todo momento, bastava saber que estava guardada ali perto que o mundo parecia fazer sentido.

Zelão já estava acostumado com a sua rotina e depois de alguns anos as viagens eram um tanto monótonas. Um dia reparou que o radio estava quebrado e ele nem dera por falta. Acordava em algum hotel para caixeiros viajantes ou acordava no apartamento tudo parecia o mesmo. Os dias iam aos poucos virando uma massa disforme. Todos os dias poderiam muito bem serem trocados que não existia mais diferença alguma, a rotina mantinha o mundo virando e esta não podia parar.

Foi neste estado de amortecimento que numa viagem de trabalho acabou por parar em um Shopping Center em uma cidade do litoral. Zelão vendia desta vez produtos de limpeza industrial, desceu arrumou as calças e ajeitou os prospectos na pasta, seguiu para o ambiente artificial e cômodo do templo capitalista.

Qual foi sua surpresa o calor que fazia dentro do Shopping...o ar condicionado devia estar em manutenção.

Bufando e suando em bicas Zelão segurando as calças encostou no balcão de informações. Viu entretida com um celular a atendente, uma moça de pouco mais de vinte anos muito bonita. Esperou alguns instantes para ver se ela se dava por conta, que nada, ela estava em outro mundo teclando com um rosto concentrado.

Zelão resolveu chamar a atenção e fez uma mímica de como se estivesse preso do outro lado de uma parede de vidro, a palhaçada surtiu efeito a mocinha logo reparou, sorriu envergonhada e encostou o celular para atender aquele senhor.

Trocaram algumas amabilidades corriqueiras e falaram do calor que fazia ali dentro, enfim Zelão perguntou pelo setor de compra e logo foi indicado o caminho que deveria tomar.

Zelão foi andando e como sempre subindo as calcas, desta vez com uma parcimônia, temia que a garota bonita estivesse olhando e se sentiu meio abobalhado. Assim que entrou no elevador pode olhar de longe o quiosque de informações e viu que ela sorria, acenou e ela acenou retribuindo o gesto amigo.

Sozinho dentro do elevador, pensou em como era ridículo, em como uma pessoa tão mais jovem que ele o deixava completamente desarmado, em como era velho e gordo mas acima de tudo como não possuía habilidade social nenhuma. Com as vendas era diferente, funcionava como um roteiro e ele representava uma outra pessoa, era um personagem que estava presente. Foi este personagem quem desceu do elevador indo ao setor de compras.

Assim que saiu do setor voltando ao elevador, depois de um venda bem sucedida estava mais aliviado, mais confiante. Pensou em uma desculpa qualquer só para falar com a mocinha bonita do balcão de informações e assim o fez.

Ficou sabendo que ela se chamava Luciana que fazia o primeiro ano de letras e que tinha acabado de terminar com o namorado, por isso aquele tempo todo no celular, depois foi informado sobre um hotel não muito caro que ficava ali perto, muito agradecido Zelão desejou que o ar condicionado voltasse logo a funcionar e disse que talvez voltaria dentro de um dia ou dois para acertar detalhes da venda. Despediram-se novamente.

Zelão foi deitar aquela noite no hotel, havia algumas empresas para visitar na região, fez algumas ligações, alguns pedidos e em seguida ficou em silencio no quarto. Era um daqueles momentos contemplativo que não lhe aprazia, pensar em si mesmo era dolorido demais. Levantou-se da cama onde estava sentado e foi ate a sacada, debruçou sobre ela e ficou a ver o movimento da pracinha bem em frente ao hotelzinho.

Ouvia partes de conversas pescadas das calcadas logo abaixo, via os carros passando vagarosamente pela rua estreita, e acompanhava uma pequena matilha de cachorros que vagava por ali. Zelão pensava em como devia ser viver ali naquela cidadezinha simpática não muito grande onde existiam cursos técnicos e ate mesmo a faculdade de letras. Depois lembrou-se de Luciana, e pensou que neste horário devia estar na sala de aula, pensou em como devia ser a vida dela ali e se deixou ir por esta toada criando historias ate cair o sono e ir deitar.

