SOLIDÃO NÃO É PARA SÃO JOÃO

António, figura artística da pequena cidade de Pitombas, tinha uma menina chamada Luana, uma mulata de cabelos encaracolados.Diferente das moças da cidade, ela não se entusiasmava com as tradicionais festas de Pitombas. Mas nem sempre foi assim.

Todas as terças-feiras, sem ninguém perceber, a menina saia rumo à casa do Nego Raimundo, um senhor de idade, ex-professor,aposentado e de saúde um pouco debilitada. Há oito dias estava a trabalhar com caderno e lápis na mão numa peça teatral para presentear o tradicional grupo de quadrilha da cidade: Arrocha o Nó. O seu ego saltitava só em pensar que em poucos meses, dias... os seus olhos e ouvidos estariam cercados de admiração e elogios.

Do lado da escrivaninha, que aparentava ser quase inútil para apoiar os velhos braços do senhor Raimundo e tudo que fosse necessário à vida de um fantástico texto, lá estava Luana sentada, de boca aberta e altamente atenta à leitura dos primeiros rabiscos do velho Nego, tanta admiração assim o deixava cismado, porque não entendia o motivo da tamanha admiração. Luana nada falava, apenas direcionava discretamente ao amigo um sorriso, o que ele não sabia é que a menina ao se despedir se entregava a uma espécie de melancolia que, quase sempre, lhe empalidecia. Isso ninguém percebia, por acontecer nas altas horas da noite!

Não demorou muito para as festividades do mês de junho chegar. Neste período Santo Antônio, o padroeiro da cidade, era o homem mais paparicado pelas moças da cidade, seus ouvidos já exaustados estavam devido a uma imensidão de pedidos e para cada graça um casamento concedido.

Diante dos olhos de Luana a cidade se enfeitava, alegria e som a voz de Luiz Gonzaga noite e dia zoava. Certa noite, após vê o ensaio da quadrilha Arrocha o Nó, Luana se afogava em lágrimas na sua cama, mas levantou-se e ao pé de uma pequena mesa se ajoelhou, rezou e sobre a mesa lá estava uma pequena imagem de Santo António a lhe escutar. A imagem representava para si, além de santidade, uma lembrança dada por seu pai ainda pequenina; homem de fé, criador e dançarino da quadrilha Arrocha o Nó, além disto, era um dos maiores fã do rei do baião. Já na cama, porém adormecida, Luana sonhava alegremente com o pai, no conforto de seus braços a menina escutava os conselhos do velho António. E assim, com o passar das horas ressurgia em Pitombas, ao som da passarada, um novo sol. Para alegria da mãe e de todos, naquela manhã Luana sorria e se banhava a luz do sol demonstrando uma alegria inexplicável, como se de alguma forma os raios do sol lhe alimentassem e lhe restaurasse a vida com belas doses de felicidades.

Horas antes de ir à casa do velho Nego, Luana aceitava o convite do primo Carlos, dançarino antigo do grupo Arrocha o Nó, para participar da tradicional quadrilha da cidade e, consequentemente, participar da peça teatral escrita pelas mãos talentosíssima do Nego Raimundo.

Chegada a hora de ir à casa do velho Raimundo; Luana saltitava alegremente pelo caminho. Assim, após ouvir a peça do arraiá já concluída e elogiá-la, a menina compartilha pele primeira vez o sonho que teve com o pai. Depois de escutá-la o velho amigo a conforta em sus braços.

A solidão que abatia dolorosamente a profundidade no seio de Luana era proveniente de um trágico acidente de carro que acabou ocasionando a morte de seu pai, no auge de sua carreira artística, há três anos, por isso que junho é um mês tristonho para menina dos cabelos encaracolados, por ser o mês que marca o vazio presente no seio da família. Tudo que aprendera com o pai, como atuar, dançar e até mesmo cantar não sentia vontade ou prazer de fazer. Porém, tudo mudara naquela noite de junho ao sonhar com o eterno pai.

Comovido e quase sem palavras o velho Nego a anima acariciando os belos cabelos da moça , e falando que a sua volta às festividades local, a alegria, seria uma grande homenagem ao tão amado pai. E que o amor paterno nunca se perde, mas se tem no peito para toda a vida. E que na vida devemos pele menos, tentar ser feliz apesar das perdas.

Chegada a tão esperada noite, Luana tremia de ansiedade, mas também de felicidade. A devida noite, diferente das outras, foi a mais comentada em anos em Pitombas. E ao som do xaxado e baião Luana dançava com muita animação.

Amanda Hellem

Amanda Hellem
Enviado por Amanda Hellem em 25/05/2020
Reeditado em 17/07/2020
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