Éramos quatro amigos inseparáveis: Gegê(Geraldo), Cacá(Carlos), Pepê(Pedro) e eu, Janinho(Jânio). Nascemos no mesmo ano e desde que eu me entendo por gente, meus três amigos sempre fizeram parte da minha vida. Ficamos conhecidos na pequena cidade praiana onde morávamos como os quatro mosqueteiros ou para alguns os quatro pestinhas. Nós aprontavamos muito, tenho que admitir. Onde um estava os outros também estavam. A frase "mexeu com um, mexeu com todos" com certeza foi inventada por nós. Éramos irmãos de coração, por opção.
          Aos 50 anos senti  a necessidade de passar a vida a limpo, falar sobre o passado e um amigo deu-me um conselho: Cara, você é um escritor. Escreva um livro sobre a sua história com seus amigos, conte sua versão, o que você sentiu e o que sente hoje. Desabafe. Após esse conselho, lembranças que estavam adormecidas vieram a tona: Lembranças doces, lembranças amargas, sonhos que se realizaram, sonhos que nunca se realizaram, promessas não cumpridas e meu sentimento de culpa.
          Escrever o livro foi difícil e muitas vezes tive que parar porque estava chorando, mas meu amigo estava certo: Desabafar me fez bem. Lembranças dos passeios de bicicleta, hora do recreio, brincadeiras na praia, pescarias, festas de aniversários, participação na procissão de Santo Antonio, festas juninas, carnaval, pique - esconde, primeiro beijo, primeiro amor, primeira transa. Nós nos protegiámos e mesmo que fossemos torturados, um não entregava o outro. Sou filho único e nunca senti falta de ter um irmão.
          Essa foi a nossa última foto juntos. Foi tirada no dia 1 de janeiro de 1984 às sete horas da manhã, por uma pessoa que passava ali na praia. Saímos da festa de reveillon, pegamos um garrafão de vinho e fomos para a praia beber. Naquele janeiro íamos fazer vestibular e provavelmente nos separaríamos por um tempo. Sentados na areia conversamos sobre nossos sonhos, o futuro e fizemos um pacto: Acontecesse o que acontecesse, nada iria nos separar, acabar com a nossa amizade. Demos um abraço coletivo, a foto foi tirada e entramos no carro que meu pai tinha me presenteado no natal para voltar para casa.
          No caminho de volta cantávamos alegres, quando de repente uma mulher surgiu na estrada, eu me assustei e ao tentar desviar dela, perdi o controle do carro, que capotou várias vezes. Carlos estava na frente comigo, foi jogado para fora do carro e morreu na hora. Fiquei desacordado e só fui recuperar a consciência cinco dias depois quando meus pais me deram a notícia da morte de meu querido amigo. Gegê teve de ser transferido para o Rio e Pepê ficou vinte dias em coma. Saí do hospital quinze dias depois e meus pais me levaram para São Paulo pois todos na cidade estavam me culpando pelo acidente. A mulher da estrada nunca apareceu. Antes de ir embora visitei os pais de Carlos e chorei muito. Eles me abraçaram e ainda me confortaram. Por fim passei no cemitério e rezei no túmulo do meu amigo
          Nunca mais os mosqueteiros se viram. Seguimos nossas vidas, nossos sonhos e nunca soube o que Gegê e Pepê pensavam sobre o acidente. Tenho certeza que lêem notícias sobre mim na mídia, mas nunca me procuraram. Carlos era o mais doce, o mais sonhador dos mosqueteiros e queria ser professor.
          O livro Amigos Para Sempre ficou pronto em apenas três meses. Não mudei nomes, nem situações, nada. No último capítulo contei minha versão do acidente, como me senti todos esses anos e terminei dizendo que eles seriam meus amigos para sempre. Dei também uma longa entrevista em um programa de televisão. Na noite de autográfos Gegê e Pepê apareceram no final. Faziam 31 anos que não nos falávamos. Ficamos nos olhando por um tempo e emocionados demos um abraço coletivo. Como foi bom sentir o abraço dos meus amigo depois de tantos anos.
          Os mosqueteiros passaram a noite matando a saudade, colocando o papo em dia e soube que eles nunca me culparam pelo acidente, apenas souberam que eu tinha saído da cidade sem falar com ninguém. No final de semana seguinte voltamos a nossa cidade e pareciámos crianças visitando lugares onde tínhamos sido tão felizes. Na mesma praia do nosso último encontro sentimos a presença de Carlos nos abraçando e fizemos um brinde em sua homenagem.  
          Aconteça o que acontecer, nada separa os  mosqueteiros. Estávamos cumprindo nosso pacto.
José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 09/07/2018
Reeditado em 09/07/2018
Código do texto: T6385730
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