No dia seguinte Zelão já estava na rua fazendo visitas a algumas empresas da região, fez muitos contatos bons e algumas vendas pequenas, passou o dia sem comer e nem tinha esta fome toda devido ao calor forte que não dava tréguas.

Já estava para voltar para o hotel e teve o impulso de ir tomar um sorvete no Shopping que não era muito longe. Entrou e logo viu que não havia ninguém no balcão de informações, um tanto frustrado foi ate uma sorveteria e pediu um milk-shake de morango, em seguida foi sentar-se. Estava concentrado e em devaneios distantes quando uma mão tocou no seu ombro, era Luciana que tivera a mesma idéia na saída do trabalho. Ela perguntou se podia sentar ali e os dois entabularam uma animada conversa.

Zelão perguntava como estava o curso e a nova vida de "solteira", Luciana parecia se divertir muito e contava de sua vida simples e sem grandes apuros, de seus sonhos mais distantes e dos mais próximos, entres eles havia um que não parecia tão impossível assim:

-Meu sonho era conhecer a Praia Brava!

-A Praia Brava? - indagou perplexo Zelão - Ela não fica tão distante assim, deve ser cerca de duas horas daqui!

-Eu sei, mas sempre que eu estou para ir algo acontece e eu nunca fui, alem do mais o acesso é difícil segundo falam por ai.

-Eu já fui uma vez, mas faz tempo...

-Você já foi? - Luciana parecia assombrada só pelo fato do forasteiro saber onde era a tal praia.

Zelão não entrou em detalhes e contou como eram claras as águas de como havia por toda a região um areia muito fina que zunia ao ser pisada e que acima da areia havia uma floresta linda com arvores robustas mas que o grande diferencial eram as pedras nos dois lados da baia, pareciam pilastras saindo do mar, como restos de alguma civilização antiga.

O apelo da imagem era forte e Luciana parecia muito tentada mesmo e ir a Praia Brava, o próprio Zelão sentia isso mas jamais faria um convite assim para uma pessoa tão mais nova que ele e ainda por cima praticamente uma desconhecida. Limitou-se a olhar para o vazio e dizer que valia a pena.

Luciana era uma garota muito guiada pelas emoções e quando estas vinham bater-lhe ao peito nada existia que não pudesse ser feito. De algum modo que não entendia bem, confiava neste senhor mais velho. Ele lhe inspirava confiança e era jovial em suas maneiras. De impulso pediu Luciana que a levasse a Praia Brava algum dia.

Zelão ouviu aquele pedido e pensou em como ela era imprudente mas via nos olhos dela uma alegria enorme, um sorriso infantil e sentiu um misto de sentimentos. Um encantamento pela aura repleta de vida que ela lhe inspirava, de um alguém que tem planos futuros e muitas coisas boas a serem vivenciadas, um cuidado e um zelo quase que paternal afinal ela tinha idade para ser sua filha. Neste cuidado "paternal" se concentrou Zelão, afinal jamais depois de sua esposa havia despertado o interesse algum de mulher alguma, no fundo mais obscuro de sua alma, imaginava naquele gesto um sinal de "interesse romântico". Bateu-lhe um acanhamento de dar vertigem ao assumir para si mesmo que existia mascarado de cuidado paternal algum interesse sim, mas da parte dele. Não como agente que vai as conclusões, mas como um observador passivo que apenas guarda para si mesmo este amor impossível senão ridículo para um homem de sua idade.

Combinaram da seguinte maneira, Zelão ficaria ate sexta-feira trabalhando e iria embora da cidade no sábado, mas devido ao pedido estenderia a permanência na cidade ate sábado desta forma iria levá-la a Praia Brava no sábado e partiria no domingo. Ficaram de se encontrarem no hotel de manha em torno das nove horas da manha.

