O Bailarino

Até o próprio irmão que se julgava um galã irresistível, vez por outra deixava escapar uma expressão de inveja, principalmente quando diante de seus olhos ele as arrebatava nos braços, as mais disputadas jovens, assim vistas como as de mais estonteante beleza nas festas dançantes em que marcávamos presença, fosse qualquer salão, sobretudo porque elas mesmas haviam se esforçado para que os convites caíssem nas mãos do inigualável dançarino.

O irmão era bom, mas não lhe chegava aos pés, porque ele as fazia rodopiar, girar entre luzes de sonho, embalava-as trocando passos com tal leveza que as extasiava, como se estivessem a voar sobre as flores de um imenso campo, em perfeita comunhão com o ritmo da música que os enlevava. Talvez elas estivessem a recordar algum momento em que já haviam vivido a plenitude de um amor que brotara no passado, no enlaçar de suas cinturas pelo príncipe de suas quimeras.

Sublimava-se o bailarino naquele prazer, mórbido prazer, pois sabia quão efêmero era o sonho de cada uma delas, a colocar em questão a vez de dançar com o sedutor dos salões, todas a aguardar pacientemente o momento de sorver um pouco do seu veneno, a dose certa que as fazia entrar no torpor endoidecido, prostradas ao seu abraço, a enaltecê-lo na aura dos perfumes femininos. E ele a dar-lhes em troca tudo de si, toda a sua paixão, e o calor de seu corpo a desfazer-se em gotículas.

Terminado o baile elas desapareciam como borboletas assustadas a vaguear além das sebes do seu domínio. E o irmão a caçoar, fazes o papel de um gigolô fracassado, deixaste-as escapar todas elas, pudera, és feio demais para conseguir enlaçar de verdade pelo menos uma. O que te falta é um charme atraente como o meu, és muito presunçoso, gostarias de estar no meu lugar, retrucava ele. E quem tem inveja de um feio? Rebatia o irmão e assim ficavam a trocar provocações continuadas entre tacacás, tapioquinhas com manteiga e cafés, ou se muita a fome, entre pratos de macarrão, tomate e ovos em banca de comida na feira de Santa Luzia, varando madrugada adentro, até chegarem em casa onde caíam em suas camas feito dois bêbados extrapolados até o dia seguinte, em que só levantavam às custas das advertências da mãe a cumprir a ordem do padrasto que lhes dava a casa para morar. Acorda-os, dizia o velho, chega de vagabundagem.