A sacralização do Amor

A SACRALIZAÇÃO DO AMOR

“Nossas mais doces canções

são aquelas que falam dos

mais tristes pensamentos”.

(Percy Bysshe Shelley)

A música esbarrava entre os corpos vaga-lumes. Era uma doce e amável noite; desprendida n’uma ilusória alegria que morria por aquelas moradas estagiárias. Os vaga-lumes iluminavam todos os lados: a sonolência do cansaço, os corpos tumultuados e desfigurados, a beleza disfarçada, o canto imperfeito dos tímidos, e as exclamações dos perdidos. Pulsava o peito, findava uma melodia para o começo d’outra... estavam lá – toda treva impura, esculpida nos passos desequilibrados do destino. A senhorita Margarite era a sombra das noites insones; vestia n’alma a luxúria desalmada e fugia para os braços de seu predestinado amado. N’outra hora, voltava para antigos abraços voluntários. O senhor Fausto era o mais indolente aos sentimentos; esbanjava alucinações, desfalecia por cada nota falsa e nas batidas coloridas, inventava seu grandioso palco. O senhor Austin, um romântico fantasma; bebia goles e goles d’esperança, às vezes adormecia sobre textos inacabados, outras, lamentava por sua amada dedicada aos amores voluntários. O senhor Dorian sustentava seu mundo com mais uma taça de vinho, bebia goles de saudade, de tristeza e sonhos. – Todos estavam entregues às mentiras que os cercavam. A senhorita Mary deixava a inquietação domar sua decisão; dançava sobre as lágrimas e escrava d’um vestido iluminado, despia- se em lágrimas. A senhorita Camille era a flor mais bela; casada com o tempo, chorava taças e taças em solidão e não compreendia o erro de estar apaixonada. Me desprendi das linhas já escritas, da noite revestida de mentiras. Senti uma súbita angústia por Margarite, que ria ao concluir sua luxúria. Pelo senhor Fausto, que chorava ao ver seu grandioso palco em pedaços – soterrei os gritos que não falavam ao ver o senhor Dorian, que passava a beber os mesmos goles de mentiras, pelo senhor Austin, que mentia para o amor ao tentar provar sua existência. Pela senhorita Mary que descobriu o paraíso no desfazer de seu vestido e pela senhorita Camille que desistiu do amor. Fugi. Fugi daquele umbroso recanto, das fitas da vida que sem querer nos matam. Fugi daquele nevoento sentimento de tristeza e pensei na noite cá fora...

Ah, meu Deus... Pode a aurora transbordar de paz e amor os corações que estão em chamas?!

Dylla Vicente
Enviado por Dylla Vicente em 20/02/2019
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