Com grande contentamento continuaram a conversa e antes de partirem Luciana mais uma vez afirmou o combinado.

-Olha que eu vou mesmo hein? - disse na hora da despedida.

Zelão voltou aquela noite para o hotel com a cabeça cheia, subia-lhe uma euforia que não sentia há muito tempo, seguido por um medo visceral do desconhecido, demorou muito a dormir.

Acordou na sexta em frangalhos, havia apenas dormido aos picados. Não tirava da mente a imagem da garota e tudo que a imagem evocava para Zelão, simplicidade, humildade, alegria infantil e também aquele ideal romântico do qual era vitima desde os tempos de escola, a devoção a pessoa amada acima de seus próprios interesses.

A sexta-feira se mostrou muito produtiva, entregou-se ao trabalho como um Hercules do mundo dos negócios, visitava empresas falava ao telefone, botava pessoas em contato, fechava vendas altas tudo para esquecer da bobagem do dia anterior.

Quando percebeu já era hora de voltar e descansar, a esta altura estava convencido de que tudo no dia anterior na conversa com Luciana fora apenas um sonho de uma menina impulsiva e que na manha seguinte ela não apareceria, mas por vias das duvidas comprou uma bermuda caso fosse entrar no mar.

Estava tão cansado que ao bater na cama dormiu. Acordou um pouco tarde, em breve seria o horário combinado. Resolveu colocar a bermuda uma camiseta e esperar ao menos uma meia hora, caso ela não viesse iria embora rindo de sua ingenuidade.

Quando desceu porem, se deparou com Luciana que já estava o esperando. Ela usava um chapéu enorme e um óculos igualmente grande, estava com uma canga e uma bolsa cheia de lantejoulas muito velha.

-Achei que você iria fugir! - ela exclamou rindo

Zelão ficou muito surpreso e disse que jamais iria fugir e perder essa oportunidade de voltar a Praia Brava depois de tantos anos ainda mais com uma companhia "bonita e simpática" como ela. Mantinha-se um cavalheiro, tinha horror em pensar em qualquer outro sentimento com relação a garota, tinha horror do velhaco cheio de vícios de seu próprio suor nauseabundo de sua existência patética.

Sob o signo de patético entrou com ela no carro, e partiram juntos rumo ao dia radiante de céu muito azul.

Durante a viagem ela contou sobre sua vida e família, dos problemas sérios que enfrentava, da separação recente dos pais e do namoro que terminara devido a infantilidade do ex-namorado.Zelão ouvia e tentava orientar de alguma forma com conselhos que ele mesmo nunca seguira na vida, outras vezes só ouvia e aliviava o clima pesado com alguma piada boba que se tornava mesmo engraçada.

Estavam agora descendo a montanha em uma estrada de terra muito precária e cheia de curvas perigosas a beira de barrancos muito altos, era o caminho final ate a Praia Brava. Em alguns trechos Luciana entrava em pânico e quase chorava pedindo para voltarem porque o carro ia cair. Habilidoso motorista que era Zelão ria calmo e continuava explicando que ate caminhão podia passar ali.

Por fim chegaram a Praia Brava.

O cenário era paradisíaco, pouca coisa mudara da ultima vez que Zelão estivera naquele lugar. Existiam agora algumas casa luxuosas escondidas no meio da mata exuberante, deviam ser casas que burlavam a lei para que tivessem sido construídas ali. E um quiosque muito rústico mas que servia bem aos poucos que tinham acesso a praia. O mar era de uma água muito clara que ficava entre o verde mais próximo da praia e um azul profundo nas regiões mais afastadas.

Haviam poucas pessoas por ali como era de se esperar, um casal de idosos que passeava distante e um grupo de surfistas não muito longe do quiosque.

