As montanhas atrás da igreja

Da cama de cima Rosa conseguia ver as montanhas que ficavam atrás de uma igreja a qual não sabia o nome. Ela uma igreja próximo ao hospital São Vicente de Paula, na Tijuca. No pico da igreja incluíram a imagem de quem, Rosa acreditava ser a N.Sra. da Medalha.

Mas ela já não mais pensava na santa. Rosa se esticava na cama, às onze da manhã de um domingo que todos não mediram esforços em dizer o quão estava bonito.

Na noite anterior ela foi para uma pequena comemoração do aniversário de sua afilhada, em Campo Grande. Ela tomou o trem na estação São Cristóvão, sozinha, apesar dos seus amigos terem lhe oferecido carona. Ela queria pensar em todas as pessoas que estariam ali, naquele trem, sem se conhecerem, mas compartilhando do mesmo fim. Sem conversarem, apenas tomando o mesmo rumo.

Rosa ainda não havia comido nada, por isso comprou um pacote de biscoitos amanteigados é uma água. No trajeto até a estação, um grupo de crianças de aparentemente oito ou nove anos de idade lhe pediu o pacote de biscoitos. Rosa o doou. Tomou o trem. Se acomodou no espaço entre um vagão e outro. Percebeu que não observava as pessoas, já não queria mais aquela velha mania de tentar desvendar seus sentimentos. Seu celular tocou, era um rapaz irlandês chamado Nicholas. Ela o ouviu. Respondeu. Talvez não tivesse o que responder, mas o fazia de bom grado.

Nicholas estudava publicidade e propaganda pouco mais de um ano, no Brasil. Ele falava bem o português, e ajudava Rosa com o inglês, e é tudo.

Embora Nicholas tentasse, suas tentativas era sempre frustradas. Aparentemente nada mais atingia a menina de olhos amendoados. Agora, ele desejava vê-la, como sempre a desejou, mas ele ouvia muito sobre como "o coração é terra que ninguém conhecê", dizia sua avó de origem francesa.

Rosa desligou o celular, continuou a viagem, e desceu na estação de Campo Grande. Tomou uma van, desceu na estrada da posse, e caminhou até o salão. Ainda não haviam muitas pessoas no local. Isis a recebeu, a abraçou, a repreendeu por não ter aceitado a carona. Não demorou muito e os convidados foram chegando. Rosa se comprometeu a serví-los. Cumpriu fielmente. Passou a festa servindo. Sorria. Cumprimentava seus amigos, e os que não eram. Quando sua amiga Glória chegou com seu namorado, a abraçou. Seu abraço é tão confortável, disse Rosa à Glória. Ela retribuiu com um sorriso.

No fim da festa já não tinha o que esperar. E o que ela poderia ter esperado? Rosa já não se aproximava mais do celular, que deixou jogado em cima de uma das mesas. Ela recebeu sua sobrinha nos braços, dançou com ela, recebeu alguns beijos. A criança chorou quando Rosa decidiu ir embora. Glória a ofereceu uma carona até a estação. Quando chegou já não haviam mais trens. Rosa tomou um ônibus na rodoviária.

Ao se sentar em um dos bancos percebeu que as coisas não possuem sentido único, é isso a confortou. Não que houvesse um caminho existencialista em sua mente, mas que motivos poderiam existir aqui? - ela pensava.

Todavia pensava sobre o seu túnel escuro de egoísmo, de onde saiu algum tempo atrás. Ela pensava no quanto passou a perceber as coisas sobre isso. Dessa forma, Rosa pôde perceber que todas as pessoas sentem. Pensou na noite anterior, quando conheceu uma menina que todas as pessoas diziam estar sempre feliz, mas que no banheiro de um bar na região da Lapa a menina se sentiu acolhida nos braços de Rosa, enquanto chorava confessando sua história de vida. Ou quando alguém, que ela acreditava querer lhe prejudicá-la, a ouviu e a aconselhou muitas das noites que chorava. Odeio te ver sofrer, dizia o colega de quarto da sua amiga, enquanto ascendia mais um cigarro, bloqueando a porta da sacada. Ou quando essa amiga, que dividia o quarto com esse rapaz, chorou por quase uma semana por não querer amar um cara que a fazia sorrir. Ou por ouvir esse mesmo cara, que não sabia o que fazer diante dessa situação. Ou quando o homemate desse cara, sofria pelo fim de seu relacionamento, enquanto uma amiga não dava espaço para pensar sobre o assunto. Ou quanto essa amiga, sofria por não aceitar seu corpo já reformado por várias cirurgias. Ou quando o médico que fez as cirurgias...

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 27/05/2018
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