Nunca

     Resolveu ter seu primeiro namoradinho na hora do recreio, quando a chamaram para brincar de pique.
     — Só brinco com vocês se ele aceitar ser meu namorado! – ela intimou seu candidato, e ele aceitou.
     Ele tinha o cabelo todo encaracolado como um carneirinho e ela queria ser a única a lhe fazer carinho. Gostava de sentir a ponta dos dedos afundando entre os cachos ondulados.
     — Seu cabelo é tão fofinho! – ela dizia enquanto lhe fazia cafuné.
     Ficaram namoradinhos só até o final do ano, mas ela nunca se esqueceu do cabelo dele.
     Sua primeira paixão foi no começo da adolescência. Moravam na mesma rua, ele era dois anos mais velho, e seus olhos de esmeralda a olhavam com um jeito que era só para ela. Beijaram-se em uma festa de aniversário, e foi o primeiro beijo deles. Ela gostava de beijá-lo de olhos abertos só para ver aquele par de olhos verdes.
     — Acho que te amo! – ele disse da segunda vez.
     Ela se assustou. Não esperava por essa. Achava que sentia o mesmo, mas não disse nada. Na semana seguinte ele se mudou com a família de uma hora para a outra e eles nunca mais se viram. Deu conta de que o amava e que devia tê-lo dito. Chorou escondido por um mês, depois seguiu em frente, mas nunca se esqueceu dos olhares preciosos que eles trocavam entre si.
     Sua primeira transa foi durante a faculdade. Eles eram do mesmo curso. Gostavam das mesmas bandas nacionais, internacionais e alternativas. Gostavam das mesmas festas, das mesmas tribos, dos mesmos filmes, das mesmas filosofias. Confessaram um ao outro seu amor, seus medos, seus traumas, suas fantasias, seus sonhos. Depois que se formaram, cada um meio que seguiu a própria vida. Viam-se e ficavam de vez em quando. Mas, um dia, quando não se viam há mais de um ano, ela recebeu a notícia. Ele fora fazer uma viagem de motocicleta com os amigos e uma curva o levou. Ela sabia que ele agora era um anjo. E nunca se esqueceu de que ele fora sua alma gêmea.
     Quase balzaquiana, conheceu um amigo de uma amiga em um churrasco dos colegas de trabalho. Ficaram, mas ela não botava fé de que ele era o cara. Ele a conquistou pela persistência, com orquídeas cada vez que ficavam mais de dois dias sem se ver, com vinhos nos finais de semana, e com um beagle filhote no primeiro aniversário de namoro. Casaram, tiveram um filho. Depois cansaram-se um do outro e separaram-se, mas ela nunca se esqueceu de como ele namorava bem.
     Certo dia, enquanto folheava fotos antigas, pensava em cada marca, pensava que se houvesse mais recreios, se ninguém se mudasse, se ninguém fosse cedo demais, se ninguém se cansasse, o que seria de sua vida, foi quando ouviu o filho já adolescente chorando baixinho no quarto.
     Pensou por um momento se deveria deixá-lo só, se o pai resolveria depois, mas decidiu que daria conta. Bateu à porta e perguntou ao filho o que havia acontecido.
     — Mãe, tem uma menina na escola que tinha pedido para namorar comigo. Eu sempre gostei dela, mas ficava com medo de dizer a ela o que eu sentia e acabar estragando tudo. Semana passada ela perguntou se eu ia finalmente beijá-la e nos beijamos, mas hoje ela disse que o pai soube do namoro e dos beijos e a proibiu de namorar, e agora vai mudá-la para outra escola, e não poderemos mais nos ver. Ela disse que, mesmo longe, nunca vai se esquecer da minha voz, porque quando ela vai dormir e lembra da minha voz, ela dorme mais tranquila. Ela disse isso, que nunca vai se esquecer de mim porque eu marquei a vida dela para sempre. Mas eu gostaria de saber, mãe. Será que é assim mesmo? Será que quando ela crescer e conhecer tanta gente diferente, ela um dia vai acabar se esquecendo de mim?
     Ela olhou bem fundo nos olhos do filho e confessou-lhe o segredo.
     — Nunca.

 
Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 27/09/2018
Reeditado em 27/09/2018
Código do texto: T6461390
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.