Luciana ria alto olhando toda aquela beleza junta em um lugar só. Repetia para si mesma em voz alta em como aquele lugar era bonito e fez isso varias vezes, depois olhou para Zelão com ar de cumplicidade.

Deixou os apetrechos na praia, toalha bolsa chapéu e óculos, ficou somente com o biquíni. Sem inibição alguma convidou Zelão para entrar na água, ele recusou de momento pensando que toda aquela falta de inibição que era algo intrínseco nele devia ser fruto da infantil naturalidade com que Luciana vivia a vida.

Ele ficou sentado na areia refletindo a brancura cadavérica que lhe era peculiar, pensou na situação de estar ali naquele lugar belíssimo e acompanhado de uma pessoa tão especial como esta garota parecia ser. Ela era alguém que olhara para ele, não como um vendedor ou como um papel social qualquer, ele era uma pessoa com quem valia pena viver um dia destes, uma pessoa para ir a praia e se divertir.

O pobre coração de Zelão dava sinais débeis de vida, muito cambaleantes devido a falta de treino mas se movia e isso provocava uma autocensura absurda nele, como se isso fosse o fim de sua vida. Deixou então ser invadido pelo sonho romântico, afinal a praia era somente deles hoje.

Depois deste pensamento Zelão tomou coragem, jogou a camiseta na areia, foi correndo ate a água cristalina e com um mergulho espalhafatoso acompanhando de um grito de vitoria sumiu no meio da onda que se formava.

Os dois se divertiam no mar pulando ondas, nadando e conversando sobre muitos assuntos. Zelão se sentia muito a vontade com a garota e ela por sua vez contava segredos e medos que eram então repartidos.

O dia passava rápido, no meio de idas e vindas em direção ao mar. Um pouco cansados resolveram ir ao quiosque onde Zelão pediu uma caipirinha, seu intuito era tentar apimentar um pouco aquele encontro que já lhe parecia mais que um sinal de qual o caminho que devia tomar. Luciana pediu uma garrafinha de água gelada, não era de beber explicou. Este fato o deixou confuso por uns instantes, seria um sinal? Tudo parecia ser um sinal neste dia diferente de tudo que ele já vivera.

Foram sentar-se a uma mesa na areia debaixo de uma arvore muito grande que Zelão não conseguiu identificar.

Ali neste lugar ao som das ondas quebrando distante, por alguns segundos se entreolharam.Zelão como sempre não sustentara o olhar, desviou o seu com medo.

Luciana agradeceu muito o passeio e a amizade especial que fizera com ele, disse que sempre contasse com ela para tudo e que ele era especial. Esperava que logo estivesse de volta na cidade.Depois reclamou do ar condicionado do emprego e que teria que trabalhar no dia seguinte: "Logo no domingo!"

Antes de partirem já no fim de tarde, Zelão chamou a menina para irem ver as colunas de pedra no final da praia. Andaram uns momentos e chegando a base das colunas se maravilharam ao ver o céu em um tom rosado. E sentiram as ondas brancas e espumantes geladas que cercavam as pedras negras.

Subiram em um das pedras em especial que Zelão logo explicou que esta em determinada hora do dia ficava completamente exposta.

Novamente ela agradeceu e disse que o dia fora mesmo especial que a ajudara a decidir muitas coisas para continuar seguindo o rumo da vida. Zelão se mostrava alheio, não pretendia de forma nenhuma externar qualquer sentimento mas estava muito contente, se sentia vivo de novo!

Voltaram discutindo sobre musica e filmes o tempo voara e quando viu Zelão já estava para se despedir ainda dentro do carro, pensava em falar algumas palavras mas subitamente Luciana lhe roubou um beijo rápido no rosto e antes que ele falasse qualquer coisa já estava ela na calcada indo em direção a sua casa.

