Aquela noite de baile, O baile dos amantes

Naquela noite, era uma única noite. Após todos os episódios, pesares, alegrias e tristezas, entrava-me no último baile escolar, nervoso, inquieto, cansado e ansioso para aquele dia chegar, aquele momento era único, não poderia desperdiçar nada e aproveitar cada instante com carne, suor, lágrimas e sangue.

A liberação do hospital tinha sido um sucesso ou talvez alguém mexera os pauzinhos para aquilo acontecer, para que tudo coincidisse a existir, cada minuto era uma eternidade, cada espera uma morte, até vê-la em minha frente. O vestido vermelho como sangue em uma rosa, os cabelos dourados que cintilavam como El Dourado, os olhos azuis como o céu mais límpido que existiria numa mínima grama de pureza nesse mundo, as mãos pálidas que sobressaltavam pequenas veias, tremia, não de medo, mas de alegria de conquistar um sonho.

Toco-lhe a mão e a recebo em meus braços, toques suaves, fracos, verdadeiros e com toda certeza eu me sentia amado, toda a desgraça havia sido pisada com aqueles toques, dedos entrelaçados, olhos nos olhos, uma alma só, embrulhada como um presente de natal, velho sentimento e ano novo. Andávamos devagar pois o tempo não era nosso inimigo naquele momento, não existia tal paz e tal conforto em nenhum coração materno, nem mesmo após uma guerra sucederia o sentimento de vitória, a conquista e a liberdade. Novamente nos vimos em pé um do outro, sem apoios, sem amarras, sem desgosto ou amargor, apenas dois corpos vestido de alma nua, enquanto davam passos um para o outro ao ritmo da dança, sentia-me o homem mais sortudo do mundo, transformava-me no jovem do amor, até a primeira tosse.

Nosso ritmo enamorado havia sido interrompido por tosses abafadas nas luvas brancas, tomando o tom carmesim da vida, sangue. Pedia-me para que não se preocupasse, eram efeitos colaterais que viriam a acontecer, mas meu coração não sentia o mesmo, aquela calma não me enganaria com o tremor em sua voz, o temor de quem não quer partir, não por arrependimento, mas por que mudaria o jovem. Numa música mais lenta, chegávamos mais perto, peito a peito num mesmo ritmo cardíaco, eu estava embebedado de sentimentos, transbordava paixão e me afogava num leve desespero sabendo que aquilo não seria eterno, horas passavam, minutos se matavam, mas a noite ainda se considerava imortal. Tinha-se uma velha música, violino castigado nas cordas, sinfonias únicas, violão leve ao sopro dos ventos das flautas, a nostalgia do Cordas de Ouro e sentir-me o próprio maestro, dono da canção mais bela da vida.

Meus sentimentos viam-se quebrados por um momento, lágrimas suicidavam dos nossos rostos, havia anseio dos nossos lábios secos de instantes e molhados de clemencia um do outro. Seus cabelos balançavam como a balança da Justiça em si, trazendo equilíbrio do puro ouro, cega das mentiras que a tornavam inabalável, mas aquela espada de sua força me apunhalava como um ladrão foragido, por que havia de acabar.

Chorávamos, apertávamos o coração um do outro, estrangulávamos a nós mesmos por romance, necessidade da vida, força de vontade e rejeição de despedidas, queria motivos, vontades e desejos de querer ser perfeito sem ela, viver sem seu toque, seu sua alma aconchegando a minha, não queria me rasgar para deixa-la ir, atender ao objetivo final das divindades, amar-se sem a ti mesmo e, por fim, dizer-lhe que aquele adeus era apenas um tchau, nessa encarnação.

De repente suas mãos foram sequestradas das minhas, seu corpo rodopiava para a porta e eu havia me tornado atônito, sentia como escorpiões violentos em meu bolso, querendo sair para se matarem por sobrevivência, mas as forças das mãos foram tomadas por peso, o peso de uma mente que afunda o corpo, queria ter dado aquela caixa em suas mãos para que ela repensasse em sua jornada, lembrar de mim não apenas como o namorado imprudente, mas o amor independente, franqueei-me vendo o jovem do amor se transformando no jovem do ódio, colocando uma máscara que mudaria todo o caminho que trilharia, a mão estendia-se para busca-la, mas acabei me despedindo de duas coisas naquela noite, ela e eu mesmo.

Quando finalmente um tapa do destino veio a minha face. Eu me peguei aos cacos violentamente e corri para a porta, procurei-a e só encontrei solidão, amigos me davam as costas, viravam seus rostos como se tivessem me traído e o fizeram, tudo havia sido planejado para que eu fosse impedido de amar aquele momento, pedidos de despedida são os mais atendidos, mesmo quando não se quer despedir. Haviam concretizado com que nascesse o corvo farfalhando por liberdade na gaiola, prendendo-o com uma pena branca. Nem ser imortal ou encontrar a morte fariam aquela vida valer a pena, cai de joelhos, acobertado por desgraça, podia ouvir meu grito silencioso de dentro da alma, eu sabia que ela tinha ido embora, não somente dali, mas da minha vida. Uma despedida que nem mesmo conseguia olhar na minha cara pois nunca havia me visto de olhar sombrio, o sorriso que mostrava os caninos como um bom cachorro, olhos castanhos do melhor café já semeado, um jovem sorridente, um destino amável, um demônio humano eram demais para vê-la me matar, mas eu teria que aceitar.

Foi a primeira noite que eu vi o céu chorar, Ele renegava um filho e acolhia uma filha, libertava seu amado pombo e acorrentava seu favorito corvo. Não quero dançar sozinho nesse ritmo vívido, mas foi-me confiado a dádiva de viver não somente por mim, num mundo lamacento até os joelhos de tantos desencontros, mas nunca de desamores.

Termina-se o baile comigo tentado se procurar, a madrugada havia sido piedosa e não me adoecera, mesmo em uma noite chuvosa que perambulava igual uma alma penada, carregada de ódio mas que ainda possuía um objetivo nesse plano. Procurei-me e não achei, procurei a ela e não time nem mesmo um sussurro, saberia que, procurando-a no dia claro, esclareceria que eu nunca mais a veria. Não nessa vida.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 19/09/2018
Código do texto: T6453548
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