AGOSTO...

Antes:
- Está frio lá fora!
- Não gosto muito do inverno daqui, frio e úmido... Parece que resfria a gente por dentro, dos ossos até a alma!
- Calma... Depois que tudo passar, vamos sentir saudades... Você me falava calma e tranquila, com um sorriso no olhar!
E vinha apressada com uma xícara de chá, umas bolachas, na bandeja que equilibrava com mãos tão ágeis...
Sentava-se á minha frente, e nos olhávamos olhos nos olhos, sorvíamos os goles fumegantes, como crianças a traquinar... A última bolacha, sendo doce, era sempre minha, sendo salgada, ficava invariavelmente pra lá...
Já faz um tempo que você não vem mais aqui...
Com as tuas palavras marotas, com malícias no olhar!
Foi-se aquele inverno, frio e úmido, vieram outros, e outros, eu sentado á janela balbucio ainda hoje para quebrar o silencio da sala, - Está frio lá fora!, sem a tua resposta para arrematar...
E não é que sempre para mim, sempre está frio lá fora?
Pois a vida segue... - Tem pernas próprias à danada, que ninguém a consegue parar!
Já faz um tempo que você não se senta á minha frente, falando comigo quase em tom de segredo... –Quem naquele tempo nos escutaria? Quem, agora me escutará?
A nossa casa era quente, sempre quente, mesmo sob uma atmosfera tão fria, sob as gotas d’água da chuva, que insistia em desabar...
Havia as roupas que cheiravam lavandas... Que você me obrigava a usar... As meias que me incomodavam os passos, as blusas pesadas que me impediam os abraços, abraços que eu insistia em lhe ofertar...
E, sobretudo, a cama em que nos deitávamos, pareciam a certo tempo fornalhas...
Eram as tuas pernas se enroscando com as minhas! Meu dorso procurando a macies de seu colo, o emaranhado de fios de teus cabelos, que ora me tampavam a visão dos olhos, ora me atrapalhavam o roubo de outro beijo!
E lá fora, o uivo do vento! Enquanto aqui dentro de nossa casa, no escurinho de nosso quarto, apenas gemidos deitavam-se com a gente...
Está frio lá fora e quieto esta noite... Parece que está imóvel o próprio tempo!
Mais uma das noites frias de agosto...
A janela, hoje, eu deixei meio aberta, algo me sufoca...
Preciso de ar em meu corpo inteiro...
Frio, cortando a minha face, meus olhos cheios de lágrimas, as mãos magras, de veias saltadas, em cujos dedos trago agora, tua foto, já bem amarelada, pelo tanto de meus beijos...
O tempo... O que fez de nós o tempo?
Tudo!
Nada!
Vêm aqui às vezes os filhos e os netos, os filhos com os netos, os netos sempre saltitando e mais nada...
Você?
Apenas nas lembranças a fazer-me companhia. Sorrindo na maioria das vezes, nas outras, poucas e esparsas, ralhando comigo por alguma bobagem, para mim passageira, para você, passível de pena máxima.
Você, somente você sabia ser o sol de inverno, lá fora no nosso quintal, aqui dentro nos cômodos de nossa casa, e em nosso quarto, nos mistérios...
Só você!
Meu sol de inverno, como se somente eu estivesse carente de sol, como se somente eu estivesse à mercê do frio, da chuva, daqui deste lugar do qual nunca sai...
Do qual, você sem aviso, foi-se embora!
Quando os ventos enfurecidos das noites frias irão levar-me até você?
Quando as águas das chuvas, geladas qual adagas a rasgar as minhas carnes, levarão a mim até onde tu se encontras agora?
Quando se apagará a luz de minha consciência para que somente brilhe a tua luz, o teu calor, meu amor?
Quero adormecer contigo novamente, para contigo amanhecer...
Você, que eu amei e ainda amo tanto...
Meu sol de inverno, que mesmo que passem todas as fases dos anos, nunca, nunca se apagará!
Súbito, uma lufada de ar mais forte escancara a porta da sala entreaberta...
E mais nada!
Agora:
Um pedaço de papel três por quatro jaz imóvel no canto da casa, sempre voltado para a janela!

Edvaldo Rosa
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