Zelão voltou ao hotel, partiria o dia seguinte no domingo. Os momentos vividos se repetiam em sua mente por varias vezes, a cada lembrança uma pequena modificação, as vezes ele era humilhado outras exaltado por Luciana. Entre sonhos complexos que se desdobravam e se misturavam com pedaços de lembranças e esperanças, Zelão adormeceu como um ferido de guerra.

Acordou perto das dez horas da manha, estava estranhamente contente, a imagem da garota feliz e toda bondade afastou a morbidez habitual que parecia ate então ter se instalado de uma vez por toda em sua alma. Se encontrava irremediavelmente enamorado desta criatura gentil que o tomara de assalto em poucos dias.

Zelão despediu-se alegre e brincalhão de todos no hotel, voltou a colocar o calção de banho e uma camiseta. Parou em uma lojinha e comprou um óculos, estava andando nas nuvens.Como o dia estava bonito e era domingo! Luciana a contragosto devia estar trabalhando como lhe explicara na véspera.

Resolveu o contente vendedor seguir para o Shopping e se despedir propriamente da mocinha.

Desceu lampeiro do carro, não antes de olhar no espelho se parecia apresentável. Subiu as escadas lépido como nunca e adentrou o calor do shopping, o ar condicionado ainda estava quebrado pelo jeito.

Logo avistou Luciana que lhe acenou contente, ela falava com alguém ao telefone.

-Ola Luciana, vim dizer um tchau antes de voltar para casa! Que azar hein? o ar ainda esta quebrado! - Zelão procurava ainda alguma pista ou ter a oportunidade de falar sobre como se sentia.

Luciana radiante e sem comentar nada a respeito do ar-condicionado, compartilhou uma ótima noticia para com o amigo Zelão:

-Adivinha? Você nem tem idéia...meu namorado voltou comigo! - claro que esta exclamação teve todo o contentamento de quem reata o namoro com quem realmente ama, mas não somente isso, tinha a energia vibrante de uma juventude toda pela frente.

Zelão recebeu a noticia com surpresa e demonstrou-se muito contente com isso, disse que era mesmo uma boa noticia e que estava feliz por ela. Morria silenciosamente por dentro.

Com um abraço mecânico disse adeus, desceu as escadas e entrou no carro calado. Estava bastante perturbado, respirava fundo, sentia os olhos marejarem a todo momento e a garganta encolher perante o sentimento reprimido.

Foi deixando a cidade, dirigindo em silencio tentando afastar os pensamentos, rilhando os dentes e sentindo vertigens esporádicas.

Resoluto tomou sentido do trajeto que fizera no dia anterior com a garota alegre, bonita e encantadora.Todo trajeto era um fardo, pois era lembrado com detalhes por Zelão, os gestos as conversas. Desceu mais uma vez a serra pela estrada de terra e riu lembrando do medo infantil que Luciana sentia, depois franziu a testa em reprovação pela própria atitude.

Quando chegou a praia, abriu o porta-luvas e tirou a foto que batera com a esposa há anos. Olhou bem para ela e depois correu ate os pilares de pedra na ponta da baia.

O sol deste dia de domingo estava entre nuvens que anunciavam uma chuva. O lugar diferente da véspera estava vazio, ventava muito. Zelão corria com a foto nas mãos os pilares estavam distantes, e por mais que corresse parecia que nunca se aproximavam.

Por fim chegou a pedra que por vezes ficava fora d'água, e foi assim que a encontrou.

Ofegante se ajoelhou diante dela e olhou intensamente para a foto que tinha nas mãos, ele e a esposa sentados na pedra, nesta mesma pedra...

Zelão parecia querer entrar na foto, enfim se deixou tomar pela angustia enorme que sentia e entre soluços falou aos ventos e aos pássaros que poderiam o escutavam:

-Meu Deus, eu não me lembro dela...eu não me lembro mais dela...

Amassou a foto entre as mãos e soltou-a na corrente das águas.

Jose de Assis Carvalho
Enviado por Jose de Assis Carvalho em 14/03/2018
Código do texto: T6279199
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.